Existe mérito em um filme que causa as reações mais díspares possíveis na platéia, capazes de fazer alguns espectadores abandonarem a sessão antes de seu término ou até mesmo vomitar? Irreversível faz parte dessa categoria de filmes, assim como o fizeram os primeiros exemplares falados do cinema de horror, lançados na década de 30. É preciso separar, no entanto, o tipo de choque causado em ambos os casos: no passado, o horror era predominantemente implícito; hoje, em Irreversível principalmente, o horror é explícito, atordoante e nada misericordioso com a sua audiência. Em níveis de violência, assisti-lo é uma prova de resistência definitivamente chocante para o cinéfilo comum, como foi o essencialmente diferente, mas tão repugnante quanto, A Paixão de Cristo.
O início do filme é atípico por mostrar os créditos finais subindo na tela, o que pretende deixar claro que a história é contada de trás pra frente, mais ou menos do modo como Christopher Nolan fez em Amnésia. A primeira cena mostra um homem (Marcus, interpretado por Vincent Cassel) saindo de maca de uma boate direto para uma ambulância, enquanto outro (Pierre, feito por Albert Dupontel) é arrastado algemado para um carro de polícia, debaixo de insultos irreproduzíveis proferidos por uma turba enfurecida. Os dois são amigos, e chegaram até ali depois de passarem por uma busca frenética pelo homem que estuprou a namorada de Marcus (Monica Bellucci). O relacionamento dos três é desnudado à medida que os fatos que conduziram ao desfecho mostrado no início são revelados.
Seja lá o que estivesse passando pela cabeça do diretor Gaspar Noé, uma de suas intenções ao fazer Irreversível com certeza era chocar. A despeito do irritante recurso de câmera tremida e giratória, utilizado de forma abusiva na primeira parte do filme, uma coisa que a platéia média deve ter em mente ao assistir a Irreversível é que o filme é carregado de imagens perturbadoras e violência explícita. Além de cenas de nudez e sexo numa boate gay, há uma seqüência impressionante que mostra o esmagamento de um crânio com um extintor de incêndio. Marcante também é a cena de estupro da personagem de Monica Bellucci, que Noé faz questão de prolongar por mais de dez minutos, para o desespero da platéia. Os urros de dor e agonia da moça são a pior parte de um filme que, se por um lado causa um desconforto evidente, por outro remete a uma realidade que chega a ser banal em muitos lugares do mundo.
Numa estranha espécie de catarse reversa, a genuína tensão inicial do filme cede espaço a uma realidade frívola, que mostra o quanto as vidas insignificantes do trio protagonista tornam-se grandiosas quando atingidas pela fatalidade e pela violência. À medida que o final (ou início) da história se aproxima, vem uma estranha e desconfortável sensação de calmaria, cada vez mais esmagadora pelo simples fato de sabermos que aqueles personagens serão (ou foram) destruídos da pior forma possível. Vincent Cassel, além de atuar, foi um dos produtores do filme. Sendo marido de Monica Bellucci na vida real, fica fácil compreender porque os dois aparecem tão à vontade em suas cenas íntimas. Um contraste enorme numa obra que, em sua primeira parte, chega a ser doente.
Para dirimir a sensação de desconforto após uma sessão do filme, a dica é dar uma olhada no featurette de 7 min. sobre a realização dos efeitos especiais, incluído na sessão de extras do DVD. Lá é descrito como as impressionantes cenas de violência foram feitas. Completam o pacote de extras uma descartável cena excluída passada na boate, trailer, teaser e um vídeo-clipe techno tão atordoante quanto as piores cenas do filme.
Texto postado por Kollision em 8/Dezembro/2004