Refilmagem que rivaliza com as produções mais caras de toda a história do cinema, esta nova empreitada hercúlea de Peter Jackson é sua própria homenagem à obra que o inspirou a ser um cineasta, e a terceira versão em celulóide da história originalmente concebida por Merian C. Cooper. A seu favor Jackson tem tudo do melhor que as atuais técnicas de efeitos especiais têm a oferecer. E este é o principal diferencial, e provavelmente aquele pelo qual essa versão mais será lembrada, pelo menos até o próximo revival da fera.
No roteiro filmado por Jackson, o ambicioso e irrefreável cineasta Carl Denham (Jack Black) faz de tudo e mais um pouco para conseguir levar sua equipe para uma viagem marítima às cegas em busca da tal "Ilha da Caveira", recanto inóspito onde ele planeja terminar sua obra-prima. Ele dá um jeito de carregar consigo o relutante roteirista Jack Driscoll (Adrien Brody) e a desesperada atriz Ann Darrow (Naomi Watts), substituta de última hora para sua protagonista desistente. A sensatez do capitão da embarcação (Thomas Kretschmann) quase desvia Denham de seu objetivo, mas o que eles encontram está muito além de qualquer coisa que imaginavam: aborígenes assassinos e sacrifícios à fera que habita a floresta além do gigantesco muro construído pelos nativos. A tal fera é Kong, um primata gigante que se afeiçoa pela bela oferenda que é Ann Darrow, o que passa completamente despercebido aos olhos dos homens que bravamente se lançam à tarefa de salvá-la.
O que sobra de um filme quando dele se despe toda a carga de acessórios e maquiagem adicional? Imagens fotografadas à velocidade de 24 frames por segundo, apenas isso. Isso era muito verdade até a segunda versão da história do macacão, estrelada por Jessica Lange e dirigida por John Guillermin em 1976. É espantoso como o modo de se fazer cinema fantástico mudou desde então. A quantidade de seqüências com retoques digitais eleva o nível e a qualidade dos efeitos a um nível próximo da perfeição, por assim dizer. As técnicas utilizadas para dar vida ao macacão, as mesmas empregadas para o Gollum de O Senhor dos Anéis, são convincentes e impressionam em momentos chaves do longa, como na luta entre Kong e os tiranossauros e no belo e tenso desfecho no topo do arranha-céu de Nova York.
Quanto ao resto, fico feliz em constatar que Peter Jackson se esforçou para merecer os 20 milhões de dólares depositados adiantadamente em sua conta. Os cuidados com a parte técnica são mesmo irretocáveis. O que, infelizmente, não se aplica de todo ao roteiro tolhido pelas próprias decisões. A agressividade impressionante da fauna selvagem, por exemplo, coloca em xeque toda a plausibilidade de certas passagens, como a empreitada solitária do escritor Jack Driscoll no meio da selva em busca de sua amada, ou a conseqüente fuga nas asas de um morcego pré-histórico. O envolvimento entre Ann Darrow e Jack poderia ter sido um pouco mais aprofundado, já que as intenções da moça em relação a ele em nenhum momento chegam a ficar bem caracterizadas. Mas daí já entra a questão do envolvimento dela com o símio gigante, relação esta com certeza bem mais enfatizada. E, óbvio, priorizada por toda a equipe de roteiristas.
A escolha do elenco traz uma escalação singular na figura de Jack Black, um comediante ao qual dificilmente se associaria um papel sério. No entanto, à medida em que o filme avança, fica claro o porquê desta escolha inusitada. A opção por se ambientar toda a trama em 1933, ano de lançamento do King Kong clássico, não só dispendiosa como também difícil sob o ponto de vista do design de produção, propicia um charme saudosista que só fãs alucinados como Peter Jackson poderiam conceber. Há inúmeras referências a pessoas, lugares e filmes da época, o que faz a alegria dos cinéfilos mais atentos. Como o look de Naomi Watts, em determinados momentos deliberadamente direcionado ao aspecto das estrelas da época.
Mesmo com os exageros heróicos da história, e dentro da proposta de arrasa-quarteirão a que o filme se propõe, esta nova versão de King Kong é um escapismo de ótima estirpe. Apesar da duração excessiva, há uma boa combinação de aventura, romance e uma generosa dose de suspense, num espetáculo que apresenta mais uma pitada de mistério às platéias (principalmente à nova geração de espectadores), ao módico preço de uma entrada de cinema.
Texto postado por Kollision em 29/Dezembro/2005