O Voyeur (Tinto Brass, 1994)
Com: Francesco Casale, Katarina Vasilissa, Cristina Garavaglia, Raffaella Offidani, Antonio Salines
Por algum motivo que ainda tenho que descobrir, O Voyeur é considerado um dos melhores filmes de Tinto Brass. Pode ser que sim, pode ser que não. Na minha opinião, nenhum dos mais recentes ao qual fui exposto foi além do controverso Calígula (1979). Todos eles são rasos, quase totalmente fúteis em sua essência, com valores técnicos que nem sempre conseguem ser notados em meio ao vácuo narrativo e ao excesso voyeurístico. Os colírios da vez são Katarina Vasilissa, a esposa do tal voyeur do título (Francesco Casale), e a espevitada Cristina Garavaglia, enfermeira do pai do tal voyeur do título. O voyeur passa todo o filme só assistindo às duas atormentarem sua vida, se torturando por não saber com quem sua volátil esposa anda pulando a cerca. Bem, pelo menos Tinto Brass injeta algum senso cinematográfico em seus enquadramentos e movimentos de câmera, tirando seu filme da categoria dos softcore rasteiros da programação da madrugada.
O Nevoeiro (Frank Darabont, 2007)
Com: Thomas Jane, Marcia Gay Harden, Laurie Holden, Toby Jones, Andre Braugher
Às vezes o cinema é capaz de produzir parcerias imbatíveis, e com O Nevoeiro mais uma delas se solidifica. Esta pode (ainda) não ser tão evidente quanto a de outras duplas famosas como Jerry Lewis e Dean Martin, Mel Gibson e Danny Glover, Ingmar Bergman e Liv Ullmann ou Steven Spielberg e George Lucas.
A parceria à que me refiro é, obviamente, Frank Darabont e Stephen King. Darabont é, atualmente, um dos diretores mais bem aceitos tanto por público quanto por crítica. Todos os seus trabalhos mais conhecidos foram adaptados da prosa de King (Um Sonho de Liberdade, À Espera de um Milagre e este aqui), e compartilham entre si características que os fazem filmaços imperdíveis: todos são extremamente envolventes, humanamente desconcertantes e, do ponto de vista técnico, filmados com um olhar completamente alinhado com os gêneros aos quais pertencem.
O Nevoeiro, por exemplo, ao contrário dos demais filmes mencionados, é um terror puro. Parece mais uma refilmagem ou reciclagem de A Bruma Assassina (John Carpenter, 1980), mas está bem longe disso. Tematicamente, ele compartilha elementos com o recente Fim dos Tempos de Shyamalan (para quem não engole o indiano e seu senso artístico, já vou avisando que King e Darabont são mais claros em suas explicações e em seu desfecho, mas não menos contundentes). A história é simples e traga o espectador para uma situação inicialmente desconhecida, e a seguir desesperadora. Certo dia, depois de uma tempestade, um grupo de pessoas acaba preso dentro de um supermercado quando um agressivo nevoeiro tira toda a visibilidade ambiente. Há algo do lado de fora, algo que todos irão descobrir em breve o que é.
O estudo da alma humana presente no roteiro é riquíssimo. Há diálogos fantásticos travados entre desafetos que partilham uma civilidade recém-conquistada, e também entre amigos de longa data cuja conduta é consumida pelo desespero e pelo medo. Há momentos de insuportável tensão, em meio a arroubos de violência que causam perplexidade a personagens e platéia. Para cada cena não muito bem acabada de sangue digital existe um contraponto dramático que o suplanta na mesma medida, o que mantém a qualidade de um trabalho de horror que soa, sim, derivativo em relação a muitos outros, mas é praticamente imbatível na fundamentação do desastre retratado.
Querem um conselho? Evitem ler qualquer coisa a respeito antes de assistirem ao filme. Notem, por exemplo, que não há nada nestes parágrafos que entrega algo da história.
Encarnação do Demônio (José Mojica Marins, 2008)
Com: José Mojica Marins, Jece Valadão, Rui Resende, Milhem Cortaz, Adriano Stuart
É triste a constatação de que, infelizmente, José Mojica Marins não conseguiu fugir à contaminação de décadas acorrentado a programas de TV de última categoria, aparições em festas de halloween e pagações públicas de mico. Que suas obras clássicas descansem em paz, imaculadas e protegidas por sua eternização em meio digital, porque esse Encarnação do Demônio não faz jus às duas primeiras partes da trilogia de Zé do Caixão (À Meia-noite Levarei Sua Alma e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver).
A maior fraqueza deste terceiro capítulo é, de longe, a interpretação de Mojica. Declamada, teatral demais, completamente fora de compasso com o acabamento profissional de todo o longa. Nos momentos mais ruins, parece que o cara está apresentando o Cine Trash! O elevado nível de nudez feminina, de escatologia e de sangue ajuda a compensar essa falha, mas não consegue – nem de perto – tornar o filme memorável. Não adiantam as lições obviamente aprendidas com Jogos Mortais e O Chamado. O ponto de partida do roteiro é ótimo: após anos encarcerado, o agente funerário psicopata Zé do Caixão é libertado e, com o auxílio de seu fiel ajudante Bruno (Rui Resende), reinicia sua campanha para encontrar a mulher que lhe dará o filho perfeito. Logo ele arranja um séquito de fiéis acólitos, mas em seu encalço aparece um policial caolho e antigo desafeto (Jece Valadão, surpreendentemente a melhor atuação de todo o filme), entre outras figuras histrionicamente caracterizadas (Milhem Cortaz em especial). Infelizmente, a premissa é logo soterrada por absurdos que só poderiam ser relevados se a história ainda se passasse no final da década de 60, enquanto personagens são jogados em cena e somem sem qualquer aviso ou desenvolvimento.
Enfim, assista pelo fator mulher pelada, ou pelo fator de "único filme de horror brasileiro feito em muito tempo". Mas não se engane, o verdadeiro Zé do Caixão está morto desde 1967. E convenhamos... Até no título genérico e frouxo, Encarnação do Demônio empalidece diante dos filmes clássicos.
O Albergue (Eli Roth, 2005)
Com: Jay Hernandez, Derek Richardson, Eythor Gudjonsson, Barbara Nedeljakova, Jan Vlasák
Tudo bem que O Albergue é um trabalho de ficção, mas eu não sabia – até assistir aos extras do DVD – que a idéia havia surgido a partir de um site que vendia (por brincadeira, espero) vítimas para serem assassinadas ou algo assim. Num mundo onde bizarrices similares são passíveis de ocorrer na casa do vizinho, há de se admirar a iniciativa de Eli Roth de transformar a premissa em filme. Nesta revisão, posso dizer que gostei mais do final do diretor, que aparece no DVD e é radicalmente diferente (e de certa forma mais cruel) daquele que foi exibido nos cinemas.
O filme continua divertido, apesar da violência mostrada não ser para qualquer um.
O Procurado (Timur Bekmambetov, 2008)
Com: James McAvoy, Morgan Freeman, Angelina Jolie, Thomas Kretschmann, Konstantin Khabensky
Com uma trama baseada em HQ, era de se esperar que a narrativa deste novo trabalho do russo Timur Bekmambetov fosse mais digerível e menos complicada que a da série de vampiros iniciada por Guardiões da Noite. Tem gente que não gostou do riscado, mas é preciso admitir que o cara sabe como turbinar a adrenalina da platéia com cenas de ação acachapantes. Soma-se a isso um protagonista clássico, o rapaz manezão (James McAvoy) que descobre ser um fodão capaz de rivalizar com o Neo de Matrix. E esta comparação com o clássico dos irmãos Wachowski não é gratuita: O Procurado posa claramente como uma espécie de clone de Matrix, mas as ações mirabolantes desta vez ocorrem no mundo real, e não num ambiente virtual criado por computador.
Judiado no trabalho por uma chefe obesa, chifrado pela namorada com seu melhor amigo e vítima de ataques de ansiedade, o cara é pego num tiroteio maluco entre uma bad girl (Angelina Jolie, tão seca que dá até dó) e um assassino implacável. Arregimentado por um clã de tecelões (!) liderado por Morgan Freeman, que pratica o "assassinato preventivo" (à la Minority Report) e está às turras com um membro desgarrado da turma, o rapaz passa por um treinamento cruel para despertar seus dons adormecidos de fodão herdados do pai, que o tornam capaz de coisas como curvar as balas de qualquer arma de fogo. Sim, o nível de impossibilidades é daí para cima. O mais incrível, porém, é que a suspensão de descrença funciona.
As surpresas podem ser antecipadas sem muito esforço e o final não é lá grande coisa, mas a viagem vale a pena. E que venha a inevitável continuação.
Monika e o Desejo (Ingmar Bergman, 1953)
Com: Harriet Andersson, Lars Ekborg, Dagmar Ebbesen, John Harryson, Åke Fridell
A juventude sob a perspectiva da fase inicial da obra bergmaniana é amarga. Como demonstra Monika e o Desejo, o idílio de um verão – ambiente também recorrente em todo o trabalho de Bergman na década de 50 – deveria permanecer intocado, pois as conseqüências de um romance mais prolongado podem ser cruéis. Parece óbvio que o cineasta está exorcizando aqui algo de sua própria experiência pessoal. Monika (Harriet Andersson) é a desinibida moça da quitanda de fama não muito boa, mas que cai nas graças do tímido e calado Harry (Lars Ekborg). Juntos, eles decidem deixar suas vidas de lado para passar um verão vivendo num pequeno barco. O drama não tem surpresas fora aquelas que geralmente ocorrem na vida real, mas é na técnica requintada que mais uma vez esta obra de Bergman brilha. Percebe-se, por exemplo, uma evidente maturidade em relação ao anterior Juventude, que partilhava o mesmo tema. Tanto Andersson quanto Ekborg estão ótimos em cena, encarnando a lascívia, a inocência e o sofrimento com extrema habilidade.
Divagações postadas por Kollision de 9 a 14 de Setembro de 2008