Cinema

Laranja Mecânica

Laranja Mecânica
Título original: A Clockwork Orange
Ano: 1971
País: Inglaterra
Duração: 137 min.
Gênero: Ficção Científica
Diretor: Stanley Kubrick (Glória Feita de Sangue, Dr. Fantástico, O Iluminado)
Trilha Sonora: Walter Carlos (Wendy Carlos)
Elenco: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates, Warren Clarke, Anthony Sharp, Adrienne Corri, Sheila Raynor, Philip Stone, Miriam Karlin, John Clive, David Prowse, Carl Duering, Paul Farrell, Clive Francis, Michael Gover, Aubrey Morris, Godfrey Quigley, Pauline Taylor, Richard Connaught, Katya Wyeth
Distribuidora do DVD: Warner
Avaliação: 10

Realizado com orçamento e recursos reduzidos para os padrões já vigentes nas produções de Stanley Kubrick, o conto futurista-fatalista Laranja Mecânica resiste ainda hoje como uma das mais fascinantes adaptações cinematográficas de um livro já feitas. Afinal, este filme é Kubrick no auge de sua inspiração visual e narrativa, de certa forma aliando algumas reminiscências criativas do colossal 2001: Uma Odisséia no Espaço, seu filme anterior, com um olhar único sobre o tema da violência, seu ponto de partida.

Em algum lugar da Inglaterra, no que aparenta ser um futuro próximo ou mesmo uma espécie de realidade alternativa, o delinqüente Alex (Malcolm McDowell) passa as noites imerso numa orgia de violência, sempre acompanhado de três amigos de sua gangue. Eles se embebedam com leite, brigam com outras gangues, roubam, estupram e o que mais lhes vier à mente. Eventualmente traído, Alex vem a ser capturado e preso pela polícia pelo crime de assassinato, vindo um pouco mais tarde a passar por um revolucionário tratamento, cujo objetivo é expurgar a natureza agressiva e violenta de sua índole. A "cura", porém, não passa de uma intrincada jogada política engendrada por um ministro de fala mansa (Anthony Sharp), que orquestra um verdadeiro circo em torno da milagrosa recuperação do delinqüente.

Laranja Mecânica é uma miríade fascinante de imagens, música e mensagens disfarçada como uma fantasia às avessas, onde os valores vigentes adquirem uma nova e completa roupagem devido a uma linguagem própria, que está sempre fadada a causar um bem-vindo espanto inicial. As gírias proferidas pela gangue de Alex não encontram ressonância em nenhum dialeto da língua inglesa, e a insistente associação com palavras russas ajuda a estabelecer um tom ao mesmo tempo original e bizarro. Aos cenários psicodélicos misturam-se dispositivos hoje obsoletos (fitas cassete, LPs, máquinas de datilografar), daí minha consideração acerca do filme ser muito mais uma realidade alternativa do que um fruto legítimo de nossa linha temporal. Isso em nada diminui o impacto deste filme fenomenal, que ultrapassa convenções ao estabelecer um ambientação única.

As implicações socio-políticas da história do delinqüente Alex não chegam a ser exatamente complexas, e são expostas com bastante sarcasmo, humor e ironia. Situações bizarras se intercalam em seqüências antológicas: a surra que Alex e seus comparsas aplicam a um escritor (Patrick Magee), enquanto o jovem canta Singin' in the Rain; o tratamento nada ortodoxo para a cura do rapaz; o ataque dos sem-teto sob o túnel; o uso da quinta sinfonia de Beethoven como instrumento de violência tanto por parte de Alex quanto de seus inimigos; a caracterização algo surreal de alguns personagens. A tal "ultra-violência" propagada por Alex banaliza o sexo num mundo que, sob todas as formas possíveis, parece endeusá-lo, vide as várias referências ao membro masculino (o que conseqüentemente espelha um universo extremamente machista) espalhadas ao longo da película.

O desempenho de Malcolm McDowell no papel principal de certa forma marcou-o bastante como intérprete de tipos perturbados. É sabido que, se ele se recusasse a fazer o papel, Kubrick certamente não teria levado o projeto adiante. Um coadjuvante memorável é o chefe de prisão feito por Michael Bates, o hilário burocrata que tem o cacoete maluco de bater os pés ao prestar continência. Curioso também é ver David Prowse (famoso por personificar o vilão Darth Vader na série Star Wars) num dos papéis mais bizarros do filme, como o guarda-costas esquisito do escritor surrado por Alex. É possível apontar ainda mais personagens espantosos em sua caracterização, neste que é um dos filmes mais originais e interessantes já realizados em toda a história do cinema.

Infelizmente, o trailer da produção é o único extra presente no DVD da Warner.

Texto postado por Kollision em 22/Fevereiro/2006