Sangue Negro (Paul Thomas Anderson, 2007)
Com: Daniel Day-Lewis, Paul Dano, Ciarán Hinds, Kevin J. O'Connor, Russell Harvard
O preço a se pagar pelo sucesso, retratado neste filme com contornos amargos, muitas vezes vai além da obstinação e da mera noção de ambição. Na figura do explorador de petróleo vivido por Daniel Day Lewis na aurora do século XX, a jornada avança rumo ao incerto da mesma forma que as tecnologias à disposição do empresário evoluem. Obcecado pela riqueza negra que brota dos férteis solos do oeste dos Estados Unidos, sua vida é maculada pelo filho (adotado depois que um trabalhador morre sob seu comando), pelo jovem pastor (Paul Dano) cujo fervor religioso lhe causa desconforto e por um parente desgarrado (Kevin J. O'Connor) que surge subitamente. Muito da intensidade das cenas brota da marcante trilha sonora, rica em violinos e evoluções sinistras ao piano, além da óbvia e oscarizada interpretação de Daniel Day Lewis, a meu ver uma variação não muito distante do açougueiro personificado pelo próprio em Gangues de Nova York (Martin Scorsese, 2002).
Paul Thomas Anderson é um cineasta dado a exímios movimentos de câmera, e seus já famosos travellings rendem momentos memoráveis em Sangue Negro. O conteúdo emocional do roteiro é magnífico, apesar de pender declaradamente para um pessimismo sublimado em seus dois personagens principais, o explorador e o pastor. A sentença final proferida pelo protagonista é dúbia e pode ser interpretada de muitas formas, encerrando o filme em grande estilo.
Ponto de Vista (Pete Travis, 2008)
Com: Dennis Quaid, William Hurt, Forest Whitaker, Eduardo Noriega, Edgar Ramirez
Como Ponto de Vista claramente estabelece desde o seu início, o que importa aqui é o escapismo – tanto político quanto narrativo – num mosaico de personagens que interagem enquanto a história se desenrola sob a influência de vários filmes recentes, em especial aqueles da trilogia Bourne (vide a cena da perseguição de carro). A utópica premissa envolve o presidente dos Estados Unidos (William Hurt) liderando um encontro mundial de paz na Espanha. O homem mais importante de sua segurança pessoal (Dennis Quaid) ainda não se recuperou de um trauma recente, mas é o único que parece ser capaz de interromper a série de atentados que explode quando o presidente é baleado em plena praça pública. Cada pessoa envolvida de alguma forma na trama ganha alguns minutos de sua própria visão pessoal dos fatos, e cada trecho avança um pouco mais até o desfecho fora dos eixos, que coloca abaixo tudo o que havia sido arquitetado até então. Pelo menos as cenas de ação são bem feitas, rendendo um bom passatempo sem compromisso.
Elizabeth - A Era de Ouro (Shekhar Kapur, 2007)
Com: Cate Blanchett, Geoffrey Rush, Clive Owen, Samantha Morton, Abbie Cornish
E quem disse que filmes épicos e históricos não podem ter continuações? Elizabeth - A Era de Ouro é seqüência direta de Elizabeth (1998), e se dispõe a mostrar o reinado da rainha da Inglaterra (1533 - 1603) no final do século XVI, no período em que ela teve que lidar com a expansão católica da Espanha liderada por Felipe II (Jordi Mollà) e com a ameaça de uma nobre pretendente ao trono (Samantha Morton). Conhecida como a rainha virgem, Elizabeth continua a ser aconselhada por seu velho amigo sir Sir Francis Walsingham (Geoffrey Rush), mas não deixa de ser cortejada por um pirata galante (Clive Owen). Os valores de produção são obviamente um capricho, assim como a sempre intocável atuação de Cate Blanchett como a rainha virgem. Por algum motivo estranho (mundano, talvez), minha atenção estava na maior parte do tempo voltada para Abbie Cornish, a dama de honra que se torna um espelho sentimental da rainha e com ela disputa a atenção do pirata. A batalha final contra a armada espanhola poderia ter sido melhor desenvolvida, e o ritmo intermediário melhor administrado, mas o filme provelmente não decepcionará os fanáticos por história ou obras históricas, liberdades narrativas envolvidas ou não.
O Diário de uma Camareira (Luis Buñuel, 1964)
Com: Jeanne Moreau, Georges Géret, Michel Piccoli, Françoise Lugagne, Daniel Ivernel
A chegada de uma nova e bonita camareira à propriedade de uma família rural da França interiorana provoca diversas reações dos locais. Há o patriarca aproveitador, o patrão tarado, a patroa chata e frígida, os vizinhos atenciosos e os colegas trabalhadores, alguns amigáveis e outros nem tanto. O marasmo da situação sai da rotina quando uma garotinha é brutalmente assassinada no bosque local, com Buñuel fazendo algo muito inusitado e bastante característico de sua ácida crítica social: ele entrega logo de cara quem é o culpado.
Pode-se dizer muitas coisas dos personagens de O Diário de uma Camareira. E talvez a mais pertinente delas é que, a despeito da sordidez de alguns e das boas intenções de outros, no final todos são seres humanos falhos, vencidos sem muito esforço por regras sociais vazias. Não há música no filme, assim como parece não haver uma alma ou motivação real em seus personagens. Buñuel sempre viu o lado azedo da humanidade nas crônicas de pessoas simples, mas desta vez a veia crítica é colocada de forma menos contundente, da mesma forma como a história não consegue ser tão interessante. É mundana, ordinária demais.
Blade Runner - O Caçador de Andróides (Ridley Scott, 1982)
Com: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, William Sanderson, Daryl Hannah
Da impressionante panorâmica de abertura à agora enigmática seqüência final – a da versão final do diretor, presente no disco 1 da edição tripla em DVD – o espetáculo proporcionado por Ridley Scott emerge acima de obras similares em direção ao Olimpo da ficção científica transcendental, lado a lado com monstros sagrados como 2001 - Uma Odisséia no Espaço e Contatos Imediatos do Terceiro Grau. Ficção até o último frame de filme, e ainda assim um film noir por excelência, a narrativa contemplativa sobre uma casta renegada de andróides que é caçada por um ex-policial solitário envelheceu como um bom vinho, aromatizada por performances marcantes e transformada hoje num objeto de culto para os cinéfilos, tanto os casuais quanto aqueles que se debatem em discussões sobre o principal enigma da película: afinal, Rick Deckard (Harrison Ford) é ou não é um replicante?
Provavelmente o maior motivo do sucesso tardio obtido por este filme esteja na forma como ele lida com questões humanas universais em entrelinhas silenciosas, cadenciadas por ritmo e imagens concebidos de forma a instigar indagações tanto filosóficas quanto práticas. É nada menos que fascinante a premissa de andróides perfeitos e inteligentes circulando entre nós, de tal forma que não possamos distinguil-os de seres humanos normais. Num mundo imerso em chuva ácida, onde a luz parece querer penetrar com violência em todos os lugares fechados e a superfície terrestre é o habitat dos desafortunados, o desespero dos replicantes em encontrar uma cura para sua mortalidade não está tão longe assim dos anseios básicos de muitas pessoas, e o eterno conflito entre o bem e o mal, perplexamente calcado num equilíbrio tênue, efêmero, responde por algumas das mais belas e trágicas cenas já vistas no gênero.
Simplesmente fantástico.
Senhores do Crime (David Cronenberg, 2007)
Com: Viggo Mortensen, Vincent Cassel, Naomi Watts, Armin Mueller-Stahl, Jerzy Skolimowski
Quando a enfermeira de um hospital (Naomi Watts) faz o parto de uma adolescente que morre ao dar à luz, ela toma para si o diário da garota, escrito em russo, e se lança na missão de encontrar sua família para entregar o bebê. É o passaporte para um choque tenso com a máfia russa em Londres, representada por um patriarca tipo lobo-em-pele-de-cordeiro (Armin Mueller-Stahl), seu filho estourado (Vincent Cassel) e o enigmático motorista que é bem mais que um motorista (Viggo Mortensen). Eis um extraordinário filme que em nenhum momento decepciona, fazendo um contraponto fenomenal entre a vida de aparências de uma casta criminosa e o risco marginal ao qual civis são expostos quando dois mundos opostos entram em colisão. Além da direção inspirada de David Cronenberg, agora definitivamente senhor de um estilo mais refinado mas ainda um dos mestres modernos do gore, há que se louvar todas as interpretações do elenco, praticamente irretocáveis. O destaque, contudo, vai para Mortensen, um ator que demonstra aqui um domínio assombroso de seu ofício, numa performance digna de Oscar.
Aus der Tiefe des Raumes - ...mitten ins Netz! (Gil Mehmert, 2004)
Com: Arndt Schwering-Sohnrey, Eckhard Preuß, Mira Bartuschek, Hans Korte, Meike Schlüter
Comédia anormal no melhor e no pior sentido, que alterna momentos absolutamente constrangedores com passagens de uma graça bizarra. Aus der Tiefe des Raumes significa algo como “Das Profundezas do Espaço”, e corresponde também ao título da autobiografia do jogador de futebol alemão Günther Netzer. Só assistindo mesmo ao filme para entender como ele se relaciona com o livro, mas já dá para adiantar que o espectador será vítima de muita, mas muita liberdade criativa por parte da história, que acompanha um jovem fanático por futebol em miniatura (Tipp-Kick) e a transformação de seu bonequinho favorito num ser humano de verdade após um indescritível acidente da natureza. Amantes de futebol em geral podem encontrar alguma graça nessa baboseira, mas a suspensão de descrença é por demais mal executada para que se possa de fato simpatizar com o filme.
Divagações postadas por Kollision de 8 a 13 de Abril de 2008