Arquivos de Posts

Filmes Vistos em Abril - Parte 2

São Paulo no Cinema

Os quatro filmes abaixo foram vistos numa janela de sorte em São Paulo, quando caí de pára-quedas na promoção "São Paulo no Cinema". Na folga de um curso que fiz na região dos Jardins, lá fui eu ver se conseguia pegar uma sessão de O Último Rei da Escócia no Cine HSBC Belas Artes. Depois da caminhada básica, a surpresa: a fila da bilheteria estava para fora do cinema, quase fazia a curva na avenida Paulista. Apesar de conseguir chegar na boca do caixa ainda a tempo de pegar o filme, a sessão já estava lotada. E não haveria outra pelo resto do dia. Paciência.

A (ótima) opção imediatamente disponível era O Cheiro do Ralo. Este e os demais filmes possuem muito pouca probabilidade de chegarem a Cuiabá (talvez com exceção de Sunshine - Alerta Solar), e acabaram saindo por um total de R$23,00 já que, a partir do segundo filme, todas as entradas custavam somente R$3,00.

Bem que essa iniciativa poderia se espalhar pelo resto do país. Mesmo que o seu ou o meu parque exibidor não seja nem de perto comparável ao parque de uma megalópole como São Paulo...

O Cheiro do Ralo (Heitor Dhalia, 2006) 9

Com: Selton Mello, Paula Braun, Lourenço Mutarelli, Sílvia Lourenço, Fabiana Guglielmetti

Personagens disfuncionais costumam ser matéria-prima infalível para comédias de humor negro, e o Brasil finalmente ganha o seu exemplar no sub-gênero com este pequeno grande filme. Selton Mello é o dono de uma loja de bugigangas que vive dia após dia pagando merreca a quem lhe procura para vender algo. Intragável e isolado num mundo particular, ele desenvolve uma fascinação hilária pela bunda de uma garçonete (Paula Braun) enquanto cresce sua fixação pelo ralo de seu escritório e pelo mau cheiro que dele exala. O diretor Heitor Dhalia adapta uma obra literária e cativa a platéia com uma narrativa psicológica e mordaz, que usa o materialismo e a obsessão do protagonista como plataformas para uma análise do desejo em sua forma mais íntima, mais inescrutável e, por incrível que pareça, também muito poética.

A Leste de Bucareste (Corneliu Porumboiu, 2006) 6

Com: Mircea Andreescu, Teodor Corban, Ion Sapdaru, Luminita Gheorghiu

Filme romeno premiado em vários festivais de cinema, incluindo Cannes, que faz uso de um grande momento da história da Romênia para exercitar a crítica política com um humor sutil. Tudo culmina para um programa de TV de uma cidadezinha do interior em que o apresentador convida duas pessoas, um aposentado e um professor, para falarem ao vivo sobre a queda do regime do ditador Nicolae Ceaucescu ocorrida há 16 anos atrás, às vésperas do Natal. Bonito mas desproporcional na carga de humor (as risadas só vêm mesmo na parte final, a da entrevista), o filme de estréia do diretor Porumboiu consegue transmitir sua mensagem satírica com economia, valorizando o trabalho do elenco e divulgando um pouco da história de seu país com classe.

Ventos da Liberdade (Ken Loach, 2006) 8

Com: Cillian Murphy, Padraic Delaney, Liam Cunningham, Orla Fitzgerald, Roger Allam

Enfiar o dedo na ferida do governo inglês é o que esse filme faz bem, cobrindo o período pós Primeira Guerra numa Irlanda dominada por tropas britânicas que oprimiam e extorquiam o povo sem qualquer escrúpulo. A história consiste na trajetória trágica de um grupo de jovens que se ergueu contra os invasores para lutar pela liberdade de seu país, entre eles dois irmãos cujas vidas são terrivelmente alteradas pelo conflito (Cillian Murphy e Padraic Delaney). Em meio ao conturbado nascimento do IRA (exército republicano irlandês - sigla deturpada por grupos terroristas locais nas décadas seguintes), o drama é carregado com cenas fortes e terríveis dilemas morais, e volta a jogar na cara do espectador a idéia de que a violência só gera mais violência, num perigoso círculo vicioso capaz de soterrar o senso de humanidade mesmo no mais bem-intencionado dos homens.

Sunshine - Alerta Solar (Danny Boyle, 2007) 9

Com: Cillian Murphy, Chris Evans, Michelle Yeoh, Cliff Curtis, Hiroyuki Sanada, Troy Garity

Fazia tempo que uma ficção científica não se atrevia a perscrutar o vácuo do espaço, seja em escala mínima ou num conto que preenche todo o tempo de duração do filme, como no caso de Sunshine. A premissa é genial: com o sol em estado terminal e a Terra se tornando um bloco de gelo num futuro próximo, um grupo de astronautas é enviado numa segunda missão (por motivos obscuros a primeira falhou) para detonar uma bomba nuclear na superfície da estrela e fazê-la "pegar no tranco". Os efeitos especiais servem bem ao filme, que inadvertidamente homenageia clássicos do gênero. O diretor Danny Boyle, definitivamente dotado de um olhar cinemático de respeito, imprime uma atmosfera tensa sem ser claustrofóbica, auxiliado por um elenco afiadíssimo, e compensa arapucas de um roteiro obrigado a tomar algumas decisões difíceis para seguir adiante (a correção do ângulo das placas solares, por exemplo, soa como um desbloqueio impensável num sistema de tamanho nível de complexidade e segurança).

Mesmo assim, o resultado é um filmaço de encher os olhos de quem sente saudades do tipo de espetáculo proporcionado por marcos do gênero como 2001: Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968). Simplesmente imperdível.

Texto postado por Kollision em 20/Abril/2007