Cinema

Crash - No Limite

Crash - No Limite
Título original: Crash
Ano: 2005
País: Alemanha, Estados Unidos
Duração: 115 min.
Gênero: Drama
Diretor: Paul Haggis (No Vale das Sombras, 72 Horas, Terceira Pessoa)
Trilha Sonora: Mark Isham (Deu Zebra!, Papai Bate um Bolão, Em Seu Lugar)
Elenco: Don Cheadle, Matt Dillon, Thandie Newton, Terrence Howard, Sandra Bullock, Brendan Fraser, Chris 'Ludacris' Bridges, Shaun Toub, Ryan Phillippe, Michael Peña, Jennifer Esposito, Karina Arroyave, Larenz Tate, Tony Danza, Dato Bakhtadze, Keith David, William Fichtner, Loretta Devine, Marina Sirtis, Nona Gaye, Ken Garito, Yomi Perry, Alexis Rhee, Ashlyn Sanchez, Art Chudabala, Bahar Soomekh, Martin Norseman
Distribuidora do DVD: Imagem Filmes
Avaliação: 10

As coisas foram boas para o escritor e diretor Paul Haggis após ele ter decidido encarar a carreira no cinema com mais afinco. Afinal, o comando de algumas produções de TV jamais seria sinal fácil de que o homem brilharia como roteirista do maior ganhador do Oscar de 2005 (Menina de Ouro, de Clint Eastwood). E ainda mais que, retornando após vários anos depois de dirigir um longa-metragem, seu trabalho pós-Menina seria tão coeso, bombástico e brilhante. O fato de usar a própria experiência de ter o carro roubado como inspiração para a história indica o quanto de sua própria realidade ele incorporou à crônica de vários personagens cuja única coisa em comum não é lá muito fácil de ser mostrada, ou sequer discutida em cinema: o preconceito.

A história se passa em Los Angeles, uma metrópole conhecida tanto por sua associação com a indústria cinematográfica quanto pela violência urbana, freqüentemente alvo de noticiários que chegam até mesmo a romper a barreira dos Estados Unidos. Nela trabalha o policial Graham Waters (Don Cheadle), um tira negro e honesto que se vê diante de mais um crime, mas ao mesmo tempo precisa lidar com a mãe drogada e o irmão desaparecido, um desgarrado na vida. Orbitando essa tênue linha estão vários outros personagens: o político oportunista (Brendan Fraser) e a esposa (Sandra Bullock) que desenvolve uma fobia a estrangeiros e negros após ficar sob a mira de uma arma e ter o carro assaltado por dois deles (Larenz Tate e o rapper Ludacris); o experiente patrulheiro branco (Matt Dillon) que arrasta o parceiro certinho (Ryan Phillippe) para uma batida onde ele acaba por importunar e bolinar a bela esposa (Thandie Newton) de um diretor de TV negro (Terrence Howard), desencadeando entre eles uma terrível crise conjugal; o chaveiro latino (Michael Peña) que perde a paciência com a intolerância de um comerciante persa (Shaun Toub)... E alguns outros personagens que acabam cruzando com os já mencionados.

Um elenco com gente de peso interpretando um roteiro de qualidade genuína, liderados por uma direção precisa e eficiente. Nesse caldo, até mesmo os mais desconhecidos, como Michael Peña e Shaun Toub, entregam desempenhos soberbos. A amarração dos pequenos contos parece meramente aleatória, e algumas histórias nem chegam de fato a se cruzar, mas o propósito não é esse. O ser humano, afinal, já nasce com uma personalidade definida ou é produto do meio em que vive? O que resta quando não há mais nenhuma alternativa ou quando a luz no fim do túnel parece inalcançável? Quais as conseqüências de nossos atos para com os outros? Como é possível medir a influência do que fazemos, dizemos ou deixamos de mencionar quando nos inteiramos com o próximo? Será que somos capazes de saber como somos de verdade, quando pressionados por condições extraordinárias?

Todas estas questões são levantadas ao longo do filme, que possui a capacidade de envolver a platéia sem forçar a barra, lançando mão de um apropriado realismo e até mesmo de certo humor. O "pré-conceito" e o "pré-julgamento" são características humanas. Toda pessoa o tem, ou acredita que não tem, até certo ponto. As mudanças que cada personagem de Crash atravessa em sua jornada na rotina caótica de uma cidade elitizada como Los Angeles reverberam em todos os lugares porque tudo o que é mostrado faz parte de nossa realidade, onde quer que estejamos. Aí reside muito da força do filme de Paul Haggis, um retrato ao mesmo tempo amargo e doce da sociedade. Mesmo que as situações às vezes tendam para um certo exagero emocional, o que é plenamente justificado dentro do contexto geral da obra.

Sendo o cinema por excelência uma inestimável janela para diferentes realidades e culturas, soa muito triste saber que tudo o que é mostrado em Crash foi inspirado em situações que ocorrem todos os dias, pelas quais a maior parte da audiência já passou uma vez ou outra. Trata-se de um problema crônico e tão enraizado na cultura geral (a norte-americana principalmente), que fica difícil imaginar se algum dia estaremos livres de tanta intolerância cega. Paul Haggis fez sua parte ao divulgar sua mensagem em forma de filme. Imparcial, eloqüente e poderosa, como os melhores e mais controversos trabalhos "sérios" são capazes de ser.

Os detratores podem destilar tudo o que puderem quanto ao não mérito do filme em levar o prêmio de melhor longa-metragem no Oscar de 2006, mas o fato da belíssima canção que toca na seqüência final (In the Deep) não ter ganhado a estatueta em sua categoria foi uma das maiores injustiças já cometidas na história da premiação. Ainda mais quando se ouve a verdadeira lixeira agraciada com a escolha da academia.

O primeiro disco do DVD duplo vem com uma introdução de Paul Haggis acompanhando o filme, que é precedido pelos trailers de Ibéria e dos documentários Riding Giants - No Limite da Emoção e The Corporation. O segundo disco traz oito cenas excluídas/estendidas com comentários do diretor, um making-of de quase meia hora, duas montagens em forma de videoclipe com cenas e música do filme, dois especiais de pouco mais de dez minutos cada sobre a cidade de Los Angeles e o preconceito racial retratado pelo filme, trailer e também os trailers de Chicago, Kill Bill - Vol. 1 e Kill Bill - Vol. 2.

Texto originalmente postado por Kollision em 25/Novembro/2005
Revisto em DVD em 9-SET-2006, Sábado - Texto revisado por Kollision em 13-SET-2006