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Filmes Vistos em Novembro - Parte 2

Animalada (Sergio Bizzio, 2001) 6/10

Com: Carlos Roffé, Christina Banegas, Carolina Fal, Walter Quiroz, José María Monje

Diretamente dos pampas argentinos para os lares dos apreciadores de bizarrices cinematográficas chega Animalada, a história de amor entre um homem e uma ovelha. Pelo menos é assim que pensa o protagonista (Carlos Roffé), um senhor que durante um retiro na fazenda da família se desilude de vez com o tédio da vida conjugal e se entrega com ardor ao súbito desejo de cortejar a ovelhinha mansa. Antes de mais nada (até porque muita gente não entende o apelo de tais obras), devo dizer que o filme é uma comédia de humor negro sem escatologia, maluca sem ser de mau gosto e certamente destinada a gostos cinéfilos refinados. O tabu da zoofilia não é utilizado de forma apelativa, e se há um óbvio incômodo inicial ele é rapidamente esquecido devido ao tratamento narrativo adotado pelo diretor Sergio Bizzio. O desdobramento da história envolve subversão de valores e assassinato, culminando num desfecho confuso que infelizmente diminui o eficiente material construído até então. Ainda assim, Animalada vale pelo ineditismo, por um certo virtuosismo no trabalho de câmera e pelas risadas cruéis que consegue arrancar do espectador.

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 (David Yates, 2010) 5/10

Com: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Ralph Fiennes, Helena Bonham Carter

O sétimo e último livro da saga de Harry Potter foi transposto para o cinema em duas partes. Na primeira delas, Harry (Daniel Radcliffe) começa o filme escondido e protegido por todos os seus amigos magos, que fazem de tudo para deixá-lo em segurança. Apesar disso, os aliados do maligno Voldemort (Ralph Fiennes) dão um jeito de encontrá-lo, o que o obriga a fugir em companhia dos melhores amigos Ron (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson). Eles se lançam na missão de encontrar e destruir os amuletos que dão força ao vilão, conhecidos como "horcruxes".

Como orgulhoso ignorante da prosa original de J. K. Rowling, a única visão que sempre tive dos filmes de Harry Potter foi como trabalhos de cinema. E, como tal, este Relíquias da Morte - Parte 1 é prova cabal de que não havia necessidade de dividir a obra em dois filmes. Tudo me leva a crer que isso não passa de artifício para lucrar ainda mais com esta que é uma das séries mais bem-sucedidas do cinema moderno. A parte da história que mostra o trio de jovens perdidos na floresta, por exemplo, poderia ter sido perfeitamente condensada em no máximo 20 minutos. A estrutura mostrada no filme é muito longa, excluindo a exposição que seria necessária aos demais personagens. Como plateia, eu me senti injustiçado por não saber o que acontece direito na escola ou o que se passa com os demais personagens enquanto o trio parada dura passa meses acampanando e vivendo de vento. O que terá acontecido, por exemplo, à dona feita feita por Maggie Smith, uma das personagens mais inúteis de toda a trama? Por que ignorar o que os outros estão fazendo nesse ínterim? Se isso vai ser explicado na segunda parte eu não sei, mas do jeito que está esta primeira parte é com certeza o capítulo mais decepcionante desde que Alfonso Cuarón deu uma cara decente à série.

99 Mulheres (Jesus Franco, 1969) 6/10

Com: Maria Rohm, Maria Schell, Herbert Lom, Mercedes McCambridge, Rosalba Neri

Um aviso: a edição lançada pela Continental para 99 Mulheres é baseada na versão francesa do filme, que traz cenas pornográficas não filmadas por Jesus Franco e adicionadas por algum produtor inescrupuloso disposto a lucrar ainda mais com o longa en française. Estas inserções de mau gosto desfiguram o trabalho de tal forma que fica difícil avaliá-lo sob o ponto de vista ideal, isto é, como um drama prisional de nuances suavemente fetichistas.

O filme começa com a chegada de várias condenadas a um presídio feminino de segurança máxima. A misteriosa prisioneira número 99 (Maria Rohm) torna-se o pivô dos conflitos entre as detentas, que são administrados com mão de ferro pela diretora (Mercedes McCambridge) e pelo governador em exercício (Herbert Lom, o inspetor Dreyfus da série original da Pantera Cor-de-rosa). Cada vez mais insustentável, a situação das presas só tem chance de mudar com a chegada de uma diretora (Maria Schell) que tem ideias radicalmente diferentes da atual gestão. Talvez por ser um dos pilares e por isso mesmo um dos primeiros filmes do subgênero conhecido como WIP (Women in Prison), 99 Mulheres não é marcado pelos aspectos mais proeminentes de tais obras, como a violência, o sadomasoquismo e a nudez desenfreada (não estou levando em conta as inserções pornográficas). Pode-se dizer que o filme é quase sério em sua proposta (até porque o elenco conta com nomes de peso), sendo valorizado por uma boa fotografia, pelo bom trabalho de câmera e pelo elenco feminino de encher os olhos, cujo maior trunfo é no meu ponto de vista a esbelta Rosalba Neri (Lucifera). Dentro da filmografia de Franco, o longa pode ser visto como um embrião bem comportado de Sadomania (1981). Só faltou mesmo um desfecho mais conclusivo, mas seu status de clássico underground é inegável.

Teorema (Pier Paolo Pasolini, 1968) 5/10

Com: Terence Stamp, Silvana Mangano, Massimo Girotti, Anne Wiazemsky, Andrés Soublette

Na primeira vez em que vi Teorema, alegadamente um dos melhores trabalhos (de acordo com a crítica especializada) do italiano revoltado Pier Paolo Pasolini, tive vontade de jogar o DVD fora de tanto que odiei o filme. Depois de muito tempo e de muita quilometragem com filmes dos mais variados tipos, eis que decidi revê-lo como olhos mais experientes. Na história, uma família burguesa italiana recebe como hóspede um rapaz (Terence Stamp). Carismático e bem apessoado, não demora muito e ele logo está mandando ver em todo mundo da casa: na empregada, na filha, no filho, na esposa e até mesmo no chefe da família, um rico e austero empresário (Massimo Girotti). Por "mandando ver", refiro-me exatamente àquilo que você, leitor, está pensando. Mas não vá muito longe, toda a ação permanece implícita e sutileza é o mote de todo o roteiro. Independente de sua presumida eficiência narrativa, surreal ou crítica, Teorema é uma demonstração ímpar de sarcasmo extremo, cujo senso crítico deve ser intimamente estudado em conjunção com o panorama político da Itália na década de 60. Só assim para admitir a ideia aqui proposta para a desestruturação familiar, cujos personagens carecem de qualquer individualidade e só a adquirem de acordo com o ponto de vista deturpado do diretor - as mulheres são como putas no cio e os homens homossexuais reprimidos, todos vivendo dentro de uma redoma desesperadamente vazia. Inicialmente sem qualquer arremedo subjetivo, o filme vagueia por meandros delicados e ao final descamba para um emaranhado surreal digno dos trabalhos mais crípticos de Buñuel. As interpretações possíveis são inúmeras, desde que o espectador consiga aguentar a insuportável aridez do todo. Porém, se há uma coisa que Teorema faz bem é despertar uma curiosidade genuína sobre os demais filmes de Pasolini. Pelo menos isso...

Atividade Paranormal 2 (Tod Williams, 2010) 7/10

Com: Brian Boland, Sprague Grayden, Molly Ephraim, Vivis Cortez, Katie Featherston

Por que será que as coisas do além fascinam tanto multidões? Atividade Paranormal, o primeiro filme, é de uma simplicidade espantosa. Câmeras tremem ou não saem do lugar, não há trilha sonora e o história toda se passa praticamente dentro de um único ambiente. Ainda assim, ela é de uma eficiência inegável. Tanto que a fórmula é mais uma vez empregada nesta sequência, que respeita o original a ponto de trazer de volta os protagonistas anteriores. Na segunda parte, o casal Katie e Micah aparecem como parentes da família que se muda para uma casa onde coisas muito estranhas vão acontecer após a ocorrência de um ato de aparente vandalismo. A família, formada por pai, mãe, filha e bebê pequeno, decide então instalar várias câmeras de segurança pela casa, e é por meio delas que o filme se desenvolve. Por essa sinopse fica claro que Atividade Paranormal 2 é uma prequel. O motivo de tal decisão por parte do roteiro não é fortuito, e é devidamente esclarecido tão logo os fenômenos sobrenaturais tomam forma mais concreta. Assistir ao primeiro filme é essencial para compreender melhor o segundo, que traz a mesma carga de suspense e impacto. As histórias de ambos se amarram muito bem e, obviamente, apontam para uma inevitável terceira parte.

O Pianista (Roman Polanski, 2002) 8/10

Com: Adrien Brody, Thomas Kretschmann, Emilia Fox, Ed Stoppard, Frank Finlay

Baseado no relato real do músico Wladyslaw Szpilman, O Pianista é mais um drama sério que foca a invasão alemã na Polônia durante a Segunda Guerra Mundial, como vista sob o olhar oprimido do músico. Interpretado por Adrien Brody numa performance agraciada com o Oscar de melhor ator, o judeu Szpilman vê Varsóvia ser invadida e sitiada, enquanto sua família se despedaça em meio ao cruel jugo hitlerista. Vivendo como pode em meio ao caos, sua luta pela sobrevivência é mostrada sem firulas e sem arremedos narrativos grandiosos, característica que eu creio ser a mais marcante do filme. Não há nenhuma intenção de evocar uma presumida nobreza transcendental com relação ao pianista, e por isso mesmo o filme pode soar menos grandioso que o esperado (Polanski levou o Oscar de melhor direção). Szpilman se esconde, se arrasta, implora e emudece para conseguir sobreviver enquanto todos à sua volta caem como moscas. E quando ele está prestes a ser reduzido a menos que nada uma surpresa em meio à degradação da guerra nos lembra que a maldade está no coração de cada homem, e que atribuir as atrocidades cometidas pelo povo alemão à ideologia de um único demagogo ardiloso é uma saída fácil demais. Adrien Brody carrega o filme nas costas, mas Thomas Kretschmann também brilha quando finalmente entra em cena. Depressivo mas belo, O Pianista é um dos longas mais interessantes sobre o tema desde A Lista de Schindler, realizado dez anos antes.

Divagações postadas por Edward de 29-NOV a 2-DEZ de 2010