Tragédia repentina desencadeia desestruturação contínua na família, que culmina em assassinato e morte: eis a idéia básica de muitos thrillers. Mesmo batida, é capaz de render bons filmes quando utilizada com competência. Foi com esse tema, por exemplo, que cineastas talentosos como Stanley Kubrick ou Robert Zemeckis teceram pérolas como O Iluminado (1980) ou Revelação (2000). Numa comparação mais abrangente, este O Amigo Oculto segue a mesma linha dos filmes citados, sem no entanto primar pela mesma qualidade.
Aqui a família desestruturada é formada pelo pai, o psicólogo David (Robert De Niro), pela mãe (Amy Irving) e pela doce filha do casal, Emily (Dakota Fanning). O suicídio aparentemente inexplicável da mãe, cujo corpo é encontrado na banheira pelo pai e pela filha, causa uma triste alteração na personalidade da menina. Ela passa a falar pouco, torna-se reclusa e larga suas inseparáveis bonecas, desenvolvendo um novo relacionamento com seu amigo imaginário 'Charlie'. Pai e filha mudam-se para uma casa isolada numa cidadezinha perto de Nova York, na esperança de poderem superar o trauma. Mesmo ajudado pela colega psicóloga Katherine (Famke Janssen), David parece incapaz de compreender a própria filha, que acusa Charlie de ser o responsável pelos acontecimentos estranhos que sempre se passam na banheira onde sua mãe morreu, no mesmo horário da madrugada em que seu corpo foi encontrado. Seria ele real ou apenas uma birra da menina?
Há um caldeirão de influências em O Amigo Oculto. A sensação de já termos visto o que está se passando na tela em algum outro lugar não é de se estranhar, e filmes como O Cemitério Maldito, Sinais, O Iluminado e Os Outros podem ser com certeza imediatamente lembrados. Pois, como muitos dos filmes de suspense que surgiram após a obra-prima O Sexto Sentido, de M. Night Shyamalan, O Amigo Oculto tem uma surpresa na manga, uma reviravolta que pega todo mundo de surpresa lá pelas raias do clímax. Particularmente, eu não teria absolutamente nada contra isso, desde que este ponto de inflexão fosse coerente com o que é mostrado durante o trecho anterior da história. Infelizmente, não é isso o que acontece ou, pelo menos, a explicação não é assim tão evidente e lógica.
O roteiro até que consegue estabelecer algum clima, em parte pela interpretação meiga e perturbadora da excelente atriz mirim Dakota Fanning e pela caracterização dos personagens que gravitam a casa de sua família. O policial, os vizinhos e o corretor, por exemplo, são todos retratados com aquela ponta de cinismo e com o toque sinistro tão característico desse estilo de filme, denotado pelo olhar e pela postura ambígua, denunciando a todos como prováveis suspeitos de estarem por trás de todo o mistério. Robert De Niro, como pai preocupado, não convence muito. Mas parece estar em casa depois que o segredo de 'Charlie' é revelado e o clímax tem início.
'Equívoco' é a palavra mais adequada a O Amigo Oculto. Somente se salvam a garotinha Fanning e a trilha sonora estilosa de John Ottman, que ajuda bastante na criação de algum ocasional suspense.
Texto postado por Kollision em 27/Fevereiro/2005