Ainda mais do que o seminal À Meia-noite Levarei Sua Alma, este é o representante máximo do horror clássico no cinema brasileiro. Ele é tudo o que o primeiro filme foi, e vai ainda além tanto na ousadia de seu personagem central, o inimitável Zé do Caixão, quanto na qualidade da cinematografia, consideravelmente melhor e mais bem produzida. Até mesmo o nome do caboclo é entregue de lambuja em alguns poucos momentos que podem passar despercebidos: Josefel Zanatas. Isso mesmo, esse é o nome do nosso bicho-papão de unhas compridas, capa e cartola preta. O que com certeza renderia uma boa pergunta num quiz sobre cinema.
A fama de Mojica, principalmente nos circuitos alternativos de cinema, ganhou uma força tremenda com as suas seqüências de tortura onde moças imberbes são soterradas por aranhas caranguejeiras e cobras. Estas últimas sendo não peçonhentas, claro, mas quem é que se importa com isso ao se deparar com uma delas enrolada no pescoço? E engana-se quem acha que a história sustenta-se apenas nisso. A ascensão de Zé do Caixão a monstro sagrado do horror é conduzida com certa classe pelo roteiro relativamente denso, apesar de ainda amador e carregado de alguns diálogos profusamente inúteis, quase sempre envolvendo as declamações da filosofia nada ortodoxa do agente funerário. Sua busca pela mulher ideal para criar o filho perfeito é levada à últimas conseqüências, e há até quem tenha traçado paralelos ridículos do personagem com os ideais nazistas. Como se Mojica se preocupasse com esse tipo de bobagem...
Muitos dos conceitos apresentados nos grandes contos clássicos do gênero são incorporados ao filme. Um deles é Bruno, o ajudante do vilão, feito por um ator do primeiro filme (Nivaldo de Lima) que retorna praticamente irreconhecível com uma corcunda tosca e hilária. A seqüência final presta homenagem a um grande clássico da literatura e do cinema, que não posso mencionar por risco de estar entregando o final de lambuja para os meus colegas aficcionados que ainda não tenham visto o filme. A grande sacada, contudo, está na originalidade com que Zé do Caixão perpetra seu plano e, por exemplo, seleciona sua concubina ideal (Nádia Tell). Há uma dose razoável de nudez (principalmente para a época em que o longa foi lançado), humor quase involuntário (o tal de Truncador é um achado) e um petardo de escapismo psicodélico (a seqüência a cores em que o Zé vislumbra as torturas do inferno).
A nudez não tem nada de gratuita, e tudo o mais funciona muito bem para garantir o status de pérola do baixo orçamento que o filme possui. Tina Wohlers, a sobrevivente do primeiro teste do Zé, era linda, e merecia o lugar que foi reservado a Nádia Tell, uma clara imposição da produção sobre o trabalho do diretor. O maior revés do filme, porém, fica por conta das últimas linhas declamadas por Zé do Caixão, uma exigência ainda mais imbecil imposta pela censura, que vai contra tudo o que o personagem significa em sua anarquia e seu inconformismo. Desde o momento em que ele se recupera do baque sofrido no final do primeiro filme e é inocentado de seus crimes até o instante final em que o vilão carimba o seu ingresso entre os monstros imortais da sétima arte (esqueçam a sua última frase), está garantida uma das mais originais viagens pelo bizarro e pela mente de um cineasta de talento bruto em pleno uso de seus poderes.
De lá para cá, criador e criatura se confundiram, mas isso já é outra história.
Mais uma vez, o melhor extra do caprichado DVD do filme é a trilha de comentários liderada por José Mojica Marins, onde é possível dar umas boas risadas e ter uma idéia da quantidade de problemas com os quais ele teve que lidar para terminar o projeto. Há a introdução rápida do diretor antes do início do longa, entrevistas com Mojica e com várias pessoas envolvidas de alguma forma na produção de seus filmes, um documentário de quase meia hora sobre a sua obra (feito por Ivan Cardoso), um conto de terror feito para o rádio, a canção tema do Cine Trash, quatro galerias de fotos do filme e dos quadrinhos do Zé do Caixão, biografias do diretor, do produtor Augusto de Cervantes, da roteirista Aldenoura de Sá Porto e da atriz Nádia Tell, o roteiro original do filme, um artigo em texto sobre "os medos", os argumentos de uma continuação jamais filmada (A Encarnação do Demônio) e de outro conto macabro, especiais mostrando uma visita ao museu do Zé do Caixão, a galeria de troféus da carreira de Mojica, a recriação da maquiagem do personagem Bruno e o teste do grito das ajudantes do Zé do Caixão, além de um trailer do filme, acompanhado dos trailers de À Meia-noite Levarei Sua Alma, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, Mulheres do Sexo Violento e O Profeta da Fome.
Revisto em DVD em 2-SET-2006, Sábado - Texto postado por Kollision em 6-SET-2006