Querô (Carlos Cortez, 2007)
Com: Maxwell Nascimento, Cláudia Juliana, Ângela Leal, Maria Luísa Mendonça, Eduardo Chagas
Ganhador do prêmio de melhor filme e melhor ator no 14º Festival de Cinema de Vídeo de Cuiabá, Querô apresenta-se como uma crônica urbana na mesma linha bem estabelecida por Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) e Carandiru (Hector Babenco, 2003), guardadas as devidas proporções, obviamente. Querô (Maxwell Nascimento) é um adolescente cheio de ódio que foi abandonado pela mãe ao nascer. Criado num prostíbulo sem qualquer traço de afeto, o rapaz entra no mundo do crime ao ser encarcerado na Febem por um delito pequeno.
Às vezes tenho um início de revolta contra a esmagadora maioria dos filmes nacionais atuais, que insistem em mostrar um Brasil doente, sub-humano, feio, sujo, em que a sociedade se prostra diante de uma realidade marcada por uma barbárie que fica mais irreversível a cada dia que passa. Para o bem ou para o mal, trabalhos seminais como Querô – que primam por uma execução consistente e interessante – servem para abrir nossos olhos de vez em quando para aquilo que está debaixo dos narizes de todo mundo, mas ninguém é capaz de encarar de frente.
Afinal, quantos jovens acabam tendo um destino parecido com o do protagonista deste filme?
Paranóia (D.J. Caruso, 2007)
Com: Shia LaBeouf, David Morse, Sarah Roemer, Carrie-Anne Moss, Aaron Yoo
Filmeco metido a esperto que quase consegue disfarçar a canhestrice com base no carisma de um único ator, o rapaz "revoltado" feito por Shia LaBeouf. Uma boa parte da história é dedicada a imprimir uma justificativa (frouxa) para o fato dele ficar preso em casa e, assim, se dedicar ao voyeurismo que o leva a cobiçar a vizinha e a suspeitar que um novo vizinho (David Morse) é um serial killer que não sai do noticiário. O resto do filme é uma mistura de bobagem adolescente do tipo Meus Vizinhos São um Terror com um clímax clichezento. Sarah Roemer, dona do papel da mocinha, sofre de uma inexpressividade crônica, acentuada pela insistência do diretor em fazê-la parecer mais apetitosa do que é. Pelo menos o grandalhão David Morse, um dos coadjuvantes mais subestimados no atual cinema americano, consegue trazer um mínimo de dignidade a este suspense de prateleira.
Finis Hominis (José Mojica Marins, 1971)
Com: José Mojica Marins, Roque Rodrigues, Teresa Sodré, Andréa Bryan, Rosângela Maldonado
"Há uma incógnita sobre a criação da natureza. Um tentador mistério envolve a imensidão do universo. Problemas insondáveis pairam sobre a existência. A vida e a morte. E nesse turbilhão de vidas há uma certeza: a criação da inteligência e a formação da matéria. Enfim, a existência do homem. Agora, tudo no infinito torna-se mais fácil. Das águas às matas, da Terra ao espaço, tudo o que existir tem um motivo. E o homem encontra sua motivação. Nada nasce, nada vive, nada morre sem razão. Dependendo do desenvolvimento mental de cada um, a resposta procurada poderá demorar um pouco mais, um pouco menos, ou vir no momento certo. Mas a realidade é uma só, para tudo e para todos. Se existe, há uma razão de existir. Assim, existe este filme."
O parágrafo acima é a narração palavra por palavra da pretensiosa, desconexa e inacreditavelmente tosca introdução desta aberração em forma de filme. O famoso personagem Zé do Caixão dá lugar ao tal Finis Hominis, um homem que emerge do mar nu e, perambulando pelas ruas da cidade, atrai a atenção do povo e se transforma num messias moderno. O nível claudicante da produção, que de tão pobre mistura rolos de filme colorido com filme em preto-e-branco, pode ser medido principalmente pelo surrealismo de botequim, pelo reaproveitamento cansativo dos mesmos temas musicais utilizados por Mojica em seus filmes anteriores, pelos diálogos ineptos, pela dessincronização constante da dublagem e pelas interpretações abomináveis (com exceção do expressivo Roque Rodrigues, o marido traído da segunda metade do filme). O tal Finis Hominis pode ser um personagem diferente, mas no fundo não passa de um Josefel Zanatas (Zé do Caixão) travestido de pai de santo. A pérola da falta de recursos é o tema musical usado pelos hippies em sua festinha: uma baboseira que não sai de um refrão onde a cambada canta "eia-eia-eia-eia-eia-eia-ê". Sim, é preciso ver para crer...
Provavelmente o fundo do poço dentro da filmografia do criador do Zé do Caixão, Finis Hominis é simplesmente ruim de doer, indicado somente para os fãs hardcore de Mojica. A arte da capa do DVD, realmente muito boa, vale mais do que todo o filme.
Caché (Michael Haneke, 2005)
Com: Daniel Auteuil, Juliette Binoche, Maurice Bénichou, Walid Afkir, Lester Makedonsky
As imagens das fitas que ameaçam a rotina da família do apresentador de TV feito por Daniel Auteil ficam na tela como pinturas, para que a platéia possa olhar para todos os seus detalhes e tirar as conclusões que mais lhe convém. Ele as recebe sem saber como, acompanhadas de desenhos misteriosos, e por algum motivo nebuloso não compartilha o que sabe com a esposa (Juliette Binoche). O afunilamento de sua investigação traz respostas, mas não na mesma quantidade que as indagações. Caché foi o vencedor do prêmio de melhor filme no Festival de Cannes de 2005, e é um trabalho que prima pela característica de desafiar o espectador a juntar as peças de um mosaico que mistura culpa, confiança e ressentimento sem no entanto atingir a massa crítica esperada.
O motivo para esta opinião é simples: achei o final aberto demais. Tal horizonte de livre interpretação cai bem em obras que oferecem um determinado grau de surrealismo ou escapismo. Para uma história que se mantém todo o tempo dentro de uma redoma sólida de seriedade e urgência, o fechamento não soa adequado e é capaz de deixar o espectador mais insatisfeito que satisfeito. As únicas unanimidades são a atuação do elenco principal e a técnica de Haneke.
Alguém Como Você (Tony Goldwyn, 2001)
Com: Ashley Judd, Hugh Jackman, Greg Kinnear, Marisa Tomei, Ellen Barkin
Comédia romântica que tenta arduamente agradar, mas comete erros fundamentais que a desqualificam como uma diversão medianamente garantida. A primeira delas é a escalação de Greg Kinnear como um galã conquistador – com a cara de palerma que ele tem, tudo o que está relacionado ao seu personagem vai por água abaixo. O segundo ponto é a associação abilolada que a protagonista faz dos relacionamentos humanos com a natureza da cópula bovina. Ah, faça-me a favor... Ashley Judd e Hugh Jackman formam um par romântico que se aproxima da perfeição, o que praticamente justifica uma espiada básica no filme, mas talvez eles tenham maior sorte na próxima vez em que contracenarem juntos.
O Pequeno Italiano (Andrei Kravchuk, 2005)
Com: Kolya Spiridonov, Mariya Kuznetsova, Nikolai Reutov, Denis Moiseenko, Polina Vorobieva
Um singelo e tocante drama sobre a infância, em especial as decepções e as esperanças de um garoto russo de seis anos (Kolya Spiridonov) abandonado num orfanato. Ele é escolhido para a adoção por um casal italiano, daí o fato de todos os seus amigos passarem a chamá-lo de "italianinho". Enquanto a papelada não sai e ele aguarda o dia da partida, uma visita inesperada fará com que ele passe a procurar incessantemente por sua mãe verdadeira. A desolação gelada do inverno russo transporta a rotina das crianças e dos adolescentes órfãos para um universo à parte, onde os mais crescidos fazem suas próprias leis para proteger os pequenos em meio à administração criminosa da dona do orfanato. A direção de Andrei Kravchuck demonstra uma desenvoltura técnica de respeito, que embeleza o que tinha tudo para ser mais um drama infantil ao estilo dos filmes de Lasse Hallström. O Pequeno Italiano consegue enternecer com uma bela jornada de descobrimento e uma delicada força poética, o que fica bastante claro em seu ótimo desfecho.
Saneamento Básico - O Filme (Jorge Furtado, 2007)
Com: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Lázaro Ramos
Além da óbvia crítica política e social que impregna esta ótima comédia, o que a faz mais atraente é a presença de uma identidade própria bastante característica, o que parece ser uma constante na filmografia de Jorge Furtado. Genuinamente engraçada, a história consegue conciliar as limitações culturais de seus personagens com situações hilárias associadas ao processo de se produzir um filme. O casal feito por Fernanda Torres e Wagner Moura se vê obrigado a utilizar uma verba flutuante da prefeitura para fazerem o filme e daí concorrerem a um prêmio em dinheiro, que será usado para financiar a construção de uma fossa na cidadezinha em que vivem. O projeto é essencial para eliminar o mau cheiro do esgoto.
A contagem das migalhas e o jogo financeiro existente entre o filme e a construção da fossa é meio nebulosa – provavelmente com o objetivo de refletir o que ocorre na esmagadora maioria das instituições de administração pública do Brasil. Todos os amigos e parentes do duo central são envolvidos no processo de execução do filme, mesmo com as várias adversidades e o desconhecimento generalizado de todos. É interessante notar o desenvolvimento destrambelhado dos realizadores do "épico de ficção", que saem da rotina para embarcar numa jornada que tem tudo para dar com os burros n'água. Furtado extrai boas interpretações de seu elenco, em especial dos veteranos Paulo José e Tonico Pereira.
Nação Fast Food (Richard Linklater, 2007)
Com: Greg Kinnear, Ashley Johnson, Wilmer Valderrama, Bobby Cannavale, Patricia Arquette
Como protesto, Nação Fast Food é ótimo. Quem deve ter ficado super contente de ver algo assim ser lançado comercialmente foram os ativistas da PETA e a sempre presente classe que se opõe às redes tipo McDonald's. O filme é cadenciado como se fosse uma variação de Traffic (Steven Soderbergh, 2000), com inúmeros personagens dividindo a tela e se esbarrando sem conhecimento de suas influências entre si. As principais linhas narrativas envolvem um executivo (Greg Kinnear) enviado para investigar o alto índice de coliformes fecais dos hambúrgueres de sua rede de fast food, uma adolescente (Ashley Johnson) que trabalha numa das lojas da rede e um mexicano ilegalmente imigrado (Wilmer Valderrama) tentando sobreviver desta indústria com a esposa e os amigos.
O elenco é vasto e composto por inúmeros rostos conhecidos. Linklater evita o maniqueísmo sempre que possível, deixando bastante claro que, apesar de representar hoje um mal enraizado na economia americana, uma grande quantidade de pessoas necessita da indústria do fast food para sobreviver. O ponto alto do filme é o diálogo franco entre Greg Kinnear e Bruce Willis, que responde ao questionamento central do roteiro e, de certa forma, torna-o redundante daí em diante. A partir de então as atuações do elenco jovem tomam conta, nem sempre de forma convincente.
A Massai Branca (Hermine Huntgeburth, 2005)
Com: Nina Hoss, Jacky Ido, Katja Flint, Antonio Prester, Janek Rieke
Romance intercultural baseado em livro, que une uma mulher branca a um guerreiro da tribo africana dos Massai. Fascinada pelo estranho, ela abandona o namorado e as amenidades de sua rotina na Suíça para viver com ele em sua tribo, aceitando todas as diferenças e disposta a aprender um novo modo de vida em nome de um amor que desafia todas as convenções. A cenografia do filme é belíssima, e se sobrepõe com resultado satisfatório em relação ao aspecto novelístico do romance impossível. A representação da vida no ambiente inóspito da África é primorosa, e a bonita protagonista Nina Hoss faz o possível para fortalecer sua interpretação, que na maior parte do tempo soa como puro e inexplicável deslumbre diante de uma aventura sem volta.
Medos Privados em Lugares Públicos (Alain Resnais, 2006)
Com: André Dussollier, Sabine Azéma, Lambert Wilson, Pierre Arditi, Laura Morante
Até ver este filme, eu não conhecia absolutamente nada do veterano diretor Alain Resnais. O título em português da película é derivado diretamente da obra que a inspirou, e meio que reflete as atribulações de um grupo de pessoas que se relacionam numa Paris praticamente soterrada pela neve de um rigoroso inverno. Na maior parte do tempo a ambientação é de comédia, com momentos muito engraçados, mas o roteiro jamais deixa de demonstrar uma densidade dramática capaz de confundir o espectador. Como no caso da secretária religiosa (Sabine Azéma) que leva seu chefe (André Dussollier) à loucura ao confundi-lo sobre o que ela realmente faz em suas horas vagas. Ou na antipatia de um ex-militar desocupado (Lambert Wilson) que lentamente cai nas graças da platéia ao iniciar um novo relacionamento com uma moça por meio de um anúncio. As várias historietas conduzem o filme a um final obscuro onde os personagens retornam ao ponto de onde partiram, alguns deles não por sua vontade. Daí a pontada de frustração que fica no caso de certos destinos. Além da direção de Resnais, premiada no Festival de Veneza, outros aspectos que se destacam no filme são a excelente trilha sonora e a estonteante beleza da atriz Laura Morante – esnobada com uma indiferença cruel por Lambert Wilson.
Divagações postadas por Kollision entre 22-SET e 2-OUT de 2007