Letra e Música (Marc Lawrence, 2007)
Com: Hugh Grant, Drew Barrymore, Brad Garrett, Kristen Johnston, Campbell Scott
Para uma comédia romântica que aproveita a viagem para tirar um sarro musical da década de 80, esta segunda incursão de vulto na direção do roteirista Marc Lawrence rende tanto um punhado de piadas passáveis quanto uma saudade danada de uma época em que a indústria musical não era uma lixeira quase total. Hugh Grant encarna o papel de protagonista com a competência que lhe é habitual, enquanto Drew Barrymore faz o que pode para dar substância a uma personagem que precisa de uma sub-trama descartável envolvendo um amante crápula para não soar rasa demais. As composições pop não fazem feio, rendendo no mínimo uma trilha sonora inusitada e saudosista.
300 (Zack Snyder, 2007)
Com: Gerard Butler, Lena Headey, Dominic West, David Wenham, Rodrigo Santoro
Consagração do cinema digital e tudo de mais polêmico que advém desta tecnologia, 300 leva às últimas conseqüências o que se sabe e o que já foi feito sobre adaptações de HQs ao dar vida à Graphic Novel homônima de Frank Miller. Transbordando testosterona e sangue, o filme é quase como uma série de pinturas em movimento com sua fotografia às vezes saturada, às vezes desbotada. No entanto, o sangue digital em excesso em certo momento dá razão a quem chegou a compará-lo a um vídeo-game.
O cerne da história – floreada livremente por seu criador a partir de uma batalha que realmente aconteceu – é a resistência dos gregos espartanos liderada pelo rei Leônidas (Gerard Butler) e seus 300 soldados contra a investida da invencível horda de mais de 200 mil homens do conquistador persa Xerxes (Rodrigo Santoro) no ano de 480 aC. Sendo a narrativa direta ao ponto, sem qualquer profundidade dramática que não vá além da exaltação dos conceitos de honra, heroísmo e glória, o filme é prato cheio para quem é fã da obra de Miller, e para quem aprecia a violência gráfica aplicada aos trabalhos do gênero saia-e-sandálias.
Clube da Luta (David Fincher, 1999)
Com: Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Carter, Meat Loaf, Jared Leto
Epítome do típico produto cinematográfico hollywoodiano de caráter subversivo (ainda que mainstream), este exercício em estilo e narrativa de David Fincher é algo nada menos que bombástico, definitivamente merecedor de uma revisão. Um yuppie (Edward Norton) anestesiado pela rotina consumista da sociedade civilizada faz amizade com um estourado vendedor de sabão (Brad Pitt) e inicia um movimento underground em que homens que pensam como eles se entregam a brigas noturnas em grupos fechados. Não é isso que acaba causando o conflito, mas sim a evolução das idéias da dupla. A história sai dos eixos em vários momentos e se coloca numa realidade à parte, e não faz nenhuma questão de provocar no espectador qualquer associação de desenvolvimento e diversão com plausibilidade ou verossimilhança. O resultado é uma crítica fantástica e exagerada à sociedade moderna, do tipo que deixa a gente coçando a cabeça muito tempo depois que o filme acaba.
Todo Mundo Quase Morto (Edgar Wright, 2004)
Com: Simon Pegg, Nick Frost, Kate Ashfield, Dylan Moran, Lucy Davis
A proposta deste filme é inusitada como poucas. Começa como uma comédia ácida e esquisita, e de repente explode em rompantes de gore que deixariam (deixaram, segundo fontes fidedignas) George Romero, o pai dos filmes de zumbis, com um sorriso de orelha a orelha. A ambientação é o subúrbio de Londres, lar do vendedor fracassado Shaun (Simon Pegg). Ele está prestes a perder a namorada (Kate Ashford) no mesmo dia em que uma epidemia de zumbificação acomete a capital da Inglaterra. Auxiliado pelo melhor amigo inútil (Nick Frost), o cara elabora um plano maluco para salvar sua turma dos mortos canibais que se multiplicam ao seu redor. Há boas piadas esparsas, uma tonelada de referências e uma cena de desmembramento que vale o filme. Inacreditavelmente, este ousa ser sério e dramático quando precisa, apesar do escracho rasgado que impera durante toda a sua duração.
O Enigma de Outro Mundo (John Carpenter, 1982)
Com: Kurt Russell, Wilford Brimley, Charles Hallahan, Richard Masur, T.K. Carter
Tido por muitos como um dos destaques dentro da filmografia de John Carpenter, a verdade é que este filme não empolga tanto assim. Há um excesso de personagens na tela, e nenhum deles (nem mesmo o protagonista) é desenvolvido a contento, o que torna o envolvimento da platéia com a história em algo difícil à primeira vista. Talvez depois de uma revisão, e olhe lá. O conflito gira em torno de um grupo de pesquisadores na Antártida ameaçado por uma criatura assassina mutante que tem o poder de mimetizar a aparência de qualquer ser vivo. Os bons momentos isolados de suspense e o ótimo trabalho de maquiagem nas cenas com sangue são o que mais se destaca nesta refilmagem de um clássico (O Monstro do Ártico, de 1951), que acabou com cara de Alien - O 8º Passageiro (James Cameron, 1979) requentado e passado no planeta Terra.
Monster - Desejo Assassino (Patty Jenkins, 2003)
Com: Charlize Theron, Christina Ricci, Bruce Dern, Lee Tergesen, Annie Corley
A carreira ingrata deste excelente trabalho nas salas de cinema esconde um drama fascinante baseado em fatos reais. O filme reconstrói os últimos dias de liberdade da prostituta Aileen Wuornos (Charlize Theron), que colecionou uma série de assassinatos antes de ser presa no bar que freqüentava. Apaixonada por uma adolescente imatura (Christina Ricci), Wuornos é retratada pela diretora estreante em longas Patty Jenkins como uma pessoa desesperada que se viu obrigada a ultrapassar a barreira entre o certo e o errado para sustentar a qualquer custo a jovem amante. Trata-se de uma deturpação extremamente destrutiva de uma história de amor atípica. Charlize Theron despe-se de sua beleza marcante e faz, sim, jus ao Oscar que ganhou pelo papel. A história tenta não julgar seus personagens, apresentando um contraste doentio – e ao mesmo tempo tragicamente belo – entre a figura definhante de Wuornos e a beleza imberbe de uma inconseqüente Christina Ricci. Tudo adornado por uma trilha sonora emocionante, outro fator do filme que chama a atenção.
O Bom Pastor (Robert De Niro, 2006)
Com: Matt Damon, William Hurt, Angelina Jolie, Tammy Blanchard, Billy Crudup, John Turturro
Atrás das câmeras, Robert De Niro foi com muita sede ao pote em sua vontade de botar panca com um filme longo demais, que faz das tripas coração para ser tenso e, no final das contas, não atinge praticamente nenhum dos seus intentos com qualidade. Numa história sobre a origem da CIA em que um tiro sequer é dado (não se ouve nem o som de um tiro, para se ter uma idéia), um agente (Matt Damon) é vagarosamente engolido pela teia de paranóia que dominou a organização durante a Guerra Fria, tendo que responder por um dos grandes fracassos da campanha americana em Cuba.
O personagem principal é uma pedra sem vontade própria, incapaz de tomar qualquer ação sem a aprovação do outro, e não aprende nada durante as mais de duas horas e meia de filme. De Niro esqueceu de mostrar o que acontece com o cara entre a sua cena inicial, em que ele solta a franga vestido de mulher num palco, e o restante da sua história, quando ele se comporta como um peão monossilábico a serviço de algo no qual nem parece acreditar direito.
O elenco é formado só por gente tarimbada, mas as fagulhas de vida que transparecem dentro do extenso grupo de personagens são devidas exclusivamente ao professor veterano feito por Michael Gambon e ao amor sufocado de Matt Damon, papel da atriz Tammy Blanchard. Só os fãs doentes de De Niro é que poderão enxergar qualquer outra coisa acima da média.
Um Cão Andaluz (Luis Buñuel, 1929)
Com: Simone Mareuil, Pierre Batcheff, Luis Buñuel, Robert Hommet, Fano Messan
Neste que é um dos curta-metragens mais famosos de todos os tempos (apenas 16 minutos), Luis Buñuel estréia na direção sem qualquer preocupação narrativa e com imenso desejo de exteriorizar sua concepção surrealista de arte, em companhia do então amigo Salvador Dalí, que co-escreveu o "roteiro".
O filme é indecifrável numa primeira sessão. Depois dela, assisti mais 2 vezes. Admirador da lógica que sou, tentei imbuir algum sentido na sucessão de imagens quase sem conexão alguma umas com as outras. Conexões? A caixa que aparece com o cara de bicicleta, com a moça que se veste de homem e no final, despedaçada na praia, enquanto o duo central de atores caminha sobre as pedras. O resto é desconexo demais, e só encontra sentido no âmbito psicológico, metafórico e onírico. Um exemplo é o paralelo entre a lua cortada pela nuvem e o olho aberto pela navalha, numa cena desconcertante em que o mestre de cerimônias é o próprio Buñuel, teoricamente disposto a agredir o espectador (ou escancarar sua alma, visto que os olhos são tidos como os espelhos da alma).
Mas o mais importante de tudo foi minha ânsia em descobrir o sentido do título Um Cão Andaluz.
Pois bem. Quem já viu o filme sabe que, lá pelas tantas, a mocinha fita uma mariposa na parede. O inseto – Buñuel os estudou antes de enveredar pelas artes – é um espécime da supersticiosamente temida traça da morte. Reparem no momento em que a câmera foca as costas do bicho. Olhem para a figura que se forma. Não parece um cão? Talvez até mesmo um da raça podenco andaluz?
A probabilidade desta associação ser impertinente e tola é muito grande. Nenhuma outra interpretação que li na Internet um dia depois, porém, se atrevia a destrinchar o motivo do filme ter o título que tem. Há todo um leque de teorias acerca das imagens e de qualquer suposto propósito por trás delas. Descobri, por exemplo, que a cena das formigas que emergem nas mãos do homem pode ser uma alusão à expressão francesa "fourmis dans les paumes", que denota um "ardente desejo de matar". Há também a cena do mesmo homem que puxa dois pianos com dois burros mortos sobre eles, dois padres e duas tábuas dos Dez Mandamentos, uma metáfora para o atraso cultural causado através dos tempos pela religião e pela igreja.
Não é possível avaliar o curta de acordo com padrões estabelecidos. Mas não há dúvida de que ele chama a atenção pela concepção artística, pelo absurdo de suas situações e, acima de tudo, por ser uma introdução inclemente ao universo surrealista no cinema. Além disso, o filme acaba bem rápido e não toma muito tempo da platéia. Mas é somente por um grande erro de continuidade (na cena em que a moça é atropelada por um carro) que ele não ganha nota 10/10.
Sexta-feira 13 (Sean Cunningham, 1980)
Com: Adrienne King, Betsy Palmer, Harry Crosby, Laurie Bartram, Kevin Bacon
De baixíssimo orçamento e totalmente depretensioso em relação à estatura que o nome Sexta-feira 13 viria a ganhar com o passar dos anos, tudo o que esta primeira aparição do monstro oitentista Jason Voorhees almejava era faturar uma boa grana em cima do hype gerado pelo sucesso de Halloween - A Noite do Terror (John Carpenter, 1978). O fruto saiu melhor que a encomenda, já que Jason tornou-se bem mais popular que Michael Myers, e retornaria às telas em mais de 10 filmes! No que concerne ao primeiro longa, o que se vê em cena é um roteiro simplista com diálogos ineptos, que se tornou a gênese do pastiche rasteiro coalhado de adolescentes retardados que indefectivelmente acabam chacinados nas mãos do assassino.
O acampamento Crystal Lake está para ser reaberto, apesar das lendas sobre um garoto que morreu afogado no lugar e dos assassinatos que ocorreram logo em seguida. Nem bem os novos monitores (entre eles um então neófito Kevin Bacon) chegam para trabalhar, começa a contagem de corpos. A narrativa peca em muitos pontos, como no fato de matar a maior parte das vítimas muito rapidamente e no final ter que ensebar com a heroína sobrevivente e a "revelação" do clímax. O que se salva com louvor é a trilha sonora de Harry Manfredini, que marcou época com suas evoluções sussurradas (tss-tss-tss... ha-ha-ha...), de resto semi-canibalizada a partir do trabalho de Bernard Herrman em Psicose (Alfred Hitchcock, 1960). E talvez a surpresa reservada ao espectador na cena do lago.
Quem não gosta esperneia muito, mas não se pode negar que este filme é um clássico do cinema de horror comercial. Ruim, mas ainda assim um clássico.
Guardiões da Noite (Timur Bekmambetov, 2004)
Com: Konstantin Khabensky, Mariya Mironova, Mariya Poroshina, Dmitry Martynov
Classificado pelo próprio diretor como o primeiro blockbuster russo, Guardiões da Noite é um amálgama estético de tudo o que o cinema hollywoodiano despejou nos últimos dez anos, principalmente no que diz respeito aos efeitos especiais. O que em nenhum momento é algo que desabone o filme, como costumam dizer os puristas extremistas insatisfeitos com tudo. É possível enxergar qualidades na história sobre como o equilíbrio entre seres míticos (vampiros, bruxos e transmorfos) é quebrado pelo assassinato de um deles nas mãos de um guardião do bem novato (Konstantin Khabensky). Não, felizmente não se trata de uma releitura de Anjos da Noite (Len Wiseman, 2003), até porque estes filmes foram feitos quase que ao mesmo tempo e o longa russo é visivelmente melhor.
Contam a favor do tom diferenciado a idéia de que os seres míticos habitam uma dimensão paralela à nossa, de onde nós só poderíamos vê-los caso eles quisessem, e a natureza do herói, que passa a maior parte do tempo num estado de torpor tal que chega a dar agonia. Neste ponto, a sensação é a de que a platéia aprende com ele, pois todo o combate entre o bem (os guardiões da noite) e o mal (os guardiões do dia) é visto sob seu ponto de vista. É uma pena que a subtrama da moça amaldiçoada (Mariya Poroshina) seja tão forçada e tenha um desfecho tão infantil e medíocre. De resto, o que se vê é uma fantasia com algum mérito e imenso potencial para evoluir bem em suas eventuais continuações.
Divagações postadas por Kollision entre 4 e 17 de Abril de 2007