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Filmes Vistos em Abril - Parte 3

Scoop - O Grande Furo (Woody Allen, 2006) 6

Com: Hugh Jackman, Scarlett Johansson, Woody Allen, Ian McShane, Charles Dance

Misturando humor negro com toques fantásticos, o novo longa de Woody Allen é um retorno à comédia de contornos mais mundanos que marcou um determinado período de sua carreira. A artificialidade rasteira da premissa se mescla a camadas excessivas de diálogos na história de uma jornalista americana (Scarlett Johansson) que recebe um aviso póstumo de um jornalista assassinado e se une a um mágico de araque (Woody Allen) para investigá-lo. O "furo" diz respeito ao fato de um charmoso e irretocável ricaço inglês (Hugh Jackman) estar por trás dos recentes assassinatos de mulheres que remetem ao caso do temível Jack, o Estripador. Johansson, por mais bem que faça aos olhos, não consegue ir além do estereótipo da americana matraca e tola. Hugh "Wolverine" Jackman passa o filme todo amarrado por um roteiro que soa truncado, principalmente na conclusão abrupta e fácil. Assim, os melhores momentos acabam sobrando para o próprio Woody Allen, que solta algumas pérolas hilárias. Filmado e ambientado em Londres, o longa acaba sendo somente medianamente divertido, e não consegue se destacar dentro da filmografia do cultuado diretor.

Touro Indomável (Martin Scorsese, 1980) 8

Com: Robert De Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty, Frank Vincent, Nicholas Colasanto

Robert De Niro levou para casa o Oscar de melhor ator por sua representação do destrutivo pugilista de pesos médios Jake La Motta, cuja carreira no esporte ascendeu e decaiu nos anos 40. Martin Scorsese conduz o relato em torno da figura trágica do protagonista com maestria, fazendo com que a fotografia em preto-e-branco transmita a urgência emocional de sua trajetória e a violência física de suas lutas com um tom amargo de nostalgia.

A transformação física de De Niro é impressionante, mas o filme soa pesado e depressivo. Não se trata nem um pouco de um trabalho cômodo para os olhos ou para a mente. Afinal, ele se baseia no livro autobiográfico do próprio La Motta e escancara sem firulas o comportamento antipático e desprezível do lutador. O próprio Scorsese admite ter alterado vários pontos de sua história verdadeira ao compor o personagem do filme, talvez para aliviar um pouco a sua carga de canalhice.

O Sexto Sentido (M. Night Shyamalan, 1999) 10

Com: Bruce Willis, Haley Joel Osment, Toni Collette, Olivia Williams, Mischa Barton

Na cinematografia mundial do gênero do horror, e até mesmo além dele, O Sexto Sentido é sem dúvida alguma uma das experiências mais fascinantes que qualquer cinéfilo pode vivenciar. Se você ainda não assistiu ao filme e algum otário acabou te revelando o segredo da história, meus pêsames. Você perdeu algo inestimável.

O filme foi indicado a vários Oscar e, como era de se esperar, foi esnobado em todas as categorias (de filme a diretor, passando por ator e atriz coadjuvante e roteiro original). Bruce Willis faz o papel de um psiquiatra frustrado com um grande fracasso na carreira, que vê no tratamente de um garoto problemático (Haley Joel Osment) a chance de redimir a si mesmo. O fardo que o menino carrega não é fácil de ser compreendido: ele é amaldiçoado com o dom de ver os espíritos dos mortos.

Impecavelmente dirigido, atuado e editado, este é um filme que jamais poderá ser assistido uma única vez. Um suspense psicológico fascinante e comovente, capaz de assustar com uma sutileza avassaladora.

Número 23 (Joel Schumacher, 2007) 6

Com: Jim Carrey, Virginia Madsen, Logan Lerman, Danny Huston, Lynn Collins

A sensação de se assistir a este trabalho de Joel Schumacher é a mesma de percorrer uma espiral, de fora para dentro. O início é morto, com uma estranha pontada de sonolenta e inútil redundância. À medida em que a história progride, no entanto, as coisas vão entrando nos eixos, não necessariamente com o louvor presumido que o roteiro tenta clamar para si. Várias ligações soam rasas demais, enquanto a neurose do protagonista nem sempre parece convincente. Jim Carrey é um técnico veterinário que ganha de presente da esposa (Virginia Madsen) um livro que retrata a obsessão de um detetive pelo número 23, "tara" cerebral que se mescla aos fatos de sua vida de forma irrefutável e progressivamente o torna paranóico. Carrey demonstra jogo de cintura, principalmente quando sua voz destoa do tom comédico que o estigmatizou. Por incrível que pareça, o filme se sustenta praticamente só com sua performance.

A Colheita do Mal (Stephen Hopkins, 2007) 5

Com: Hilary Swank, David Morrissey, Idris Elba, AnnaSophia Robb, Stephen Rea

O diretor Stephen Hopkins faz o que pode para driblar os clichês de mais este terror bíblico, desta vez ambientado na fértil região pantanosa do sul dos Estados Unidos. Antes mesmo do filme entrar em regime de cruzeiro é possível farejar de longe que algo está errado no que diz um grupo de caipiras supersticiosos sobre uma garotinha (AnnaSophia Robb), que é tomada como enviada do capeta e responsável por uma série de eventos que emula as primeiras das 10 pragas do Antigo Testamento. A convocada para investigar o caso é uma cientista cética que perdeu a fé de forma traumática (Hilary Swank). Os momentos de suspense existem, mas são infelizmente inseridos dentro de um roteiro que não se esforça para sair da estrutura clássica já bastante manjada de outros carnavais.

Misterios de Ultratumba (Fernando Méndez, 1959) 8

Com: Rafael Bertrand, Mapita Cortés, Gastón Santos, Carlos Ancira, Luis Aragón

A.K.A. The Black Pit of Dr. M – Eis mais uma pequena gema esquecida nos anais do cinema de fantasia, desesperadamente merecedora de uma redescoberta por quem aprecia o gênero. A inspiração nos clássicos de horror da era de ouro da Universal é o que mais se destaca neste interessante conto sobrenatural mexicano, que chama a atenção pela técnica, pela trilha sonora e pela caprichada atmosfera obtida, que abonam as pequenas falhas do filme e o tornam realmente digno de nota. Dois médicos psiquiatras fazem um pacto entre si, de que o primeiro a morrer irá ajudar o outro a transpôr a fronteira entre a vida e a morte sem abandonar seu corpo. O falecimento de um deles dá início à história, que é bastante movimentada e utiliza muito bem elementos góticos e expressionistas para relatar a trágica derrocada do inicialmente bem-intencionado cientista.

A Idade do Ouro (Luis Buñuel, 1930) 8

Com: Gaston Modot, Lya Lys, Max Ernst, Josep Llorens Artigas, Lionel Salem

Às vezes tenho sonhos que não consigo classificar. São geralmente alegorias disformes, às vezes terrivelmente nítidas e outras completamente truncadas. Todas elas são, invariavelmente, marcadas pela incompletitude. Como se o objetivo pretendido jamais pudesse ser alcançado – e ele não o é, nunca – com o sonho/pesadelo terminando em suspenso e sem qualquer indício de consumação, pelo menos quando consigo me recordar deles.

Assistir a A Idade do Ouro é como ter um sonho desses. Buñuel é um diretor que conseguiu transferir para a tela essa sensação, que se assemelha à idéia de nossos pés estarem sempre envoltos em grilhões, de as escadas que temos que subir serem feitas de areia movediça, de que quanto mais força fazemos mais resistência encontramos. Não entendeu nada? E quem disse que é fácil colocar em palavras a atmosfera sufocante de um sonho febril?

O simbolismo e as metáforas deste filme podem ser dissecados, caso desejado. As imagens que se sucedem cena após cena, no entanto, possuem um ponto em comum que fica claro principalmente na agulhada final, uma paulada na religião que fez o filme ficar proibido nos Estados Unidos por praticamente 50 anos. Mais que um entretenimento, este volta a ser o caso em que o qualificador mais adequado para o filme é "experiência". A miríade de temas e sensações é enorme: religião, opressão, impotência, amor, ódio, desejo, luxúria, intolerância, medo, etc. E, independente do estado de espírito da platéia, é garantido que alguma reação forte está reservada a todos que o assistirem.

Corpo Fechado (M. Night Shyamalan, 2000) 9

Com: Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Robin Wright Penn, Spencer Treat Clark, Charlayne Woodard

Fantástica história original que ousa emular a idéia do nascimento de um super-herói, exatamente como acontece nas histórias em quadrinhos. Só que nada no filme de Shyamalan se enquadra nos moldes estabelecidos para, por exemplo, o gênero de adaptação de HQs que recentemente fez escola com os longas do Homem-Aranha e dos X-Men. A lentidão e o compasso cadenciado de Corpo Fechado fazem parte da concepção do filme, de tal forma que ele se dissocia quase que completamente das idéias associadas a este tipo de obra de entretenimento. Mise-en scéne e enquadramentos inspirados marcam a história de David Dunn (Bruce Willis), um homem cheio de problemas que lentamente descobre ser imune a impactos físicos graças à influência de um enigmático e doente dono de uma galeria de arte (Samuel L. Jackson). Tenho que admitir que um pouco mais de movimento não faria mal ao filme (parece que todo mundo jamais altera seu tom de voz). Ainda assim, Corpo Fechado é envolvente como poucos longas, e reserva, mais uma vez, uma surpresa brilhante que conceitualmente o diferencia e ao mesmo tempo o aproxima de similares mais espalhafatosos e aventurescos.

A Estranha Perfeita (James Foley, 2007) 5

Com: Halle Berry, Bruce Willis, Giovanni Ribisi, Richard Portnow, Gary Dourdan

Suspenses que jogam sujo com o espectador existem aos montes por aí, e infelizmente ainda deturpam a percepção de gente que acredita estar diante de algo bombástico. Este é mais um destes casos, sendo necessário acompanhar a história da jornalista investigativa feita por Halle Berry para saber o porquê. Quando uma amiga sua é assassinada e o principal suspeito é um amante poderoso do mundo da propaganda (Bruce Willis), ela convoca um parceiro hacker (Giovanni Ribisi) para esmiuçar tudo sobre o magnata e mandá-lo para trás das grades. O desfecho, apesar de ser a coisa mais bem filmada e bacana do longa, entrega a fragilidade de um roteiro forçado e sacana. O grande chamariz do filme é a performance de seu elenco, em especial do coadjuvante multifacetado feito por Giovanni Ribisi.

Hannibal - A Origem do Mal (Peter Webber, 2007) 6

Com: Gaspard Ulliel, Gong Li, Dominic West, Rhys Ifans, Richard Brake

O psicopata Hannibal Lecter finalmente ganha a primeira prequel de segunda geração da história do cinema moderno – a primeira geração foi Dragão Vermelho (Bret Rattner, 2002), cujos eventos já se passavam antes dos bem-sucedidos O Silêncio dos Inocentes (Jonathan Demme, 1991) e Hannibal (Ridley Scott, 2001). Quem roteiriza o filme é Thomas Harris, o próprio criador do personagem, apresentando a jornada de Hannibal desde a sua traumática infância no final da Segunda Guerra Mundial até os eventos de sua vida adulta que acabaram conduzindo-o à América. O filme é bonito e só derrapa quando resolve fazer associações forçadas com a iconografia dos longas anteriores. Ao menos é mantida uma certa fidelidade em relação à personificação feita por Anthony Hopkins, que aqui é substituído por um ator que mais se parece com uma versão jovem de Crispin Glover.

Divagações postadas por Kollision entre 25-ABR e 2-MAI de 2007