Se Eu Fosse Você (Daniel Filho, 2006)
Com: Tony Ramos, Glória Pires, Thiago Lacerda, Lavínia Vlasak, Danielle Winits
A premissa é simples e espinhosa, ainda que velha. Casal de meia idade (Tony Ramos e Glória Pires) discute tarde da noite e, por mágica, troca de corpos assim que o dia amanhece. Ele está na pele da mulher, uma professora de coral. Ela está na pele do homem, o administrador de uma empresa de propaganda que atravessa um momento delicado. Os cacoetes cênicos e técnicos são os mesmos de sempre em se tratando de uma produção da Globo Filmes, assim como a miríade de atores globais que pipocam como coadjuvantes dentro da história. A experiência na direção de Daniel Filho, no entanto, transparece e consegue fazer com que o vazio do roteiro passe despercebido na maior parte do tempo, com o auxílio inesperado de um timing cômico bem ajustado dos protagonistas, em especial de Tony Ramos. Só assim para entender o motivo do filme ter sido a maior bilheteria nacional de 2006, justificando a primeira continuação genuína de uma comédia brasileira baseada meramente em retorno financeiro e de público. E é claro, meu lado masculino também não tem nada a reclamar da típica e liricamente brasileira cena envolvendo a fartura frontal de Danielle Winits. Oh yes!
Possuídos (William Friedkin, 2006)
Com: Ashley Judd, Michael Shannon, Harry Connick Jr., Lynn Collins, Brian F. O'Byrne
William Friedkin é um abusado, mas um abusado fiel ao próprio estilo. Quando ele acerta, somos presenteados com pérolas como O Exorcista ou Operação França. Seu estilo, no entanto, é cru, árido e trilha uma linha tênue que separa o bom filme do embuste. E fica difícil para mim nomear um embuste maior que este Possuídos, um arremedo de suspense que cospe na cara do espectador com luva de pelica. Estabelecendo seu cenário numa mistura de bizarrice à la David Lynch com Psicose (o motel de beira de estrada), Friedkin dirige a história de Agnes (Ashley Judd), uma garçonete solitária que possui um ex-marido violento (Harry Connick Jr.) e se afeiçoa a um estranho pra lá de esquisito (Michael Shannon). A paranoia do cara sobre insetos torna-se a paranoia da dona, e o resto fica por conta da plateia. Sinceramente, a suspensão de descrença falhou miseravelmente com a minha pessoa. E este é um daqueles filmes que dependem disso para serem, bem, assistíveis. Lá pelas tantas parece que o negócio vai esquentar, mas o roteiro toma um rumo insatisfatório e estúpido. Quase consigo perdoar Ashley Judd por esta merda, já que ela é uma das atrizes mais gatas a saírem da terra do tio Sam e não tem pudor algum de tirar a roupa diante das câmeras. Mas não tem jeito, Possuídos é muito ruim. Você passará muito melhor com aquele filme homônimo, que já não era grande coisa mas pelo menos tinha Denzel Washington brigando com um espírito que possui corpos.
Réquiem para um Sonho (Darren Aronofsky, 2000)
Com: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Christopher McDonald
Se você é daqueles que tem uma necessidade premente de se importar com os personagens de um filme e torcer por um final feliz para eles, passe bem longe de Réquiem para um Sonho. Ninguém neste filme tem esperança, ninguém consegue melhorar de vida. O tom geral é de decadência e crescente desespero, de falta total de perspectiva e completa ausência de luz. Aronofsky o define como "fábula", o que é de se estranhar numa alegoria de horror real onde quatro pessoas se acabam devido ao seu vício. Primariamente o vício em drogas, mas há nuances incômodas que também acusam a escravização contínua diante da mídia televisiva. Os personagens são uma mãe sonhadora que vê uma nova fagulha de vida diante da possibilidade de participar de seu programa de TV favorito (Ellen Burstyn), seu filho (Jared Leto), a namorada do rapaz (Jennifer Connelly) e também o seu melhor amigo (Marlon Wayans). Todos os jovens são viciados em drogas já numa fase perigosa, e a senhora acaba sendo arrastada para este mundo devido à sua fixação pela TV. Aronofsky adota um estilo de edição frenético, que trata os atos viciosos de seus personagens de forma mecânica e fria, reservando um espaço mais amplo ao sofrimento e às conseqüências propriamente ditas de seus infortúnios. É um filme capaz de verdadeiramente deprimir uma pessoa. Uma visão multifacetada de um drama que já foi representado muitas vezes antes, mas que desta vez não passa a mão na cabeça de ninguém e não perde tempo algum com hipérboles narrativas. E Ellen Burstyn tem, sim, uma atuação digna do Oscar que ela não levou.
Se Eu Fosse Você 2 (Daniel Filho, 2009)
Com: Tony Ramos, Glória Pires, Chico Anysio, Maria Luisa Mendonça, Cássio Gabus Mendes
Em muitos aspectos, o segundo filme do supercasal global que troca de corpos é melhor que o primeiro. O conflito, por exemplo, é aumentado porque desta vez os dois estão em pé de guerra, separando-se com direito a advogados e tudo e rendendo uma dimensão a mais para as situações. O roteiro mostra mais substância e joga uma gravidez inesperada da filha do casal no meio da festa, muito embora o ranço televisivo não tenha sido eliminado por completo (pelo menos a edição mais ousada ajuda a quebrar um pouco a fôrma). Glória Pires no corpo de Tony Ramos, "interpretada" por Tony Ramos, poderia ser menos afetada – "ela" fica muito dócil no meio de uma discussão acalorada só porque eles trocam de corpos. Pelo menos a química entre os dois continua a mesma e vai fazer rir quem gostou do primeiro filme. De resto, há alguns pontos na história que não convencem muito, e a ausência dos coadjuvantes anteriores dá lugar a outros, com o grande bônus de finalmente podermos ver Chico Anysio fazendo comédia num filme. Novamente candidato forte na categoria de maior bilheteria brasileira do ano, Se Eu Fosse Você 2 ganhou até uma música-tema, essa que toca no apoteótico e obrigatório final feliz.
La Vampire Nue (Jean Rollin, 1970)
Com: Olivier Martin, Maurice Lemaître, Caroline Cartier, Michel Delahaye, Ursule Pauly
A.K.A. The Nude Vampire — A evolução de Jean Rollin em seu segundo longa-metragem (após o ensaio altamente insuportável de Le Viol du Vampire) é considerável e solidifica sua visão fértil, calcada fortemente em alegorias visuais. O filme começa de forma bem interessante: jovem impetuoso (Olivier Martin) se depara com uma moça seminua (Caroline Cartier) fugindo em desespero à noite, tenta ajudá-la mas não consegue impedir que ela seja baleada e levada por pessoas com máscaras de animais para um clube secreto onde uma seita de suicidas conduz suas atividades malucas. O problema maior é que o dono do clube é também o pai do rapaz (Maurice Lemaître). Infelizmente, Rollin não consegue manter a eficiência – visual ou narrativa – demonstrada no começo do filme, descambando para uma bagunça que ganha tons completamente inesperados em seu desfecho. O surrealismo barato mostra-se falho, e a nudez feminina muitas vezes é utilizada de maneira forçada e inútil. Apesar de estar abaixo da média, La Vampire Nue contém um ponto de partida interessante que poderia ser reaproveitado a contento, caso a ideia fosse executada de forma competente.
Grito de Horror (Joe Dante, 1981)
Com: Dee Wallace, Christopher Stone, Patrick Macnee, Dennis Dugan, Belinda Balaski
Depois de capturar junto com a polícia o fã incômodo que a perseguia, telejornalista (Dee Wallace) vai com o marido a um retiro no campo para se recuperar do trauma. Lá ela descobre que há muito mais sobre o fenômeno da licantropia do que a psiquiatria é capaz de explicar. Juntamente com Um Lobisomem Americano em Londres (John Landis), realizado no mesmo ano, este foi o filme que redefiniu a estética dos lobisomens nos anos 80. Grito de Horror, no entanto, não é tão bom ou eficiente quanto o espetacular filme de Landis, além de ter envelhecido um bocado de lá para cá. O ritmo é lento demais e o bicho demora demais para aparecer, mesmo tendo em mente que o roteiro queria manter o suspense, desenvolver os personagens, construir uma história, colocar um zilhão de referências ao gênero e blá-blá-blá... Acredito que a principal falha do filme é ter uma protagonista fraca e passiva (nada contra Dee Wallace, que na época ainda era uma gata), enquanto toda a ação fica por conta dos dois amigos coadjuvantes que em certo momento passam a investigar o fenômeno dos lobisomens. A melhor coisa do filme é de fato o gore e o trabalho de maquiagem feito na transformação dos bichos. E não nos esqueçamos também de Elisabeth Brooks, a atriz que faz a morena ninfomaníaca do retiro. Se é que vocês me entendem!
O Bruto (Luis Buñuel, 1953)
Com: Pedro Armendáriz, Katy Jurado, Andrés Soler, Rosa Arenas, Roberto Meyer
Que um cineasta consiga infundir energia e vivacidade a um melodrama clássico e suburbano como este é uma amostra clara da aptidão cinematográfica do mexicano Luis Buñuel. O protagonista de O Bruto é tal qual o título, um brutamontes (Pedro Armendáriz) que mantém uma relação paternal com um empresário inescrupuloso (Andrés Soler) e por ele é encarregado de intimidar os moradores de um vilarejo que se recusam a abandonar o local. A tragédia fica por conta da afeição que o bruto passa a demonstrar pela filha do homem que ele deve eliminar. Armendáriz está bem como o personagem-título, mas é a presença de Katy Jurado, como a perigosa e jovem esposa do empresário, que torna o filme memorável de verdade. Seguindo uma linha similar à do superior Os Esquecidos, este filme menor, direto ao ponto e sem qualquer insinuação de surrealismo (com exceção talvez do galo na tomada que encerra o filme) mostra-se bastante movimentado, com relances interessantes da genialidade técnica de Buñuel. Uma cena fantástica é o momento em que a criatura se revolta contra o criador, numa cena que por debaixo da mesa nos dá uma idéia da violência que ocorre fora do frame. Quem sabe faz, quem não sabe dirige telenovelas disfarçadas de filmes.
A Troca (Clint Eastwood, 2008)
Com: Angelina Jolie, John Malkovich, Jeffrey Donovan, Michael Kelly, Colm Feore
Baseado em eventos reais, o novo longa de Clint Eastwood acompanha a trajetória de uma mãe solteira (Angelina Jolie) que no final dos anos 20 é surpreendida pelo desaparecimento do filho de 9 anos. Alguns meses depois a polícia de Los Angeles declara ter encontrado o garoto, obrigando-a de forma autoritária e abusiva a acolher uma criança que não é seu filho. A história fica mais sinistra quando entra em cena um crime hediondo ocorrido na época, que causa ainda mais dor à mulher e termina por colocar a corrupta polícia da cidade contra as cordas. Verdade seja dita, este filme só não descamba para o dramalhão graças em sua maior parte à finesse da direção de Eastwood, mas também ao roteiro de J. Michael Straczynski. Angelina Jolie tem ótima atuação dentro de um drama que toca em muitos pontos de inflexão do comportamento da sociedade americana no início do século XX. O mais contundente deles é o abalo de um sistema policial que ainda se pautava por seu assumido poder corporativo e pelo abuso de autoridade, um mal a partir do qual todos os outros derivam, pelo menos neste filme. Como geralmente ocorre em casos parecidos, A Troca perde um pouco o ritmo quando entra na fase do drama de tribunal, mas o resultado geral é excelente. E não podia ser diferente, já que é difícil se decepcionar quando Eastwood está atrás das câmeras.
Divagações postadas por Kollision de 14 a 18 de Janeiro de 2009