Revisto em Blu-ray em 14-SET-2012, Sexta-feira
Pode passar despercebido para muita gente, mas sob a cortina de horror que marca o aspecto geral de O Nevoeiro há um estudo de personagens fascinante. Mais ou menos como camundongos isolados e privados das necessidades mais básicas, as pessoas presas no supermercado por causa do nevoeiro misterioso mostram sua verdadeira natureza diante de dificuldades fora do comum. O respeito aparente cai por terra e sucumbe a feridas nunca cicatrizadas, faces improváveis dão um passo à frente e assumem papel de liderança, cães que latem e não mordem aparecem aos montes e a grande maioria recorre a saídas fáceis que provêm redenção instantânea e o direito de exercitar uma justiça torta. Até certo ponto a interação entre os personagens é mais aterradora que as criaturas que se escondem dentro do nevoeiro, numa subversão temática que enriquece o filme de um modo quase inesperado. Aos olhos do espectador nenhuma das peças principais nesse drama escapa de julgamento, nem mesmo o protagonista feito por Thomas Jane – seu arco narrativo é duplamente cruel por crucificar suas decisões e por mostrar que um pouco mais de preocupação com o próximo poderia ter lhe rendido a salvação completa. A hipérbole é irretocável, tal qual a direção de Frank Darabont.
O Blu-ray da Paris Filmes é uma pobreza só, não tem um extra sequer.
Visto no cinema em 4-SET-2008, Quinta-feira, sala 8 do Multiplex Pantanal
Às vezes o cinema é capaz de produzir parcerias imbatíveis, e com O Nevoeiro mais uma delas se solidifica. Esta pode (ainda) não ser tão evidente quanto a de outras duplas famosas como Jerry Lewis e Dean Martin, Mel Gibson e Danny Glover, Ingmar Bergman e Liv Ullmann ou Steven Spielberg e George Lucas.
A parceria à que me refiro é, obviamente, Frank Darabont e Stephen King. Darabont é, atualmente, um dos diretores mais bem aceitos tanto por público quanto por crítica. Todos os seus trabalhos mais conhecidos foram adaptados da prosa de King (Um Sonho de Liberdade, À Espera de um Milagre e este aqui), e compartilham entre si características que os fazem filmaços imperdíveis: todos são extremamente envolventes, humanamente desconcertantes e, do ponto de vista técnico, filmados com um olhar completamente alinhado com os gêneros aos quais pertencem.
O Nevoeiro, por exemplo, ao contrário dos demais filmes mencionados, é um terror puro. Parece mais uma refilmagem ou reciclagem de A Bruma Assassina (John Carpenter, 1980), mas está bem longe disso. Tematicamente, ele compartilha elementos com o recente Fim dos Tempos de Shyamalan (para quem não engole o indiano e seu senso artístico, já vou avisando que King e Darabont são mais claros em suas explicações e em seu desfecho, mas não menos contundentes). A história é simples e traga o espectador para uma situação inicialmente desconhecida, e a seguir desesperadora. Certo dia, depois de uma tempestade, um grupo de pessoas acaba preso dentro de um supermercado quando um agressivo nevoeiro tira toda a visibilidade ambiente. Há algo do lado de fora, algo que todos irão descobrir em breve o que é.
O estudo da alma humana presente no roteiro é riquíssimo. Há diálogos fantásticos travados entre desafetos que partilham uma civilidade recém-conquistada, e também entre amigos de longa data cuja conduta é consumida pelo desespero e pelo medo. Há momentos de insuportável tensão, em meio a arroubos de violência que causam perplexidade a personagens e platéia. Para cada cena não muito bem acabada de sangue digital existe um contraponto dramático que o suplanta na mesma medida, o que mantém a qualidade de um trabalho de horror que soa, sim, derivativo em relação a muitos outros, mas é praticamente imbatível na fundamentação do desastre retratado.
Querem um conselho? Evitem ler qualquer coisa a respeito antes de assistirem ao filme. Notem, por exemplo, que não há nada nestes parágrafos que entrega algo da história.