Em time que está ganhando não se mexe. Chavão mais seguro que esse está para ser criado. E é exatamente isso o que aconteceu à seqüência do filme que abriu caminho para a enxurrada de adaptação de HQs que dominou boa parte do cinema comercial na primeira década do século XXI. Sucesso razoável de crítica e público, X-Men - O Filme foi um longa correto, mas que pedia por mais grandiosidade, mais ação, mais ousadia. É lógico que Bryan Singer, então mais seguro de seu taco, tratou de elevar o nível de X-Men 2 na mesma proporção em que aumentou o orçamento para a produção. O resultado é uma das mais bem-acabadas adaptações de quadrinhos já feitas, capaz de satisfazer plenamente até mesmo quem jamais deu muita bola para as revistas.
Um atentado contra o presidente dos Estados Unidos cometido por um mutante é a fagulha que inicia todo o conflito da nova aventura. Mais do que depressa, o telepata e líder dos X-Men Charles Xavier (Patrick Stewart) despacha Tempestade (Halle Berry) e Jean Grey (Famke Janssen) numa missão para localizar o mutante que cometeu o atentado (o favorito dos fãs Noturno, interpretado por Alan Cumming). O próprio Xavier é acompanhado por Ciclope (James Marsden) numa visita ao aprisionado Magneto (Ian McKellen), suspeitando que ele possa estar por trás da tentativa de assassinato. O que eles nem imaginam é que a ameaça vem de um humano, o general William Stryker (Brian Cox), um militar com ódio por mutantes que planeja invadir a mansão X e explorar seu segredos com motivos nenhum pouco nobres. E, quando isso ocorre, o único x-man veterano que se interpõe entre os invasores e as crianças da escola é Wolverine (Hugh Jackman), que acaba de retornar de sua viagem ao Canadá.
O aumento do número de personagens ativos dentro da história é só um indicativo de quão densa a adaptação de uma HQ pode ser, indo contra a idéia costumeiramente associada a diversão rasteira quando a fonte é o material geralmente marginalizado de que os "gibis" são feitos. O tema do preconceito é ainda mais trabalhado que no filme anterior, com pontos de vista distintos e algumas vezes distorcidos dentro da própria gama de mocinhos, bandidos e humanos que fazem parte do drama dos X-Men. Nada é preto no branco, e o maior indicativo disso é a improvável aliança firmada entre os pupilos de Charles Xavier e Magneto, seu maior inimigo, perante uma ameaça que põe em risco não só suas respectivas equipes, mas também toda a população mutante no resto do mundo.
Seguindo a estrutura das revistas, X-Men 2 é uma continuação direta da aventura anterior, indissociável dos eventos mostrados em seu clímax e extremamente atada ao conceito de continuidade. Com os personagens principais já devidamente estabelecidos, sobra espaço para a participação mais considerável de muitos outros mutantes, como o já mencionado Noturno, o Homem de Gelo (Shawn Ashmore) e Pyro (Aaron Stanford), que ganham papéis de respeitável importância dentro da ação. Os dois últimos formam a divisão juvenil do longa, disputando a atenção de Vampira (Anna Paquin) e protagonizando um conflito de amizade que aos poucos vai aproximando a natureza dos personagens àquela já bem conhecida dos fãs das HQs. Incrementando a galeria dos vilões aparece Lady Letal, codinome de Yuriko Oyama (Kelly Hu), aqui convertida em capanga de William Stryker e alçada à posição de inimiga mortal de Wolverine, uma vez que ela é dotada do mesmo metal que reveste o esqueleto do herói. As mudanças de Letal em relação aos quadrinhos são as mais controversas, mas o mais triste em relação a ela é notar que a moça passa todo o filme em branco, tendo somente uma linha de diálogo. Bem, selvageria é com ela mesmo, como Hugh Jackman descobre lá pelas tantas.
Há muito mais coisa inserida de forma subliminar ao longo da narrativa, material que só mesmo os fãs da HQ poderão perceber. Curiosidades para os mais fanáticos são as participações relâmpago de outros mutantes, como Colossus, Kitty Pryde, Siryn, Fera e Jubileu. Rebecca Romijn volta com Mística, mas dá o ar de sua graça sem maquiagem numa seqüência muito bacana. O desfecho da aventura prepara terreno para a adaptação de uma premiada saga dos heróis, e tem o mérito de manter o excelente patamar dramático das páginas da edição da revista na qual se baseia.
A história dessa trilogia dos mutantes no cinema se encerra com X-Men - O Confronto Final.
O DVD duplo de X-Men 2 traz duas faixas de comentários acompanhando o filme, uma delas liderada por Bryan Singer e a outra pela produtora Lauren Shuler Donner. O disco extra vem com três seções principais que mostram as diferentes fases de produção do filme. A pré-produção tem dois especiais sobre o processo de design (18 min.) e figurinos (9 min.), acompanhados de uma apresentação multi-ângulo do ataque de Noturno ao presidente. A seção da produção propriamente dita vem com um making-of de uma hora, um especial de 15 min. sobre os efeitos especiais do filme, o processo de treinamento/maquiagem de Alan Cumming para assumir o manto de Noturno (14 min.) e a cena de ensaio para a luta entre Wolverine e Lady Letal. A pós-produção traz um especial sobre a trilha sonora de John Ottman (11 min.) e outro com várias entrevistas dadas pelos envolvidos na produção durante o período de lançamento do filme (17 min.). Completam o pacote um especial de 15 minutos sobre a origem dos X-Men, uma entrevista de 7 min. com o escritor das HQs Chuck Austen entregando sua admiração por Noturno, 11 cenas excluídas/estendidas, três trailers e mais de 20 galerias de desenhos e fotos de produção (incluindo várias idéias que foram limadas do filme, como a Sala de Perigo e os Sentinelas).
Texto postado por Kollision em 20/Maio/2006