As histórias que se ouve de gente que na época de lançamento deste filme se aventuraram a vê-lo nos cinemas vão de inusitadas a aterradoras, sempre exaltando o choque de todos diante da possessão demoníaca mostrada em toda a sua glória gráfica e profana. O filme, um dos grandes títulos dentro da cinematografia mundial de horror, foi a obra que sustentou a fama do diretor William Friedkin nas décadas de 70 e 80, uma vez que ele jamais foi capaz de repetir o feito, ou sequer chegar perto de seu impressionante resultado. Depois de O Exorcista, afinal, os filmes de horror mainstream jamais foram os mesmos.
O fascínio que este filme exerceu, tanto sobre as massas quanto sobre o modo de se fazer horror no cinema, não pode ser subestimado. O que é uma incógnita cada vez maior quando se avalia o enorme abismo existente entre as técnicas atuais de produção e o que Friedkin concebeu em sua história macabra, porém bastante minimalista e quase completamente destituída de malabarismos cênicos. A exceção, claro, são as ainda impressionantes seqüências de possessão e o perturbador trabalho de maquiagem que as acompanha. A versão do filme hoje disponível no mercado de DVD difere da original por ter cerca de 10 minutos a mais, acrescentados pelo diretor na ocasião de um relançamento especial nos cinemas. Longe de denegrir o original, a versão do diretor aprimora a experiência e acrescenta sutis tomadas que jogam um pouco mais de luz na natureza do demônio causador de todo o mal.
Após uma breve introdução que acompanha uma descoberta estranha do arqueólogo e padre Lankester Merrin (Max von Sydow) no norte do Iraque, a história é transferida para a região urbana de Georgetown, no Estados Unidos. Uma famosa atriz de cinema (Ellen Burstyn) está fazendo um filme em sua própria cidade. A morte do diretor da película e seu melhor amigo é prenunciada por sua filha Regan (Linda Blair), que a partir de então passa a demonstrar um comportamento cada vez mais errático, culminando num controverso diagnóstico de possessão demoníaca. A mãe recorre, então, ao padre local Damien Karras (Jason Miller), que também é psiquiatra e tem sua cota de atribulações com sua crença em Deus. Expulsar o demônio do corpo da menina, portanto, exigirá dele muito mais do que uma breve consulta médica no divã.
William Friedkin é um diretor seco e industrial como poucos de sua época, e representa talvez o mais bem-sucedido caso em sua geração de um realizador com talento limitado e material de excelente qualidade em mãos. Seu estilo carece de finesse, e suas obras costumam carregar um senso de aridez extremamente peculiar, muitas vezes denotado por um aspecto documental que tende para o mundano. Assim, soa quase como um espanto o fato de O Exorcista ter transcendido os limites do gênero, seja comercial ou artisticamente. Em vários níveis, e sob vários pontos de vista, o filme funciona porque uma extraordinária conjunção de fatores ajudou a colocar na tela uma história capaz de impressionar de verdade, absorvendo o melhor do estilo árido de Friedkin, que une a seriedade a um realismo capaz de colocar o longa num patamar diferenciado dentro de seu próprio gênero.
Observem a quase total ausência de trilha sonora nas cenas de tensão, por exemplo. É sabido que o diretor rejeitou a trilha composta por Lalo Schifrin, mas o silêncio que marca as terríveis demonstrações do poder do demônio é sufocante, e atesta uma escolha arriscada e ousada por parte do diretor. As pequenas elipses narrativas da primeira hora mantêm o movimento e o interesse numa história de ritmo lento, que se preocupa muito mais, por exemplo, em estabelecer uma base sólida para o conflito do padre Karras. O personagem, por sinal, é muito bem caracterizado pelo novato Jason Miller, em sua estréia no cinema. Ellen Burstyn transpira desespero enquanto observa a filha se flagelar e proferir impropérios inimagináveis (como na cena em que a garota se masturba com um crucifixo), que de certa forma respondem pela maior parte do choque que a película causou na época e, sem dúvida alguma, ajudaram a forçar as fronteiras entre o que era aceitável ou não num trabalho de cinema de grande apelo comercial.
A presença do policial de fala mansa feito por Lee J. Cobb parece ter sido projetada como um alívio para o clima pesado que reina durante a maior parte do tempo. O que não fica muito claro, principalmente para quem assiste ao filme pela primeira vez, é a conexão entre as cenas no deserto e o drama da menina possuída. Explicações são dadas na continuação da história (O Exorcista II - O Herege), mas não adianta esperar a mesma qualidade do longa de Friedkin. Neste, o roteiro adaptado para o cinema e produzido pelo próprio autor original, William Peter Blatty, foi agraciado com o Oscar, assim como o trabalho de edição de som. Com outras oito indicações (incluindo filme, diretor, atrizes e ator coadjuvante), O Exorcista é um trabalho imperdível e obrigatório para quem aprecia obras de horror sem abrir mão de uma experiência única e atemporal.
Os extras do DVD com a versão do diretor incluem uma faixa de comentários de William Friedkin, dois trailers, quatro comerciais de TV e dois comerciais de rádio, todos eles relacionados ao relançamento do filme em 2000.
Revisto em DVD em 25-JAN-2007, Quinta-feira - Texto postado por Kollision em 29-JAN-2007