Visto em DVD em 28-SET-2008, Domingo
Na tradição anteriormente estabelecida por Buñuel e num estilo que mais tarde se tornaria inconfundível, Eraserhead é o resultado de anos de masturbação cinematográfica de um David Lynch em início de carreira: um cineasta praticamente virgem, decididamente motivado e ainda não contaminado pelas mazelas do sistema, miserável como o mais pobre dos estudantes de cinema podia ser, e cercado por um time de colaboradores tão fascinado quanto ele por estarem fazendo, finalmente, cinema. O resultado, por sua vez, é de uma aridez tamanha que ele praticamente estupra o espectador com uma vertiginosidade cruel e uma inacessibilidade narrativa que só se torna suportável quando se lança mão de um senso mínimo de abstração.
Pois é, sem abstração nem adianta tentar assistir a este filme. E não é qualquer abstração, já que aqui o surrealismo de Lynch atinge elevados píncaros de impermeabilidade. A verdade, caro leitor, é que se você não é chegado a tais coisas, desista e parta para a próxima comédia romântica da temporada. Ou seja corajoso e embarque na viagem, que envolve um nerd solitário e monossilábico (Jack Nance) que tem uma grande surpresa quando uma ex-namorada o convida para jantar na casa dos pais. Seu penteado lembra uma borracha de lápis escolar, daí o título do filme – e também uma das seqüências de sonho da história. O resto, como 90% das pessoas hão de concordar, é uma série de acontecimentos bizarros, incômodos e angustiantes como poucos vistos numa tela de cinema. Gente solitária e sonhadora costuma se identificar com mais facilidade com o protagonista Henry ou com suas abstrações espaciais, e num cenário tão caótico eu geralmente tenho a tendência de simplificar as coisas. Assim, encaro Eraserhead como um pesadelo, tal qual definiu a mãe de Lynch depois de assistir ao filme do filho. Um trabalho que, obviamente, carrega traços cruzados da personalidade e da psiquê do próprio Lynch.
Tecnicamente, Eraserhead é um primor, e só pelo baque que provoca, independente de qualquer interpretação, já está bem acima da média. Minha vontade era não avaliar o filme com uma nota, pois é impossível absorvê-lo somente com uma sessão.
Uma observação boba, cruzando música e cinema: a canção da moça do radiador × a banda Portishead. Não sei não, mas a cena em que ela canta e "dança" num palco sombrio é a cara do Portishead e do estilo musical, interpretativo e cenográfico de vários de seus videoclipes. Não me espantaria nada se descobrisse que, além do nome de uma cidade, a inspiração para o nome e o estilo da banda tivessem saído diretamente desta passagem em particular.
Há uma extensa entrevista de quase uma hora e meia com David Lynch acompanhando o filme, onde ele relata o básico e o bizarro no longo processo de produção de Eraserhead. Completam o pacote de extras os trailers de Down By Law e Underground.