Queime Depois de Ler (Joel e Ethan Coen, 2008)
Com: George Clooney, Frances McDormand, John Malkovich, Brad Pitt, Tilda Swinton
Muitos filmes já foram feitos sobre a burrice, a maioria óbvia deles sendo comédias. O grande problema destes filmes é que a maioria também é burra, o que representa uma grande diferença em relação a filmes "inteligentes" sobre a burrice. Esta última categoria, felizmente, acaba de receber uma obra fantástica, que se aproxima com louvor do status de genial e atesta a verdadeira vocação dos irmãos Coen dentro da arte conhecida como cinema (às favas com coisas pesadas e de sentido inescrutável como Onde os Fracos Não Têm Vez). Das novas adições ao familiar elenco coeniano (John Malkovich e Brad Pitt, hilário) ao absurdo já esperado de diálogos e situações, tudo se encaixa perfeitamente num roteiro altamente irônico, ácido e exagerado na medida certa. A bagunça começa quando um agente da CIA com problemas de bebida (Malkovich) é despedido do cargo e um CD com suas memórias cai nas mãos de dois funcionários de uma academia (Pitt e Frances McDormand), que vêm aí a oportunidade ideal para conseguir uma grana extra pela devolução das informações supostamente ultra-secretas. Por fora correm a esposa do ex-agente (Tilda Swinton) e seu amante e também ex-agente paranóico (George Clooney), que entram na confusão por tabela. O humor é para gostos refinados, e para as pessoas certas este filme é certamente uma das coisas mais bombásticas feitas nos últimos tempos.
O Olho do Diabo (Ingmar Bergman, 1959)
Com: Jarl Kulle, Bibi Andersson, Nils Poppe, Sture Lagerwall, Gertrud Fridh
O capeta acorda de mau humor no inferno, atormentado por um terçol irritante em seu olho direito. Seus conselheiros atribuem a enfermidade à insistente castidade de uma jovem de 20 anos (Bibi Andersson), e eles decidem tirar do tormento eterno ninguém menos que o próprio Don Juan (Jarl Kulle) para subir à terra, seduzir e deflorar a moça, acabando assim com o terçol incômodo. Don Juan é acompanhado por seu fiel escudeiro Pablo (Sture Lagerwall) e por um demônio ardiloso que toma a forma de um gato. A base para a comédia é forte em mais esta obra atípica de Bergman, mas o tom de humor só transparece nas extremidades do filme, que envereda por uma trama existencial em seu trecho intermediário e subverte os papéis dominantes em cena. Isso abre uma brecha considerável para que Don Juan perca espaço para personagens secundários como seu ajudante ou o pai da moça a ser conquistada, o que dilui a unidade do filme e estratifica ainda mais a estrutura teatral adotada pelo diretor. Gunnar Björnstrand aparece como o mestre de cerimônias de luxo da "peça", uma obra menor que ainda assim é capaz de transmitir muito sobre a alma humana e a dinâmica dos relacionamentos.
Gran Casino (Luis Buñuel, 1947)
Com: Jorge Negrete, Libertad Lamarque, Meche Barba, José Baviera, Agustín Isunza
Gran Casino é a retomada de Luis Buñuel em território mexicano, depois de vários problemas que ele teve com o regime autoritário do general Franco na Espanha. Trata-se de seu primeiro filme convencional, e bota convencional nisso (provalmente, é a obra mais comum de toda a sua filmografia). Tipicamente influenciado pelas comédias hollywoodianas da época, o filme é uma mistura de drama com musical e deve ter sido provavelmente concebido como veículo de divulgação para os astros cantantes Jorge Negrete e Libertad Lamarque. Negrete é um foragido da cadeia que arranja um emprego num campo de exploração de petróleo ameaçado por um conglomerado poderoso, e Lamarque é a irmã do dono do campo, que desaparece misteriosamente um pouco antes da visita da moça. Com o perdão da expressão, a estrutura da narrativa é de "dramalhão mexicano", e muito pouco ou praticamente nada do estilo de Buñuel pode ser vislumbrado. Não há muitas coisas dignas de nota, mas percebe-se que Jorge Negrete tinha certo carisma como ator, o que não se pode dizer de sua companheira protagonista. As interpretações musicais podem até agradar a quem gosta desse tipo de coisa, mas esse definitivamente não é o meu estilo.
Medo (James Foley, 1996)
Com: Mark Wahlberg, Reese Witherspoon, William Petersen, Amy Brenneman, Alyssa Milano
É verdade que desde Atração Fatal (Adryan Line, 1987) os filmes de suspense que lidam com a psicopatia da atração física nunca mais foram os mesmos. Medo é uma das incursões do gênero dentro do universo adolescente, e um bom filme por sinal. Reese Witherspoon é a garotinha de 16 anos que acaba se enamorando por um rapaz enigmático e sensível (Mark Wahlberg). Pouco a pouco, porém, ele começa a revelar um lado nada amistoso, para o desespero do pai da adolescente (William Petersen). Este pequeno e eficiente filme é interessante por vários motivos, mas principalmente por trazer Wahlberg e Witherspoon em uma época pré-fama, quando ambos ainda lutavam por um lugar ao sol em Hollywood. Wahlberg, em especial, foi uma escalação perfeita para o papel, já que ele consegue ir do tipo bonzinho à carranca psicopata com surpreendente desenvoltura. A narrativa tem bom ritmo e culmina num desfecho razoavelmente violento, e ainda assim acredito que muitos pais gostariam que suas filhas mais saidinhas assistissem a esse filme para ter um idéia do tipo de maluco que elas podem encontrar em certos ambientes lá fora. De minha parte, eu só gostaria que Alyssa Milano tivesse tido mais tempo em cena.
Crepúsculo (Catherine Hardwicke, 2008)
Com: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Billy Burke, Ashley Greene, Peter Facinelli
Os vampiros não são mais os mesmos há muito tempo, mas agora é que talvez eu tenha me dado conta de quanto esta vertente do cinema de horror está de fato morta. Isso porque Crepúsculo é um filme de vampiro que não tem uma gota de horror nas linhas de seu roteiro, baseado num best-seller que é na verdade um romance cujo público-alvo, obviamente, são os adolescentes. Não há nada de errado nisso, porém é preciso que a platéia saiba o que esperar da história deste filme. Pura e simplesmente, trata-se da crescente paixão de uma adolescente (Kristen Stewart) por um rapaz misterioso e arredio (Robert Pattinson) que é na verdade um vampiro, integrante de uma família "socializada" de sugadores de sangue que não mantém contato com humanos há um bom tempo. Crepúsculo joga as convenções dos vampiros pela janela, como no fato deles poderem sair à luz do dia, mas adiciona características que tentam intensificar o lado selvagem e incontrolável de sua sede por sangue. Isso é a base para o conflito estabelecido entre o par central, que precisa lidar com uma atração irresistível que oferece um grau ainda desconhecido de perigo para ambos. A sensação recorrente é de que falta um pouco de substância além da luta final com um vampiro malvado e do romance em si, mas no geral o que se vê é um trabalho ao menos bem-feito, desde que devidamente consideradas as suas limitações temáticas.
A Mosca da Cabeça Branca (Kurt Neumann, 1958)
Com: David Hedison, Patricia Owens, Vincent Price, Herbert Marshall, Charles Herbert
Sucesso estrondoso no ano de seu lançamento, e com mérito, este filme é um clássico que merece respeito apesar de certas coisas grotescas presentes na história. O grotesco que importa, no entanto, está lá e não difere muito do que foi mostrado na refilmagem mais famosa, pelo menos para a época em que o filme foi lançado. Vincent Price é o empresário que recebe uma ligação tarde da noite da cunhada (Patricia Owens), que alega ter assassinado o marido (David Hedison), um cientista nada menos que brilhante. No início relutante em contar o motivo de seus atos, ela acaba se convencendo a dizer a verdade sobre a máquina que o marido inventara, um dispositivo capaz de teleportar matéria. Ao testá-la em si mesmo, algo terrível teria acontecido devido à presença de uma mosca na câmara de teleporte. Com uma história fluida e o estabelecimento de um bom clima de suspense (que culmina com a aterradora revelação do cientista em sua forma de mosca), este filme despretensioso e envolvente só deixa a desejar nas seqüências de procura à mosca da cabeça branca, que consomem tempo demais da narrativa. Ainda não sei o que pensar direito da famosa cena fora dos eixos que aparece no final, só mesmo que ela agrega muito ao fator bizarrice. Como eu já disse, um clássico!
Superbad - É Hoje (Greg Mottola, 2007)
Com: Jonah Hill, Michael Cera, Christopher Mintz-Plasse, Bill Hader, Seth Rogen
As comédias adolescentes dificilmente conseguem ficar sem aqueles personagens estereotipados de sempre. Assim, o que diferencia estes filmes geralmente acaba sendo o carisma do elenco e um ou outro grau de variação da história. Com relação ao elenco, Superbad é um filme feliz e pode se orgulhar de ter criado pelo menos mais um grande herói nerd, o imbatível McLovin. O algo a mais (ou a menos, depende do ponto de vista) é o escracho e o nível de palavreado chulo presente nos diálogos, que acompanham tanto os moleques tarados quanto a dupla de policiais completamente incorreta. Esta revisão serviu para demonstrar que o filme continua irresistivelmente engraçado, mesmo com alguns problemas de ritmo ou lógica aqui e acolá, e representa bem o legado deixado por precursores como Porky's e American Pie. Outra participação que merece destaque é a da novata Emma Stone, uma graça que no papel da pretendente do gordinho mostra enorme intimidade com a câmera. Adoraria vê-la mais vezes, e pode ser em filmes desta mesma estirpe, não tem problema.
Sin City (Robert Rodriguez, Frank Miller e Quentin Tarantino, 2005)
Com: Bruce Willis, Mickey Rourke, Clive Owen, Jessica Alba, Nick Stahl
Ainda me lembro do hype em torno do lançamento nos cinemas de Sin City, o filme, a adaptação de HQs mais fiel da história do cinema, pelo menos visualmente. E ainda que esta revisão tenha reafirmado tal qualidade visual, é preciso admitir que o hype não se estende também aos outros departamentos técnicos. Desta vez achei, por exemplo, que a narração em off é algo que precisava ser um pouco mais trabalhado ou enxugado, especialmente no episódio protagonizado por Marv (Mickey Rourke), onde ela soa excessiva e chega a atrapalhar a assimilação das imagens concebidas como pinturas. Falando nelas, fica difícil criticar os fãs de Frank Miller que se deliciaram com o modo como o material original foi transposto, que estabeleceu com ferro e fogo o padrão para outras obras que viriam em seu rastro – com 300 sendo o maior exemplo disso. Considerando todas as suas falhas narrativas e estética direcionada (o espetáculo visual pode não ser para todos os gostos), o que realmente atrai o espectador médio para o filme é seu elenco estelar, que reúne um punhado dos astros que mais estavam em evidência em 2005. Mas eu não perdôo Jessica Alba, seja pelo fato dela ser a mais deslocada das atrizes em cena ou por ela ter se recusado a personificar sua contra-parte em papel como ela fôra concebida: dançando de topless num dos inferninhos de Sin City. Puxa, se ela tivesse topado fazer isso eu até perdoaria sua fraca performance dramática!
Vicky Cristina Barcelona (Woody Allen, 2008)
Com: Javier Bardem, Rebecca Hall, Scarlett Johansson, Penélope Cruz, Patricia Clarkson
Um Woody Allen despretensioso, de espírito livre como o de seus personagens e para ser degustado sem muita expectativa. Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são duas amigas norte-americanas que chegam a Barcelona para passar alguns meses na casa de amigos. Certa noite, um pintor (Javier Bardem) as interpela convidando-as para visitar uma cidadezinha local e se conhecerem melhor. As coisas vão e vêm, e quando uma delas se ajeita com o cara surge a sua ex-esposa desequilibrada e neurótica (Penélope Cruz). Allen acerta a mão na caracterização de seus personagens e no aproveitamento das locações catalãs, criando um ambiente propício às interações amorosas das duas mulheres, do galã e da deliciosamente maluca Penélope Cruz. O filme vai bem até então, mas é só quando Cruz entra em cena que as coisas realmente começam a se movimentar, compondo um retrato leve e bem-humorado dos conceitos de liberdade, conflito e amor verdadeiro, sem jamais adquirir a ousadia de outras obras mais encorpadas do cineasta. Além disso, Vicky Cristina Barcelona é mais um daqueles longas cruéis que nos mostram (aos homens) como mulheres são volúveis, indecifráveis e às vezes, em última instância, absolutamente inatingíveis.
Os Supremos - O Filme (Curt Geda e Steven E. Gordon, 2006)
Vozes: Justin Gross, Andre Ware, Grey DeLisle, Olivia d'Abo, Marc Worden
Com o sucesso dos filmes baseados em personagens da Marvel Comics, a editora acreditou que seria possível iniciar uma divisão responsável por animações com formato de longa-metragem, começando pelo lançamento de Os Supremos, uma releitura dos Vingadores clássicos de enorme sucesso publicada dentro do universo Ultimate (uma realidade alternativa que começa a cronologia Marvel do zero, nos dias atuais). Verdade seja dita, a série de Millar e Hitch é uma obra-prima do gênero, e feliz de quem tenha tido a chance de lê-la. Por fora e em linhas gerais, a versão animada é fiel à sua contra-parte de papel, e se eleva um pouco tecnicamente em relação aos desenhos Marvel exibidos nos canais pagos e na TV aberta. A dupla de diretores, por exemplo, é egressa de X-Men Evolution.
O pivô da história de Os Supremos é o ressurgimento do Capitão América nos dias atuais, a peça-chave para a formação de uma super-equipe liderada por Nick Fury da SHIELD, que terá que lutar contra uma ameaça alienígena que data da Segunda Guerra Mundial. Completam o time a Viúva Negra, Thor, o Homem de Ferro, o Gigante e a Vespa. Interessante é notar que, com exceção do Capitão e assim como na HQ, o roteiro não se preocupa em dar um passado aos demais personagens – o Homem de Ferro, por exemplo, é um herói já estabelecido que atua sozinho. Mas é aí que as similaridades terminam. Desapontados ficarão principalmente os fãs da HQ original, que verão a ameaça dos Chitauri ser retratada de forma pobre, com um desfecho insatisfatório que logo cede um espaço excessivo ao epílogo que envolve a alma mais atormentada da Marvel, o Hulk. Além disso, a arrogância desmedida na caracterização de Hank Pym, o Gigante, não soa muito bem. Tudo o que posso dizer a mais é que Os Supremos, como um trabalho de animação com o selo oficial da Marvel (tem até o já famoso logotipo de abertura), começa muito bem, se atrapalha na metade e termina de modo apressado.
Arquivo X - Eu Quero Acreditar (Chris Carter, 2008)
Com: David Duchovny, Gillian Anderson, Amanda Peet, Billy Connolly, Mitch Pileggi
Se você, como eu, acha que nosso tempo anda tão escasso que se dedicar a um seriado de TV em modo full time – ou seja, assistindo a todos os episódios – é algo impraticável, saiba que existe uma esperança em alguns casos raros. Nestes casos raros, existem duas condições: i) que o seriado em questão já tenha sido, um dia, algo que você tenha acompanhado e gostado pelo menos por um bom período de tempo; e ii) que a série tenha recebido um bom longa-metragem para o cinema. Que eu consiga me lembrar, apenas Arquivo X pode ser enquadrado nesta categoria, e somente quando consideramos o segundo filme feito para o cinema, esse que tem o subtítulo de Eu Quero Acreditar. Não que o primeiro filme tenha sido ruim, é só que ele não tinha muito do material que fez os melhores episódios da série algo tão prazeroso de se ver. Eu Quero Acreditar, por sua vez, é ótimo para relembrar os tempos áureos de Arquivo X sem que seja preciso recorrer aos episódios televisivos. Um trabalho concebido pelo próprio criador, que traz de volta a sensação de mistério que permeou muito do que foi mostrado nos primeiros anos das aventuras dos agentes Mulder e Scully, com toda a bizarrice sobrenatural (ou não?) a que os fãs da série têm direito. E mesmo que você jamais tenha posto os olhos em Arquivo X, pode crer que o entretenimento está garantido. Com suspense. E drama.
Divagações postadas por Kollision de 3 a 5 de Janeiro de 2009