Visto em DVD em 11-ABR-2007, Quarta-feira
Neste que é um dos curta-metragens mais famosos de todos os tempos (apenas 16 minutos), Luis Buñuel estréia na direção sem qualquer preocupação narrativa e com imenso desejo de exteriorizar sua concepção surrealista de arte, em companhia do então amigo Salvador Dalí, que co-escreveu o "roteiro".
O filme é indecifrável numa primeira sessão. Depois dela, assisti mais 2 vezes. Admirador da lógica que sou, tentei imbuir algum sentido na sucessão de imagens quase sem conexão alguma umas com as outras. Conexões? A caixa que aparece com o cara de bicicleta, com a moça que se veste de homem e no final, despedaçada na praia, enquanto o duo central de atores caminha sobre as pedras. O resto é desconexo demais, e só encontra sentido no âmbito psicológico, metafórico e onírico. Um exemplo é o paralelo entre a lua cortada pela nuvem e o olho aberto pela navalha, numa cena desconcertante em que o mestre de cerimônias é o próprio Buñuel, teoricamente disposto a agredir o espectador (ou escancarar sua alma, visto que os olhos são tidos como os espelhos da alma).
Mas o mais importante de tudo foi minha ânsia em descobrir o sentido do título Um Cão Andaluz.
Pois bem. Quem já viu o filme sabe que, lá pelas tantas, a mocinha fita uma mariposa na parede. O inseto – Buñuel os estudou antes de enveredar pelas artes – é um espécime da supersticiosamente temida traça da morte. Reparem no momento em que a câmera foca as costas do bicho. Olhem para a figura que se forma. Não parece um cão? Talvez até mesmo um da raça podenco andaluz?
A probabilidade desta associação ser impertinente e tola é muito grande. Nenhuma outra interpretação que li na Internet um dia depois, porém, se atrevia a destrinchar o motivo do filme ter o título que tem. Há todo um leque de teorias acerca das imagens e de qualquer suposto propósito por trás delas. Descobri, por exemplo, que a cena das formigas que emergem nas mãos do homem pode ser uma alusão à expressão francesa "fourmis dans les paumes", que denota um "ardente desejo de matar". Há também a cena do mesmo homem que puxa dois pianos com dois burros mortos sobre eles, dois padres e duas tábuas dos Dez Mandamentos, uma metáfora para o atraso cultural causado através dos tempos pela religião e pela igreja.
Não é possível avaliar o curta de acordo com padrões estabelecidos. Mas não há dúvida de que ele chama a atenção pela concepção artística, pelo absurdo de suas situações e, acima de tudo, por ser uma introdução inclemente ao universo surrealista no cinema. Além disso, o filme acaba bem rápido e não toma muito tempo da platéia. Mas é somente por um grande erro de continuidade (na cena em que a moça é atropelada por um carro) que ele não ganha nota 10/10.
O Cão Andaluz vem num DVD em edição conjunta com A Idade do Ouro, outro trabalho surrealista dirigido por Buñuel em 1930. A seção de extras vem com uma entrevista de 15 minutos com Juan-Luis, filho do diretor, discorrendo sobre Um Cão Andaluz, e outro depoimento de 5 minutos em que ele fala das rusgas que marcaram o relacionamento entre Buñuel e Salvador Dalí após a realização dos dois filmes. Há ainda uma galeria de pinturas surrealistas da época, dois artigos em texto sobre o tema e biografias de Buñuel e Dalí.