O mexicano Guillermo Del Toro parece ser um cineasta dado a extremos, do pouco que conheço de sua filmografia até hoje. Este trabalho, por exemplo, é uma amostra de sua ousadia, onde ele coloca num mesmo filme um drama de guerra pesado e violento associado a uma fábula infantil de misteriosa beleza e apelo. Um aspecto ameaça excluir o outro de seu público-alvo (o que acontece pelo menos para um deles, pois definitivamente não se trata de um filme que crianças possam assistir), num amálgama de gêneros que torna a obra inclassificável, impossível mesmo de ser colocada em qualquer molde pré-determinado.
O cenário é a Espanha de 1944, em meio à ebulição política e militar do final da Segunda Guerra Mundial e dos conflitos civis gerados pela mão de ferro do general Franco. Ofelia (Ivana Baquero) é uma menina sonhadora e inteligente, que se muda com a mãe grávida (Maribel Verdú) para o alojamento do futuro pai da criança, um cruel e implacável capitão a serviço das forças opressoras de Franco (Sergi López). Ao encontrar um totem de pedra no caminho, Ofelia passa a ser visitada por um inseto que a conduz a um labirinto mágico encravado na floresta, onde ela encontra um fauno (Doug Jones) que lhe trata como uma princesa e lhe promete acesso ao seu reino encantado, após alguns testes que ela terá que cumprir. Sua aventura neste mundo secreto vai, em determinado momento, se cruzar com a dura realidade da guerra, cada vez mais às portas do destacamento onde ela e a mãe doente estão alojadas.
Filmado com genuína beleza tanto nos momentos mais líricos quanto nas passagens mais sombrias e trágicas, O Labirinto do Fauno é uma excepcional fantasia para adultos, que brinca com a percepção da realidade vista sob os olhos de uma criança e evoca sensações díspares de emoção, deslumbramento e medo. Del Toro cria uma linguagem própria, abusando dos cortes orgânicos, fundindo inúmeros takes com a ajuda de sombras e árvores, empregando movimentos de câmera estilosos e acertando em cheio no design de produção do universo fantástico experienciado por sua protagonista mirim. As únicas criaturas feitas em cgi são os insetos, as fadas e o sapão nojento (que lembra o asqueroso Jabba the Hut), e é mais ou menos aí que pára o uso evidente de efeitos computadorizados na criação de personagens. Quem veste a roupa do fauno e do homem pálido de uma dimensão paralela – uma criação deveras impressionante – é Doug Jones, que já havia trabalhado com o diretor ao encarnar o anfíbio Abe Sapien de Hellboy (2004).
O diretor coloca na tela passagens violentas que não amaciam em nada no aspecto gráfico, como no assassinato de um rebelde a garrafadas, que remete imediatamente à impressionante cena do extintor de incêndio em Irreversível (Gaspar Noé, 2002). E dá-lhe assassinatos à queima-roupa, cenas de tortura e barbaridades dos dois lados da guerra. Não obstante, os desafios enfrentados pela heroína da história são tão ou mais arrepiantes quanto a realidade comandada pelo capitão, interpretado com a fleuma vilanesca típica de Sergi López. López lidera um elenco afiadíssimo, que tem na garota Ivana Baquero outro nome de promissor talento.
Uma das melhores experiências do cinema contemporâneo de fantasia, este filme é com certeza o mais sério deles e, o que é impressionante, mostra-se um candidato de peso ao panteão das obras mais líricas e poéticas de todos os tempos.
Visto no cinema em 4-DEZ, Segunda-feira, sala Cinemais 4 do Shopping 3 Américas - Texto postado por Kollision em 9-DEZ-2006