Num dos capítulos mais negros da história da humanidade, Adolf Hitler conduziu a Alemanha numa campanha de ódio que desencadeou a Segunda Guerra Mundial, maculou para sempre um povo e manteve metade do século XX imerso num clima de constante tensão bélica. Durante a guerra, a perseguição aos judeus, principalmente na Polônia, resultou num massacre sem precedentes que ainda hoje ressoa amargamente na lembrança dos descendentes diretos e indiretos de uma época infeliz.
Entretanto, em meio ao caldeirão de ódio que se alastrou pela Europa no início da década de 40, um homem se destacou por seus feitos em prol da humanidade: Oskar Schindler. Membro do partido nazista e amigo dos militares de alto escalão de Herr Führer, bon-vivant, alegre e mulherengo, Schindler era, entre todos os envolvidos no terror da guerra, a pessoa mais improvável a cometer atos de altruísmo em favor do objeto de ódio de toda a cúpula alemã. Sua mudança de empresário explorador de mão-de-obra quase escrava para um herói humanista foi a mais impressionante característica de sua vida, retratada juntamente com os horrores da guerra nesta obra-prima de Steven Spielberg.
A motivação de Schindler (Liam Neeson), que passa a fazer um jogo duplo cada vez mais perigoso junto à SS para proteger os trabalhadores judeus de sua fábrica em Cracóvia, na ocupada Polônia, nem sempre é clara, e só é mesmo solidificada mais ou menos ao mesmo tempo em que seu contador judeu Itzhek Stern (Ben Kingsley) começa a confiar de fato no nazista que o empregou e levou-o a administrar todos os seus negócios. Com as maldades contra o povo judeu aumentando a cada dia e a chegada do cruel Unterstürmführer Amon Goeth (Ralph Fiennes), comandante de um novo campo de concentração para onde todos os judeus são conduzidos, Schindler usa de todos os seus artifícios e lábia para minimizar os horrores da guerra e proteger seus empregados judeus.
Filmado em preto-e-branco, com ocasional uso de cor (um deles realmente chocante, na figura da menininha perdida durante a invasão dos soldados no gueto judeu), A Lista de Schindler é um triunfo cinematográfico e um dos maiores testamentos já filmados sobre o holocausto. A crueza e o horror da guerra encontram uma representação ideal e perturbadora na fotografia monocromática, nas interpretações espetaculares de todo o elenco e em imagens de um realismo chocante (que eram deveras ousadas e raras na filmografia de Spielberg até então). O mais impressionante de tudo é que trata-se de uma história real, ainda que baseada na obra romanceada de Thomas Keneally sobre a vida de Schindler, lançada em 1982. Spielberg tinha na verdade a intenção de filmá-la desde o seu lançamento. O filme demorou dez anos para ser feito, mas coroou a carreira do diretor com seu primeiro e merecido Oscar, e tornou conhecida mundialmente a história de um homem que fez a diferença em tempos de guerra, salvando mais de 1.100 vidas da morte certa. A importância e o carinho com que Schindler, falecido em 1974, é lembrado por aqueles que salvou, eleva a dimensão dramática do filme a um patamar raramente atingido em produções similares sobre o mesmo tema.
Acompanha o filme no DVD duplo um especial de mais de uma hora com depoimentos de alguns sobreviventes do holocausto judeu, documentadas pela fundação Shoah. Com atenção, percebe-se que algumas das pessoas entrevistadas foram retratadas como personagens no filme. Esta fundação, criada pelo próprio Spielberg após a conclusão do filme, já documentou as experiências de 52.000 sobreviventes da Segunda Guerra, e um rápido featurette de 11 min. relata as atividades da fundação desde que ela foi criada.
Texto postado por Kollision em 5/Setembro/2004