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Filmes Vistos em Setembro - Parte 2

Cecilia (Jesus Franco, 1982) 5/10

Com: Muriel Montossé, Richard Darbois, Christian Dragaux, Antonio Mayans, Lina Romay

De tanto fazer filmes a torto e a direito, não é difícil imaginar que Jesus Franco ficasse sujeito a situações como a deste longa-metragem, que não passa de um reaproveitamento de Aberraciones Sexuales de una Mujer Casada, que ele lançara em 1980. Com uns 15 minutos a mais dirigidos e inseridos por um tal de Olivier Mathot (que também aparece nas cenas), Cecilia foi lançado como outro filme, sendo em sua essência a mesma coisa da versão espanhola. Casada com um aristocrata há pouco tempo, a personagem-título (Muriel Montossé) descobre novas sensações após ser violentada por dois dos empregados a quem costumava provocar. De forma bastante persuasiva, ela convence seu marido a participar de seus jogos sexuais, o que pode levá-los a um beco sem saída num relacionamento que tende a se tornar cada vez mais instável. Franco imprime ritmo lento a uma atmosfera contemplativa, num rompante erótico que conta com pelo menos uma ou duas ocorrências de ótimos diálogos. O filme é bem mais austero do que parece, mas não é marcante o bastante para ser lembrado depois de visto.

Hellboy II - O Exército Dourado (Guillermo Del Toro, 2008) 6/10

Com: Ron Perlman, Selma Blair, Doug Jones, Luke Goss, Jeffrey Tambor

Esta continuação consegue superar por pouco o primeiro filme, mas não é lá grande coisa. Para mim, Hellboy representa um contraste incômodo. Não sei se isso é culpa da representação dada por Guillermo Del Toro no cinema ou se é herança da HQ de Mike Mignola, já que eu nunca cheguei o ler o material, mas é difícil digerir um conto fantástico onde a cria do inferno porta-se como um grandalhão apaixonado e, acima de tudo, corretíssimo ao lado do bem. A nova aventura se desdobra sobre a ameaça de um herdeiro do além (Luke Goss) revoltado com a humanidade, que deseja acordar seu exército invencível de andróides dourados para exterminar a raça humana. Hellboy (Ron Pearlman) está às turras com a namorada pirocinética Liz (Selma Blair), mas ainda conta com a ajuda do anfíbio Abe (Doug Jones) e do recém-chegado espectro embalsamado Johann Krauss (voz de Seth McFarlane). As novas criaturas que aparecem no filme são claros spin-offs do ótimo O Labirinto do Fauno, e a ação é mais homogênea que no primeiro longa. Os contras ficam por conta dos efeitos especiais da pirocinese de Selma Blair, que não convencem, e de um adversário que soa simplesmente invencível, o que torna o resultado de sua luta final com Hellboy meio forçado. E que tipo de namoro é esse entre o vermelhão e a magricela, que não trocam nem mesmo um beijinho durante todo o filme?

A Senha - Swordfish (Dominic Sena, 2001) 9/10

Com: John Travolta, Hugh Jackman, Halle Berry, Don Cheadle, Sam Shepard

Nos idos de 2001, poucas eram as esperanças de que um filme despretensioso como este pudesse ser uma das principais surpresas da safra hollywoodiana. Pois a verdade é esta, meus caros: se ainda não assistiram a Swordfish, vão e corrijam esta injustiça o mais rápido possível. Principalmente se vocês curtem histórias meio escapistas e abiloladas, porém bem construídas e atuadas.

Ainda frescos do sucesso conseguido em X-Men - O Filme, Hugh Jackman e Halle Berry são dois dos atrativos óbvios da película (em especial Berry, que mostra aqui porque é uma das atrizes mais quentes de sua geração quando bem-aproveitada). Ela é a concubina de luxo do terrorista Gabriel (John Travolta), uma figura enigmática e intocável que contrata o hacker aposentado feito por Jackman para levar adiante um roubo bilionário, enquanto Don Cheadle aparece liderando a força policial que está no encalço do bandido. E isso é tudo o que é preciso saber para curtir esta ótima viagem, que abusa de efeitos especiais elaborados, tomadas indecentemente sensuais de Halle Berry e dualidades perigosas envolvendo patriotismo e terrorismo. Na categoria dos filmes pipoca da primeira década deste século, este definitivamente faz parte da lista dos melhores.

La Bimba di Satana (Mario Bianchi, 1982) 2/10

Com: Jacqueline Dupré, Mariangela Giordano, Aldo Sambrell, Joe Davers, Giancarlo Del Duca

A.K.A. Satan's Baby Doll — Para quem acha que remakes vagabundos são exclusividade dos tempos atuais, saibam que esta palhaçada chamada La Bimba di Satana não passa de uma refilmagem do superior Malabimba (Andrea Bianchi, 1979). O tema e os personagens principais são os mesmos, com praticamente nenhuma variante que valha a pena ser mencionada. O pretenso aumento do conteúdo de horror é uma piada de mau gosto, num amontoado de baboseiras capazes de causar riso ou desgosto, dependendo do estado de espírito do espectador. Jacqueline Dupré, a tal bambina de Satanás, é uma gostosura, mas não fala praticamente nada e vai desaparecendo filme adentro, enquanto a experiente Mariangela Giordano (repetindo o mesmo papel de Malabimba) domina a história, com certeza graças ao fato de ser a esposa do produtor do filme. Aparentemente, os dois diretores de sobrenome Bianchi não têm nada a ver um com o outro. A cria do segundo, no entanto, é um desperdício quase total, e praticamente faz do primeiro filme uma obra-prima!

Perigo em Bangkok (Oxide Pang Chun e Danny Pang, 2008) 6/10

Com: Nicolas Cage, Shahkrit Yamnarm, Charlie Yeung, Nirattisai Kaljaruek, Panward Hemmanee

É óbvio que não dá para se esperar algo mais sólido ou original de um filme de ação sem novidades estrelado por Nicolas Cage. Principalmente se ele for uma refilmagem dirigida pelos próprios cineastas que fizeram o longa original, mas pode ser que os irmãos Pang estejam querendo voltar às raízes e daí partir para algo novo em sua carreira no ocidente, abandonando a ênfase que mantinham no gênero do horror sobrenatural. Cage é o assassino frio e calculista de muitos outros carnavais, e o roteiro pega o cara no que seria o seu último trabalho, em Bangkok. Contrariando sua própria doutrina, o mercenário se apega ao seu ajudante local (Shahkrit Yamnarm) e se deixa envolver por uma moça surdo-muda (Charlie Yeung), ganhando uma súbita consciência social a respeito das matanças que promove. Não dá para negar que os Pang sabem construir ambientes de suspense e orquestar cenas de ação (com uma óbvia referência a John Woo no duelo em meio aos garrafões de água), mas não há diferencial suficiente para tirar a história do lugar-comum. Com exceção de uma ou outra cena com ousado nível de gore e do final anti-hollywoodiano, o resto é padrão e só vai satisfazer mesmo a quem não deixa passar nada do cinema de ação pipoca.

Ensaio sobre a Cegueira (Fernando Meirelles, 2008) 9/10

Com: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Yusuke Iseya, Gael García Bernal

Desde o início, a adaptação de Fernando Meirelles para o livro do premiado escritor português José Saramago – que, tal qual muitos outros, foi considerado infilmável – era matéria infindável para polêmicas e opiniões altamente dissonantes. Contundente, opressivo, angustiante, forte e agressivo parecem ser os adjetivos mais aplicáveis aqui, mas há quem ache o tema como um todo ofensivo às pessoas com necessidades especiais.

Resumidamente, o drama retrata a degradação sofrida por um grupo de pessoas acometidas por uma epidemia de cegueira branca. Eles são colocados em quarentena numa instalação decadente e vêm a ser lentamente privadas de coisas básicas como comida e remédios, regredindo a estágios bárbaros de valores sociais/morais. A única pessoa que pode ver e esconde tal segredo de todos é uma mulher (Julianne Moore) que inicialmente acompanha o marido cego (Mark Ruffalo). A cinematografia adotada por Meirelles abusa de contrastes fortes, superexposição e desfocagem, com o óbvio intuito de caracterizar da melhor forma possível a desorientação dos personagens. Que em nenhum momento são chamados por nomes, assim como a cidade ou a nação em que eles estão nunca chegam a ser identificados.

Uma coisa é certa: Ensaio sobre a Cegueira há de deixar uma impressão duradoura no espectador. Quando a espiral de desespero envereda por recônditos incômodos do comportamento humano, fica difícil não ser sugado de alguma forma para dentro do drama. Lembrei-me de vários outros filmes que se relacionam com este durante a projeção, em especial de O Anjo Exterminador, Perfume - A História de um Assassino, Fim dos Tempos e qualquer um dos exemplares clássicos de filmes de zumbi feitos ou inspirados por George Romero. A metáfora presente no desfecho pode ser simples, mas é extremamente válida principalmente nos dias atuais, em que presenciamos sem qualquer firula a contínua desestruturação de várias sociedades consideradas "saudáveis".

Na minha opinião Meirelles fez um ótimo filme, melhor e mais tematicamente coeso que O Jardineiro Fiel. A julgar pela fonte de suas idéias, é justo ansiar por mais adaptações das obras de Saramago, se possível tão boas quanto esta.

Eraserhead (David Lynch, 1977) 8/10

Com: Jack Nance, Charlotte Stewart, Judith Roberts, Laurel Near, Jeanne Bates

Na tradição anteriormente estabelecida por Buñuel e num estilo que mais tarde se tornaria inconfundível, Eraserhead é o resultado de anos de masturbação cinematográfica de um David Lynch em início de carreira: um cineasta praticamente virgem, decididamente motivado e ainda não contaminado pelas mazelas do sistema, miserável como o mais pobre dos estudantes de cinema podia ser, e cercado por um time de colaboradores tão fascinado quanto ele por estarem fazendo, finalmente, cinema. O resultado, por sua vez, é de uma aridez tamanha que ele praticamente estupra o espectador com uma vertiginosidade cruel e uma inacessibilidade narrativa que só se torna suportável quando se lança mão de um senso mínimo de abstração.

Pois é, sem abstração nem adianta tentar assistir a este filme. E não é qualquer abstração, já que aqui o surrealismo de Lynch atinge elevados píncaros de impermeabilidade. A verdade, caro leitor, é que se você não é chegado a tais coisas, desista e parta para a próxima comédia romântica da temporada. Ou seja corajoso e embarque na viagem, que envolve um nerd solitário e monossilábico (Jack Nance) que tem uma grande surpresa quando uma ex-namorada o convida para jantar na casa dos pais. Seu penteado lembra uma borracha de lápis escolar, daí o título do filme – e também uma das seqüências de sonho da história. O resto, como 90% das pessoas hão de concordar, é uma série de acontecimentos bizarros, incômodos e angustiantes como poucos vistos numa tela de cinema. Gente solitária e sonhadora costuma se identificar com mais facilidade com o protagonista Henry ou com suas abstrações espaciais, e num cenário tão caótico eu geralmente tenho a tendência de simplificar as coisas. Assim, encaro Eraserhead como um pesadelo, tal qual definiu a mãe de Lynch depois de assistir ao filme do filho. Um trabalho que, obviamente, carrega traços cruzados da personalidade e da psiquê do próprio Lynch.

Tecnicamente, Eraserhead é um primor, e só pelo baque que provoca, independente de qualquer interpretação, já está bem acima da média. Minha vontade era não avaliar o filme com uma nota, pois é impossível absorvê-lo somente com uma sessão.

Uma observação boba, cruzando música e cinema: a canção da moça do radiador × a banda Portishead. Não sei não, mas a cena em que ela canta e "dança" num palco sombrio é a cara do Portishead e do estilo musical, interpretativo e cenográfico de vários de seus videoclipes. Não me espantaria nada se descobrisse que, além do nome de uma cidade, a inspiração para o nome e o estilo da banda tivessem saído diretamente desta passagem em particular.

Controle Absoluto (D.J. Caruso, 2008) 7/10

Com: Shia LaBeouf, Michelle Monaghan, Billy Bob Thornton, Rosario Dawson, Michael Chiklis

Ah, os limites do que é considerado logicamente aceitável no entretenimento... Eles existem? Deveriam existir? Por um lado, eu acredito que sim e, se tal fosse o caso, todos os envolvidos na realização deste filme deveriam ser presos sem direito a fiança. Por outro lado, derrubando os limites lógicos e mandando às favas qualquer senso de realidade, atrevo-me a dizer que Controle Absoluto é um trabalho, no mínimo, razoável. Obviamente impulsionado por coisas recentes como Duro de Matar 4.0, o filme abusa sem dó dos clichês dos pastiches de ação, mas o faz com tanta convicção e vontade que é difícil não se deixar empolgar. A história é uma correria incessante que tem como personagens centrais um desocupado sem rumo na vida (Shia LaBeouf) e uma advogada (Michelle Monaghan) que passam a ser controlados por uma mulher misteriosa que se mostra onipresente em todos os meios de comunicação, colocando-os contra o FBI e toda a inteligência norte-americana, representada por Billy Bob Thornton, Rosario Dawson e Michael Chiklis. As inconsistências são muitas e as variáveis impossíveis, tudo presunçosamente justificado a meio caminho do final, que é e ao mesmo tempo tenta não ser hollywoodiano.

Mesmo com as contradições, vale a pena ver. Nem que seja pela espetacular perseguição de carro logo no começo da loucura.

Divagações postadas por Kollision de 27 a 30 de Setembro de 2008