Cinema

A Dama na Água

A Dama na Água
Título original: Lady in the Water
Ano: 2006
País: Estados Unidos
Duração: 110 min.
Gênero: Suspense
Diretor: M. Night Shyamalan (Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar, Depois da Terra)
Trilha Sonora: James Newton Howard (Diamante de Sangue, O Vigia, Conduta de Risco)
Elenco: Paul Giamatti, Bryce Dallas Howard, Bob Balaban, Jeffrey Wright, M. Night Shyamalan, Cindy Cheung, Sarita Choudhury, Freddy Rodríguez, Bill Irwin, Mary Beth Hurt, Noah Gray-Cabey, June Kyoto Lu, Tovah Feldshuh, Joseph D. Reitman
Distribuidora do DVD: Warner
Avaliação: 8

Revisto em DVD em 29-AGO-2007, Quarta-feira

A Dama na Água parece, acima de tudo, um jogo de extremos. A história é extremamente simples e, em contrapartida, conta com uma técnica cinematográfica de primeira linha. O potencial de entretenimento é, à primeira vista, praticamente nulo, mas é virtualmente impossível desgrudar os olhos da tela até o final do filme. Este evoca a fé – sem meandros religiosos, por favor – utilizando um mosaico de personagens de contornos icônico-metafóricos com bom humor e críticas nem tão subliminares quanto se poderia imaginar.

É uma pena que a obra tenha sido execrada e considerada como um trabalho medíocre de M. Night Shyamalan por muita gente, o que não é verdade (seu filme mais fraco é Sinais, que está bem longe de ser medíocre). Acima de tudo, A Dama na Água possui uma enorme capacidade de crescer aos olhos do espectador após eventuais revisões.

A seção de extras do DVD vem com um making-of de pouco mais de meia hora, uma apresentação de 5 minutos em que Shyamalan fala sobre o livro que escreveu para a história do filme, 5 minutos de cenas excluídas, uma coletânea rápida de testes do elenco, outra de erros de gravação, dois trailers da obra e os trailers de Bem-vindo ao Jogo e A Colheita do Mal, exibidos quando o DVD é inicializado.

Visto no cinema em 19-SET-2006, Terça-feira, sala Cinemais 7 do Shopping 3 Américas:

Ser diferente, nos dias de hoje, pode ser algo bastante arriscado para alguém que vive da indústria cinematográfica. Quanto mais alto o posto na hierarquia da produção de um filme, mais complicado é levar adiante algo que destoa completamente de todas as tendências e exigências de um universo crítico implacável, atordoante, quase anestesiado, seja ele composto por espectadores ou por críticos profissionais. De todos os diretores em atividade no cinemão americano, nenhum deles supera o indiano M. Night Shyamalan nesta categoria. Até mesmo o rompimento com uma grande produtora o cara teve que enfrentar para ver A Dama na Água realizado. Míopes são os que o debandaram ou os que o acolheram? O importante é que a resposta para esta pergunta é óbvia, independente de quanto o filme vale, artística ou financeiramente falando.

Vou chover no molhado, mas mais uma vez é preciso afirmar que Shyamalan é um ótimo contador de histórias. Tanto é que este filme se baseia em algo que o cara inventou para ninar os filhos. Daí as pré-definições destiladas pela mídia como pseudo-verdades imbecis, como o fato do filme se tratar de uma "história de ninar" ou de que este é o primeiro trabalho do cineasta em que não há uma grande revelação no final. O pior é que tais asneiras acabam minando a expectativa da platéia antes mesmo dela entrar na sala e assistir ao filme.

O único deslize que se pode atribuir a A Dama na Água está intimamente relacionado à natureza da história, uma vez que não é todo dia que alguém lhe pede para acreditar que uma ninfa do mar apareceu na piscina do condomínio para anunciar um evento mundial extraordinário. Neste ponto, o filme se equivale a Sinais, outra obra de Shyamalan que lidava com um conflito de grandes proporções (a invasão alienígena) sem no entanto sair das fronteiras de uma fazenda rural dos Estados Unidos. Para Shyamalan, nestes dois filmes a perspectiva das pessoas envolvidas no drama mostrado é muito mais importante que a escalada apocalíptica para a qual tais histórias podem descambar, o que representa o verdadeiro calcanhar de Aquiles de muitos diretores ansiosos para mostrar trabalho. Felizmente, não é este o caso.

Voltando ao deslize... Trata-se da forma como a narf (Bryce Dallas Howard, a tal ninfa aquática) é introduzida no universo de Cleveland Heep (Paul Giamatti), um faz-tudo gago de um condomínio na Pensilvânia que não tem nenhuma preocupação importante em sua vida medíocre. Tudo acontece muito rápido, o que sacrifica uma associação mais sólida com a confiança depositada por Heep numa história completamente sem pé-nem-cabeça. O prólogo que conclama a humanidade a acreditar naquilo que as pessoas não mais escutam (a fé, numa alegoria que sabiamente se esquiva dos sempre polêmicos contornos religiosos) não soa suficiente para preparar o terreno narrativo, principalmente num mundo tão cínico quanto aquele no qual vivemos. A esperada contestação para a jornada de faz-de-conta que o quase catatônico Heep empreende só é balbuciada já perto do final, por um personagem secundário que se mantém afastado de tudo.

O resto do roteiro espelha uma inacreditável mudança na vida de um homem marcado por um segredo terrível, que no entanto jamais perdeu a disposição de crer em algo melhor, para si e para o mundo. Story, a tal dama da água, incorpora os anseios não externados daqueles que acreditam em algo mas não têm como canalizar esta crença. Como sempre, Shyamalan dá um show em matéria de técnica cinematográfica, com o emprego de composições ousadas, ângulos inusitados e uma sutileza bastante conveniente num conto tão fantástico quanto inocente, apesar dos perigos míticos que emergem com a ninfa da água. Se há alguma novidade em relação aos filmes anteriores do cineasta, esta fica por conta de sua participação mais ativa como ator dentro da trama, o que caracteriza uma concepção autoral mais do que completa, e de um apropriado senso de humor, quase sempre acompanhando o personagem de Paul Giamatti. Que, por sinal, entrega uma atuação digna de Oscar.

A Dama na Água é uma obra incomum e simples em suas pretensões, mas consideravelmente eloqüente em suas várias mensagens. Afinal, como demonstram muitos de seus personagens secundários, em especial o crítico sinistro feito por Bob Balaban, há muito mais do que uma simples história de ninar permeando mais este ótimo filme de M. Night Shyamalan.