Tootsie (Sydney Pollack, 1982)
Com: Dustin Hoffman, Jessica Lange, Bill Murray, Charles Durning, Teri Garr
Há muitos anos atrás eu tinha dúvidas sobre a alardeada grandeza de Dustin Hoffman como ator, até o dia em que assisti a Tootsie. Nada como um extraordinário filme para colocar as coisas em perspectiva, não é mesmo? O mais impressionante é que trata-se de uma comédia refinada, sutil e por vezes hilariante. Hoffman é um ator desempregado há dois anos que não consegue arranjar colocação no mercado. Ele se aproveita da audição de uma amiga e decide tentar a sorte se vestindo de mulher, obtendo o emprego e um estrondoso sucesso na TV. Só que a paixão por uma colega de elenco (Jessica Lange) e as complicações de sua situação logo dão um jeito de criar mais problemas. Tootsie funciona porque Hoffman convence como mulher, bem mais que os farsantes de Quanto Mais Quente Melhor, outra comédia clássica de temática similar. O filme conta com uma das mais belas canções-tema da história do cinema (It Might Be You, de Stephen Bishop), sendo construído sobre um ótimo roteiro, daqueles que deveriam ser estudados a fundo por aspirantes a escritores de comédia no cinema. Bill Murray tem um papel sem grandes oportunidades cômicas, mas muita gente no elenco coadjuvante brilha em várias passagens, em especial Jessica Lange, Charles Durning e George Gaynes (que ganharia fama mais tarde na série Loucademia de Polícia). Teri Garr assusta como uma espécie de precursora de Lisa Kudrow e sua Phoebe de Friends. E atenção para Geena Davis em sua estreia no cinema.
Contatos de 4º Grau (Olatunde Osunsanmi, 2009)
Com: Milla Jovovich, Elias Koteas, Will Patton, Hakeem Kae-Kazim, Olatunde Osunsanmi
Muito se tem discutido sobre como Contatos de 4° Grau e Atividade Paranormal são parecidos. Ambos clamam ser baseados em fatos reais e tocam em temores relativamente clássicos relacionados ao sobrenatural, mas não vejo muita coisa além disso. Contatos possui produção mais caprichada e finca o pé com mais força na alegação de vínculo com a realidade, a começar pela apresentação de Milla Jovovich na introdução do filme. Ela faz o papel de uma psicóloga que assume a pesquisa do marido numa cidadezinha do Alaska, após este ser misteriosamente assassinado. Logo ela descobre que muitos de seus pacientes estão sofrendo alucinações noturnas que podem ter tudo a ver com abduções por alienígenas. O que causa um efeito razoavelmente decente sob o ponto de vista macabro é a intersecção entre passagens encenadas e filmagens alegadamente "reais", em especial aquelas que alternam a psicóloga de Milla Jovovich com a psicóloga da vida real, que várias fontes alegam ser na verdade a atriz Melora Walters em participação não-creditada. O filme levanta questões de natureza dúbia mas não fornece respostas para os fenômenos mostrados. O importante é saber, depois de tê-lo visto, que tudo acerca do mote de "baseado em fatos reais" não passa de mais uma jogada de marketing da Universal para promover a bilheteria. Milla Jovovich, que continua muito bonita, parece caminhar para uma certa maturidade cênica neste filme, cujo potencial de agradar é maior entre os fãs hardcore do gênero.
Um Tira da Pesada (Martin Brest, 1984)
Com: Eddie Murphy, Judge Reinhold, John Ashton, Lisa Eilbacher, Ronny Cox
Um Tira da Pesada é provavelmente um dos filmes aos quais mais assisti em toda a minha vida. Quando era moleque, não perdia uma Sessão da Tarde com Axel Foley. Desta vez, inventei de assisti-lo enquanto penava com uma baita febre de dengue, apenas pelo prazer de rever esta ótima comédia e quem sabe ao mesmo tempo melhorar da enfermidade.
Já estabelecido como comediante de talento, Eddie Murphy tem aqui o seu primeiro grande sucesso como protagonista no papel de Axel Foley, um policial folgado e abusado de Detroit aprontando em Beverly Hills, Los Angeles, enquanto investiga o assassinato de seu melhor amigo. É provavelmente o maior papel do comediante em toda a sua carreira, num filme leve (com exceção da brutal cena do assassinato), descompromissado e sutilmente divertido. Não podemos nos esquecer da também ótima dupla de coadjuvantes, os policiais quadradões feitos por Judge Reinhold e John Ashton, que aprendem com Foley a ser mais relaxados nem que seja à força. O tema musical de Harold Faltermeyer, hoje inconfundível e reutilizado à exaustão em inúmeras ocasiões fora do filme, é a cara de Foley e integra uma das trilhas sonoras mais sensacionais dos anos 80 – também adoro as faixas cantadas por Patti LaBelle. As continuações, infelizmente, não conseguiriam repetir o feito cômico do original ou o seu sucesso comercial.
Um Tira da Pesada II (Tony Scott, 1987)
Com: Eddie Murphy, Judge Reinhold, John Ashton, Jürgen Prochnow, Brigitte Nielsen
A sequência era inevitável. No entanto, sai Martin Brest e entra Tony Scott, em alta após o sucesso de Top Gun - Ases Indomáveis. E enquanto o filme se mostra pelo menos decente, ele não consegue repetir o feito cômico do original. Troca-se um pouco da graça por mais ação, como mostra a hipnotizante cena de abertura - um roubo executado com finesse pela loira gelada Brigitte Nielsen (então ex-senhora Stallone), que estabelece bem como será o tom dali em diante. Quando o tenente Bogomil (Ronny Cox) é baleado investigando o roubo, o desbocado Axel Foley (Eddie Murphy) deixa Detroit mais uma vez para ajudá-lo e aprontar em Beverly Hills. Apesar das primeiras participações de Axel serem extremamente forçadas, o humor volta a aflorar em pouco tempo, e eu particularmente gostei do rumo bizarro dado à personalidade do quadradão Rosewood (Judge Reinhold), que reaparece fissurado por armas. O aproveitamento do carisma dos personagens, no fim, é o que garante a diversão.
Um Tira da Pesada III (John Landis, 1994)
Com: Eddie Murphy, Timothy Carhart, Judge Reinhold, Hector Elizondo, Theresa Randle
É difícil não acreditar que foi a mais pura arrogância que levou Eddie Murphy e John Landis a realizarem Um Tira da Pesada III, uma das piores continuações já feitas para uma comédia de sucesso. Se a dupla Landis/Murphy tinha dado tão bem em Um Príncipe em Nova York, a aposta era quase infalível. Infelizmente, a terceira aventura de Axel Foley é repetitiva, violenta demais e nada engraçada - o personagem perdeu completamente o que o tornava atraente, com baixas registradas também no elenco coadjuvante, que perde John Ashton e coloca Hector Elizondo em seu lugar. O estopim do retorno de Axel a Beverly Hills é o assassinato de seu chefe Todd (Gilbert R. Hill), o que o leva a xeretar um parque de diversões comandado por um lobo em pele de cordeiro (Timothy Carhart). Murphy esperneando como um moleque ao ver o bandido é um dos maiores constrangimentos do filme, que ainda tem o azar de contar com uma trilha sonora tão porcaria quanto o roteiro. Para não dizer que tudo é um desastre, posso confessar que gostei da participação de Theresa Randle. E só.
Matrix (Andy e Larry Wachowski, 1999)
Com: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Joe Pantoliano
Neo (Keanu Reeves) é um hacker que certo dia é surpreendido ao ser contactado por Morpheus (Laurence Fishburne), ao mesmo tempo em que um agente misterioso (Hugo Weaving) passa a persegui-lo. A realidade é virada de ponta-cabeça quando ele descobre que ela não passa de uma mentira: um ambiente virtual (a Matrix) criado por computadores e máquinas, que mantêm os seres humanos escravizados mentalmente em troca de energia para se sustentarem. Morpheus é o líder de uma facção rebelde que resgata as pessoas da Matrix, um visionário que acredita que Neo é o prometido que liderará a vitória dos humanos sobre as máquinas, teoricamente invencíveis.
Verdade seja dita, não dá para se escrever uma sinopse decente deste filme sem me alongar por mais três ou quatro parágrafos. Ao mesmo tempo, creio que seria injusto com aqueles que ainda não o viram, pois a jornada aqui é uma das mais provocantes e originais vistas na ficção científica da última década. É a culminação da cultura do cyber-espaço, escapismo levado às últimas consequências com doses iguais de ação e filosofia, algo que na época era praticamente impensável. Com sua fotografia esverdeada e estilosa, lutas espetacularmente coreografadas, figurinos que marcaram época e uma gama de efeitos especiais revolucionários, Matrix é provavelmente o filme que mais influenciou o cinema norte-americano no início do século 21. O elenco faz um excelente trabalho, e Keanu Reeves tem aqui o papel que praticamente o redefiniu como ator.
Um verdadeiro clássico!
Matrix Reloaded (Andy e Larry Wachowski, 2003)
Com: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Harold Perrineau
Dado o sucesso de Matrix, era inevitável que os irmãos Wachowski dessem continuidade à saga de Neo. Filmado em conjunto com Revolutions, Matrix Reloaded retoma as aventuras do grupo no momento em que eles investigam a Matrix na tentativa de fazer cumprir a profecia de fim da guerra entre os humanos e as máquinas. A mais nova ameaça no mundo virtual é o ressurgimento de um novo agente Smith (Hugo Weaving), que se torna a nêmesis de Neo (Keanu Reeves). Novos personagens são integrados à história, que aumenta o tom filosófico (de forma excessiva, infelizmente) e amplifica as cenas de ação com sequências hoje antológicas (a luta de Neo contra 100 agentes Smith e a perseguição na via expressa, por exemplo). A ideia geral é que tudo ganha uma conotação quase religiosa no modo como a missão dos heróis é retratada.
Fazer jus à qualidade do primeiro filme era tarefa impossível, e a maior dificuldade foi conciliar a complexidade da história com o aumento do escopo, que passa a abranger também a cidade humana de Zion e muitos outros que, como Morpheus (Laurence Fishburne), têm suas responsabilidades na guerra. Desta vez entendi finalmente que Harold Perrineau na verdade não substituiu Marcus Chong, sobrevivente do primeiro filme - ambos interpretam personagens diferentes! Mesmo com todas as falhas e o nó que é dado na cabeça do espectador durante seu desfecho, Matrix Reloaded é razoavelmente divertido. Eu nunca vou conseguir entender, no entanto, como é que tiveram a capacidade de enfeiar uma mulher linda como Carrie Anne-Moss da forma como fizeram nos dois últimos filmes da trilogia.
Matrix Revolutions (Andy e Larry Wachowski, 2003)
Com: Keanu Reeves, Hugo Weaving, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Harold Perrineau
Respostas às perguntas e o final da guerra era o que todo mundo esperava no desfecho da trilogia. A guerra termina sim, mas a abstração nas respostas dadas aos questionamentos não consegue ser 100% eficiente. Pelo lado do hardware (a invasão das máquinas em Zion), Matrix Revolutions me agradou bastante, pelo lado do software nem tanto (Neo e sua luta dentro da Matrix para eliminar o agente Smith). A impressão que ficou é que tudo evoluiu para um beco sem saída, onde as variáveis eram inúmeras e os possíveis tratamentos nunca totalmente convincentes. Após a morte súbita da atriz Gloria Foster, o Oráculo - a personagem mais enigmática de toda a série - ganhou o rosto de Mary Alice. A dificuldade em conciliar diálogos nos momentos mais emocionais do desfecho transparece, mas é inegável que os Wachowskis conseguem o efeito esperado nas cenas principais. Sem nenhum demérito para o trabalho original, Matrix Revolutions se viu obrigado a integrar a vala comum dos bons filmes de ficção científica apocalíptica, com direito a muito óleo, graxa e sujeira. E isso é ótimo!
Erros Irreversíveis (Mike Robe, 2004)
Com: William H. Macy, Tom Selleck, Monica Potter, Felicity Huffman, Glenn Plummer
Feito para a TV no formato de minissérie, Erros Irreversíveis é a adaptação de um drama de tribunal de Scott Turow cujo título em português deveria ser, na verdade, “Erros Reversíveis”. A versão em DVD da Alpha Filmes mutila mais de meia hora do material original, cuja duração era de 3 horas. A história gira em torno de um triplo assassinato investigado por um policial californiano (Tom Selleck) e tratado nos tribunais por uma promotora (Monica Potter) que é ao mesmo tempo amante do cara. Sete anos depois, quando o culpado está prestes a ter a pena de morte executada, novas provas e depoimentos vêm à tona, colocando em xeque todo o processo inicial. William H. Macy é o advogado de defesa do réu, e se vê obrigado a se envolver com a ex-juíza (Felicity Huffman) responsável pelo julgamento na época. Para a estrutura de um trabalho de TV, o filme é muito bom e compensa as falhas de ritmo com o ótimo elenco, em especial Macy e Huffman, uma dupla de atores em excelente forma. Minha musa Monica Potter não tem muito o que fazer num papel algo burocrático, mas a beleza dela é mais do que suficiente para tornar suportável a presença de Selleck. Pra se ver num Sábado de Super Cine sem Super Cine.
Sherlock Holmes (Guy Ritchie, 2009)
Com: Robert Downey Jr., Jude Law, Mark Strong, Rachel McAdams, Eddie Marsan
Já fazia bastante tempo que não se via uma adaptação cinematográfica do mais famoso personagem criado por Arthur Conan Doyle, por isso a expectativa tão alta em torno do filme de Guy Ritchie. Seu Sherlock Holmes, no entanto, é uma dissonância moderna que somente utiliza o conceito literário original para entregar um trabalho que soa mais como um trambolho disforme, um filme sem alma com uma pretensão estética e narrativa que não consegue ser bem-sucedida em retratar a verdadeira essência detetivesca que emana das páginas dos livros. Aqui Holmes (Robert Downey Jr.) e Watson (Jude Law) se vêm às voltas com um lorde praticante de magia negra (Mark Strong) que é executado mas volta para aterrorizar Londres com ameaças apocalípticas. Em meio ao vai e vem da história temos ainda Irene Adler (Rachel McAdams), uma mulher indecifrável que passa por interesse amoroso do detetive - uma liberalidade maior do filme e ponto de ancoragem de um roteiro que exacerba os contornos homossexuais entre a dupla de protagonistas. Qual o motivo disso afinal? Será a viadagem cênica uma tendência cada vez mais presente nestes filmes modernosos? Sob qualquer ponto de vista, há poucos momentos de empolgação em Sherlock Holmes, que também peca por ser sombrio demais. Mark Strong compõe um vilão de memoráveis características draculescas e Jude Law está bem como o não tão fiel escudeiro Watson, mas Robert Downey Jr. se mostra uma caricatura de muitos outros personagens que já fez antes.
Ainda não foi dessa vez que desbancaram O Enigma da Pirâmide com o filme mais bacana que já vi sobre Sherlock Holmes.
Divagações postadas por Edward de 17 a 22 de Janeiro de 2010