Cinema

De Olhos Bem Fechados

De Olhos Bem Fechados
Título original: Eyes Wide Shut
Ano: 1999
País: Estados Unidos, Inglaterra
Duração: 159 min.
Gênero: Suspense
Diretor: Stanley Kubrick (Glória Feita de Sangue, Spartacus, O Iluminado)
Trilha Sonora: Jocelyn Pook (Caótica Ana)
Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Sydney Pollack, Todd Field, Sky Dumont, Julienne Davis, Marie Richardson, Rade Serbedzija, Vinessa Shaw, Fay Masterson, Alan Cumming, Thomas Gibson, Leelee Sobieski, Madison Eginton, Togo Igawa, Eiji Kusuhara, Leon Vitali
Distribuidora do DVD: Warner
Avaliação: 9

Em seu derradeiro trabalho atrás das câmeras, Stanley Kubrick mergulha fundo num dos temas que pareciam estar faltando em sua selecionada e espetacular filmografia. Transitando de forma geralmente sublime entre trabalhos sobre a guerra, a violência, a comédia, o filme de época, a ficção científica e até mesmo o horror, aqui ele se entrega à mítica do relacionamento homem-mulher focando a faceta de comportamento que lhes é mais cara, principalmente no final do século XX: o sexo. A partir do comprometimento incondicional de suas estrelas, os então casados e badalados Tom Cruise e Nicole Kidman, Kubrick tece sua obra com uma contemplação quase desmedida, quase sempre imprevisível e bastante carregada no suspense.

O cenário é Nova York, sua obscura atmosfera noturna e um casal subitamente retirado da rotina pelas confissões de uma mulher (Kidman) alterada pelo consumo de erva no final da noite, logo após uma festa que exemplifica muito do que existe de sórdido no mundo devasso dos poderosos. O marido é o clínico geral Bill Harford (Cruise), um médico conceituado e confiante, pelo menos até pouco antes de sua esposa lhe confessar, de forma bastante veemente, que já teve perigosas fantasias sexuais com outros homens no passado. Desnorteado com a revelação, Bill atende um chamado de emergência e mergulha numa jornada às cegas pela Nova York das prostitutas, dos cafetões e de orgias tão secretas e proibidas que só poderiam existir sob a forma de lendas urbanas.

É possível entender, ao assistir a De Olhos Bem Fechados, porque Kubrick demorou tanto tempo para realizar o filme, num intervalo de mais de 10 anos entre este e o anterior Nascido Para Matar (1987). O mais recente representa uma espécie de retorno ao antigo estilo cadenciado e elaborado de sua direção, aquele que valoriza os cenários e a cinematografia calcada em cores fortes, pontuada por longos intervalos sem qualquer diálogo. Isso representa um retorno à sua impecável técnica, que acredito ter sido deixada um pouco de lado em Nascido Para Matar, o trabalho mais comercial de sua carreira. E, aliado ao roteiro tenso e imprevisível, ainda que declaradamente lento para os padrões do cinema recente, o resultado é simplesmente fascinante. Não importa se o final da jornada do casal em crise será satisfatório ou não, a verdade é que é praticamente impossível tirar os olhos da tela depois que o filme começa.

Stanley Kubrick baseou seu filme no livro Breve Romance de um Sonho (Traumnovelle, 1926), do escritor austríaco Arthur Schnitzler, e dele herda ao menos a estrutura principal da história, muitas vezes referida como uma "contenda amorosa e sexual com a morte". De elevado conteúdo erótico, a película é extremamente bem-sucedida em estabelecer a confusão na alma do médico protagonizado por Tom Cruise, cuja atuação é visivelmente contida pelo diretor e jamais envereda por rompantes de estrelismo ou auto-indulgência. Na vida real, não parece soar exagero dizer que o casamento entre Cruise e Nicole Kidman tenha sido afetado de alguma maneira pelo período em que eles trabalharam no longa, que se estende além de um ano somente durante as filmagens. Por tudo o que Stanley Kubrick representava em vida, incluindo a fascinação que ele exercia em seus pares da indústria cinematográfica, De Olhos Bem Fechados representa um tipo de catarse artística raramente realizado pelos "grandes" desta indústria, daí a sua importância única.

A edição em DVD da Warner tem como extras entrevistas com Tom Cruise, Nicole Kidman e Steven Spielberg, onde todos descortinam com certa emoção sua admiração pelo gênio de Kubrick. Há ainda breves biografias de Cruise, Kidman, Kubrick e Sydney Pollack, um trailer e dois spots de TV do filme.

Texto postado por Kollision em 20/Março/2006