O que fazer quando se tem praticamente duas semanas de recesso – uma miniférias! – e a perspectiva de passá-las junto à família?
Além de desfrutar de sua companhia, obviamente!
Tenho que admitir que há muito tempo o meu entusiasmo com a leitura esmoreceu. O último livro de verdade que li foi a biografia de Chaplin, e isso em golfadas que me tomaram meses. Há outros motivos, alguns bobos e alguns esnobes, que não precisam ser mencionados. A consequência é que parei de comprar livros. Parei completamente.
Felizmente, para toda regra existe uma exceção. Há alguns meses atrás consegui finalmente comprar Despertar, o último livro da série publicada pela Conrad que compila todas as histórias de Sandman, a criação mais famosa do inglês Neil Gaiman. As bancas de Cuiabá pararam de vender a série lá pela quinta ou sexta edição, e o resto fui comprando quando tinha chances de viajar a São Paulo ou ao Rio. Ainda assim, tive que adquirir Despertar pela Internet, já que minhas idas à civilização diminuíram consideravelmente nos últimos tempos (em minha profunda ignorância, acabei ainda comprando Fim dos Mundos duas vezes...).
Assim, carreguei comigo para meu reduto de férias um pesado lote de belos livros, belas capas e conteúdo ainda virgem aos meus olhos, com exceção das três primeiras histórias. Tentei começar a ler Sandman quando a série foi relançada em edições avulsas há alguns anos, mas o "cuidado" da editora ou do serviço de distribuição, não sei ao certo quem foi, me fez desistir no meio do caminho. A semente do interesse, porém, já estava plantada.
Se você não faz a mínima ideia de quem ou o que é esse tal de Sandman, visite esta página e se instrua (versão em português aqui). Nos parágrafos seguintes não entrarei em detalhes sobre isso.
Terminei de ler toda a saga de Sonho no último dia do ano de 2008. Sorvi sofregamente um período criativo de mais de seis anos em menos de duas semanas, desde a prisão de Sonho/Morpheus na história "O Sono dos Justos" até a melancólica despedida final de "A Tempestade". Tanto quanto é possível num período tão curto de tempo, posso dizer que absorvi muito desta série tão elogiada. Em minha mente já existem, indeléveis, personagens favoritos e histórias favoritas. Não faço mais parte do grupo dos neófitos do universo de Sandman, e sinto certo orgulho disso, principalmente do modo como deixei de sê-lo.
Exaltar a qualidade do texto e da arte desta série é chover no molhado. Limito-me a dizer que me sinto recompensado por ter esperado por todas as edições antes de ler a primeira delas. O que mais me impressionou foi o fato de que as tramas de todas as 75 histórias reverberam entre si, dos mínimos detalhes ao panorama maior. E não há início definido, não há final definitivo, não há fronteiras ao longo do caminho. O nível de envolvimento e o escopo da narrativa é tão vasto que me peguei indo e vindo várias vezes nos livros. Como no mistério de quem seria a amante que teria desprezado Sonho no segundo capítulo de Vidas Breves (edição 42), cujo nome jamais é mencionado por proibição do próprio; as pistas estão lá e apontam para Thessaly/Larissa, a bruxinha humana que se parece com a Daria, aquela sabichona spin-off de Beavis & Butt-Head. Sim, não consigo deixar de pensar que a destruição de Sonho começou por causa de uma mulher...
Ler Sandman é, acima de tudo, inspirador. Sinto-me como se pudesse retomar minhas aspirações de escritor, que um dia existiram e hoje estão tão enterradas quanto as fundações de civilizações há muito escorraçadas da face da Terra. Mesmo assim, não deixo de me sentir bem por ganhar um pouco de inspiração desta forma. Afinal, posso canalizá-la para outros aspectos da minha vida, isso é fato.
Minha personagem favorita é Delírio, e minha história favorita é "A Caçada" (edição 38, publicada no volume Fábulas & Reflexões), aquela em que um avô relata à neta mimada a jornada de um jovem caçador que deixou sua vida pacata na floresta em busca de uma princesa.
E não é assim sempre, mesmo que não nos demos conta disso?
Texto postado por Kollision em 6 de Janeiro de 2009