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Filmes Vistos em Maio - Parte 2

La Rose Écorchée (Claude Mulot, 1970) 3/10

Com: Philippe Lemaire, Anny Duperey, Howard Vernon, Olivia Robin, Elizabeth Teissier

A.K.A. The Blood Rose ou Ravaged – A propaganda da capa do DVD é chamativa pelo jargão "the first sex-horror film ever made". Para os padrões da então engatinhante década de 70, pode até ser que o pouco que é mostrado de pele aqui tenha sido bombástico. Como isso sozinho não é sinônimo de qualidade e a obra é derivativa do clássico Olhos Sem Rosto (Georges Franju, 1960), seu valor como pastiche já é diminuído pela metade. Entra negativamente na equação o ritmo totalmente quebrado e a enrolação que se instala no trecho intermediário da história. Nela, um artista em fim de carreira (Philippe Lemaire) chantageia um cirurgião aposentado (Howard Vernon) para que ele reconstitua o rosto desfigurado da esposa (Anny Duperey). O problema é que isso implica na morte das doadoras de face. A dupla de anões mudos é digna de algum interesse (a cena do estupro no estábulo é de certa forma marcante), e a moça que aparece no final para investigar o castelo (Olivia Robin) lembra vagamente Soledad Miranda. Infelizmente, a idiotice de certas passagens do roteiro se sobrepõe a qualquer qualidade isolada da película.

Uma Chamada Perdida (Eric Valette, 2008) 6/10

Com: Shannyn Sossamon, Edward Burns, Ana Claudia Talancón, Ray Wise, Azura Skye

Uma Chamada Perdida é uma refilmagem de um longa japonês dirigido por Takashi Miike em 2003. Sim, mais uma. Nunca vou entender porque os norte-americanos não podem simplesmente ir ao cinema para assistir ao original, e a desculpa de que eles não gostam de ler legendas não cola.

Nesta altura do campeonanto, praticamente todo mundo com um pouco de discernimento sobre o atual cinema de terror americano já está de certa forma anestesiado por estes remakes. A fórmula, que já tem se desgastado no próprio oriente, se repete de forma derivada sem muitas surpresas: alguém faz uma coisa muito ruim, e a vingança do além vem de carona num apetrecho que é fruto da tecnologia moderna (O Chamado e Pulse são exemplos notórios). As vítimas são jovens que recebem chamadas estranhas em seus celulares, que se passam no futuro, mais ou menos no momento de sua morte. Após a vítima bater as botas de forma horrível, seu celular liga automaticamente para alguém da sua lista de contatos, e a cadeia sobrenatural continua. A premissa é absurda, mas não se pode negar que há momentos isolados que são bem construídos – notadamente as passagens claustrofóbicas do final. Perdoando o fato do filme ser um remake, o esforço até que fica levemente acima da média.

Speed Racer (Andy e Larry Wachowski, 2008) 6/10

Com: Emile Hirsch, John Goodman, Christina Ricci, Roger Allam, Susan Sarandon

Convenhamos, fazer um longa-metragem de mais de duas horas todo rodado com fundos em CGI a partir de um desenho medíocre da década de 60 é uma tarefa anormal. Ou suicida. Gabaritados por sua criação máxima (a série Matrix), os irmãos Wachowski colocaram seu expertise e seu fanatismo em ação e encararam o desafio, entregando um pastiche anabolizado direcionado principalmente à criançada.

Speed Racer, portanto, é um filme para crianças. Poderia ter sido feito como uma animação digital, sem atores, e o resultado seria com certeza igual ou melhor. A história é rasa e consiste de uma parábola enaltecedora sobre o bem contra o mal, mas dizem os entendidos que a fidelidade ao desenho é admirável. O filme é tão colorido e às vezes tão entrecortado que não é muito difícil sair da sessão com uma leve dor de cabeça. Pelo menos as acrobacias de Speed durante as corridas causam certa empolgação, e fica claro que os Wachowskis sabem como construir um clímax emocionante. Que venha agora o vídeo-game, que deve ser provavelmente igualzinho ao filme. Ou seria o contrário?

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Steven Spielberg, 2008) 7/10

Com: Harrison Ford, Cate Blanchett, Karen Allen, Shia LaBeouf, Ray Winstone

1957. A ameaça dos alemães foi substituída pela dos russos. Em meio a uma fria com os novos inimigos, Indiana Jones é traído por um companheiro de aventuras (Ray Winstone) e procurado por um rapaz (Shia Labeouf) para ajudar um ex-amigo em apuros. No caminho, ele reencontra a paixão de sua vida (Karen Allen) e uma nova e ardilosa inimiga (Cate Blanchett) enquanto procura pela cidade de ouro que abriga a tal caveira de cristal.

Spielberg tenta ao máximo abrilhantar o esperado retorno do maior ícone do cinema de aventura da década de 80. O respeito pelo estilo original, no entanto, é maculado por exageros que só podem ter sido influenciados pelo pior lado do cinema de ação atualmente produzido nos Estados Unidos, desde algumas cenas desnecessariamente polidas demais (CGI em excesso) até a tenebrosa transformação de Shia LaBeouf num Tarzan improvisado (o pior momento do filme). O roteiro também flerta perigosamente com um excesso de diálogos em seu trecho intermediário, pecando por uma crescente previsibilidade e falta de originalidade à medida em que se aproxima do final. Apesar disso, o longa é divertido e mantém o ótimo senso de humor dos Indiana Jones anteriores. Ele só não está no mesmo nível de excelência dos neo-clássicos da década de 80.

Eugénie (Jesus Franco, 1970) 7/10

Com: Soledad Miranda, Paul Muller, Andrés Monales, Jesus Franco, Greta Schmidt

A.K.A. Eugenie de Sade – Jesus Franco estava tão empolgado com sua influência do Marquês de Sade que resolveu fazer não apenas um filme intitulado Eugénie em 1970, mas sim dois (o outro tem como estrela Marie Liljedahl e é falado em inglês). Este Eugénie traz a irresistível Soledad Miranda no papel-título, uma moça que se alia ao padrasto (Paul Muller) em sua recém-descoberta fixação por sexo e assassinato. De olho na campanha assassina dos dois homicidas está um escritor bisbilhoteiro (o próprio Franco). Narrado em flashback pela protagonista, a história é simples mas tem uma ótima caracterização de personagens, além de se beneficiar de uma trilha sonora que casa perfeitamente com o tema. O erotismo que exala da tela quando Soledad Miranda está em cena é sempre feito com classe, fazendo deste um dos melhores filmes do início da carreira de Jesus Franco.

O Melhor Amigo da Noiva (Paul Weiland, 2008) 5/10

Com: Patrick Dempsey, Michelle Monaghan, Kevin McKidd, Sydney Pollack, Busy Philipps

Para quem viveu a adolescência no final dos anos 80, Patrick Dempsey era um dos ícones das comédias orientadas para essa parcela tão importante dos espectadores. O cara fazia geralmente o papel do rapaz CDF e nerd que sofria como um condenado pra conseguir uma lasquinha da mulherada, como no caso de Amanda Peterson em Namorada de Aluguel (Steve Rash, 1987) ou de Helen Slater em Namorados por Acaso (Mel Damski, 1989). Puxa, o cara teve até que escapar da sina de gay no hilário Loverboy (Joan Micklin Silver, 1989)!

Após um longo período de ostracismo interrompido por seu sucesso num seriado de TV, Dempsey retorna aos cinemas num veículo parecido. Seu papel em O Melhor Amigo da Noiva, portanto, pode ser visto como a graduação do rapaz sofredor, que agora retorna como o garanhão que papa todas. A tragédia desta vez é que ele descobre, um pouco tarde demais, que está apaixonado pela melhor amiga (Michelle Monaghan), que está prestes a se casar com um escocês ricaço.

Ah, sim, este filme já foi feito milhares e milhares de vezes, e não é preciso ir muito longe para encontrar trabalhos com praticamente o mesmo fiapo de roteiro. Os escoceses podem também não gostar muito da forma como foram estereotipados. Reduzindo o longa ao que este tipo de filme realmente pode oferecer de bom, que é uma boa química entre o casal central e as situações que surgem a partir daí, dá pra dizer que O Melhor Amigo da Noiva não é um desperdício completo. A trilha sonora ajuda por ser bastante competente. As mulheres vão adorar mas, de resto, só mesmo por algum motivo mais obscuro para que o restante da platéia se anime a assistir à mesma história de sempre. De novo.

Une Vierge chez les Morts Vivants (Jesus Franco, 1973) 7/10

Com: Christina von Blanc, Howard Vernon, Britt Nichols, Anne Libert, Paul Muller

A.K.A. A Virgin among the Living Dead ou Christina - Princesse de l'Érotisme — Com uma influência visível de Jean Rollin, Jesus Franco realiza aqui uma de suas obras mais consistentemente oníricas, no sentido de que a fusão entre realidade e fantasia experimentada pela protagonista é feita de forma eficiente, ao contrário de muitas outras tentativas similares e frustradas feitas pelo prolífico cineasta. Caso não se soubesse quem é o diretor, o filme poderia ser até erroneamente atribuído a Rollin, não fosse a presença do próprio Jesus Franco no elenco. Assim, um aviso aos fãs: nada do que está na capa do DVD aparece no filme, ou seja, os mortos-vivos não têm nada de zumbis. A virgem é uma moça (Christina von Blanc) que chega de viagem a um castelo tido como mal-assombrado para receber a herança do pai falecido, em companhia dos demais membros de sua estranha família. A influência do lugar e de aparições estranhas passa então a minar sua sanidade. A protagonista é linda, a trilha sonora de Bruno Nicolai chega a antecipar o famoso toque da futura série Sexta-Feira 13 (sério!), e várias passagens antológicas tornam o filme marcante. Dado o ritmo lento e a natureza contemplativa do tema, no entanto, é preciso lembrar que não se trata de uma obra para todos os gostos.

O Signo da Cidade (Carlos Alberto Riccelli, 2008) 8/10

Com: Bruna Lombardi, Malvino Salvador, Juca de Oliveira, Graziela Moretto, Luís Miranda

Numa metrópole tão grande quanto São Paulo, a idéia de que a conexão entre as pessoas é algo utópico é combatida com uma certa reserva dentro do roteiro escrito pela própria Bruna Lombardi em O Signo da Cidade. Ela é a protagonista, uma astróloga que também tem um programa de rádio através do qual dá conselhos aos mais distintos ouvintes durante a madrugada. A natureza fútil de sua atividade é posta à prova quando uma tragédia acontece dentro de sua própria casa. E, em algum ponto ao longo da história, a miríade de personagens converge de alguma forma, direta ou indiretamente, para as conseqüências de suas atitudes. Com boa direção, elenco em sua maioria acertado e trilha sonora adequada, o filme prende a atenção sem muito esforço. Algumas situações ficam sem uma saída muito razoável (como na oração feita sobre o corpo de um homem baleado), e é uma pena que São Paulo pareça tão feia quando retratada pelo estilo boêmio e pela fotografia lúgubre, que não deixam a câmera capturar sequer um raio de sol durante todo o filme. O estilo lembra bastante o oscarizado Crash - No Limite, numa crônica conduzida com uma competência que surpreende.

Justine de Sade (Claude Pierson, 1972) 4/10

Com: Alice Arno, Yves Arcanel, Georges Beauvilliers, Dominique Santarelli, France Verdier

Baseado numa das obras mais controversas do infame marquês de Sade, esta versão de Justine é pródiga em se manter fiel às características da prosa do autor. Parece que a verborragia vai consumir a película às vezes, de tanto que seus sórdidos e cínicos personagens falam. Como cinema, o filme é um amontoado irregular, e depois de algum tempo enfadonho, das desventuras da pesonagem-título, uma moça abusada de todas as formas possíveis por uma sociedade moralmente decadente, fadada a ter sua inocência e bondade corrompidas em nome da lascívia e da obscenidade. Depois da primeira hora, o círculo vicioso de sofrimento de Justine já perdeu a força, e permanece inalterado até seu cruel e sarcástico desfecho. Alice Arno não é feia, mas também não se destaca de nenhuma forma no papel da protagonista. Se nem ela não consegue tornar o filme memorável, pode-se ter uma idéia da perda de tempo de algo que, por fora, parece ser bastante promissor.

Tempestade de Gelo (Ang Lee, 1997) 10/10

Com: Kevin Kline, Joan Allen, Sigourney Weaver, Jamey Sheridan, Tobey Maguire

No final de 1973, os Estados Unidos estavam mergulhados no escândalo do presidente Nixon, e a sociedade em geral ainda não sabia muito bem como lidar com a liberalidade de comportamento que começava a aflorar. É nesse cenário que se desenrola Tempestade de Gelo, o melhor trabalho de Ang Lee que vi até hoje. É a história de famílias problemáticas, onde pais entediados não se entendem e não procuram entender os filhos, que crescem perdidos e aprendem as coisas como podem, sozinhos. São pessoas falhas, mais parecidas entre si do que imaginam, e com as quais é impossível não se identificar – de forma assombrosa e amarga, para dizer o mínimo. Longe de estereotipar seus personagens, o que o roteiro faz é traçar uma dura linha de aprendizado para cada um deles, do pai adúltero (Kevin Kline) à caçula descobrindo a sexualidade (Christina Ricci). Devo dizer ainda que o restante do elenco principal é nada menos que fenomenal. Se você gostou de longas como Beleza Americana e A Lula e a Baleia, este subestimado e infelizmente pouco conhecido filme é imperdível. Dentre aqueles que versam com competência sobre a desestruturação familiar, ele com certeza entra em qualquer lista de melhores.

Divagações postadas por Kollision de 29-MAI a 1-JUN de 2008