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Filmes Vistos em Maio - Parte 2

A Liga Extraordinária (Stephen Norrington, 2003) 4

Com: Sean Connery, Naseeruddin Shah, Peta Wilson, Jason Flemyng, Richard Roxburgh

Fãs da HQ de Alan Moore, desistam de encontrar neste filme qualquer semelhança mais profunda com a obra em quadrinhos na qual ele se inspira. Ela se resume à aparência do quinteto que forma a liga, e nada mais. O sarcasmo, a violência e a verve inquieta do texto de Moore são sumariamente extirpados do roteiro do também escritor de HQs James Robinson (Liga da Justiça, Starman, Cable).

O porquê do amaciamento é mais do que óbvio: censura PG-13. Na revista, o Homem Invisível é um estuprador, Alan Quatermain é um viciado decrépito, a líder do bando é Mina Murray/Harker e o Sr. Hyde uma fera que não pensa duas vezes ao desmembrar um desafeto. Soma-se à descaracterização geral a inclusão no grupo do sobrenatural Dorian Gray e do aventureiro americano Tom Sawyer, como gancho para a platéia norte-americana que se sentiria "excluída" num filme feito somente com personagens britânicos (um modo indireto de chamá-los de retardados, para falar a verdade).

Não é por nada disso que foi exposto acima, porém, que o filme não funciona direiro. Há ótimos trabalhos de entretenimento com censura PG-13. A fraqueza do filme reside em cenas de ação que beiram o ridículo – parece que ninguém da equipe técnica jamais ouviu falar da lei da inércia – e na presença insossa do Tom Sawyer de Shane West, que protagoniza cenas vergonhosas à moda mestre-e-aprendiz com Sean Connery. Os efeitos especiais mantêm um efêmero interesse na história, que ao menos se beneficia das belas locações em Praga e das caracterizações bacanas do Capitão Nemo e do Sr. Hyde. O nível de desconforto do diretor Stephen Norrington pode ser medido pelo número de vezes em que ele fala durante os extras do DVD duplo, já que aparentemente o cara se recusou a dar qualquer depoimento sobre uma produção visivelmente mutilada antes mesmo de nascer.

Halloween - A Noite do Terror (John Carpenter, 1978) 5

Com: Jamie Lee Curtis, Donald Pleasence, Nancy Loomis, P.J. Soles, Kyle Richards

Como embrião da estética slasher que dividiu o horror mainstream em vários subgêneros, após o estabelecimento europeu do giallo e a invasão do cinema underground norte-americano, Halloween tem sua devida importância dentro do horror. Mas é preciso admitir que o filme se tornou datado. A técnica e a trilha sonora composta pelo próprio Carpenter, que então caprichava no mise-en scéne, são o que garantem o interesse num enredo barato sobre um doente mental que se torna o terror das babás numa fatídica noite de Dia das Bruxas. A atitude do psiquiatra feito por Donald Pleasence é completamente irreal, entre outras coisas que não fazem muito sentido. Fica claro, portanto, porque foi Jason Voorhees quem reinou absoluto no gênero durante os anos 80, e não Michael Myers.

Homem-Aranha 3 (Sam Raimi, 2007) 8

Com: Tobey Maguire, Kirsten Dunst, James Franco, Thomas Haden Church, Topher Grace, Bryce Dallas Howard

A geração do Homem-Aranha protagonizado pelo "cara de pastel" (minha mãe é quem disse isso) Tobey Maguire finalmente atinge regime de cruzeiro neste terceiro filme. E Sam Raimi definitivamente incorpora a carapuça de diretor exclusivo de uma única franquia, já que ele não fez absolutamente nada que não estivesse relacionado ao Homem-Aranha de 2001 em diante.

É preciso separar bem as coisas quando se avalia um filme como este. Refiro-me especialmente à visão que tenho como fã, que inevitavelmente afeta qualquer julgamento sobre uma adaptação de tamanho vulto e responsabilidade. Portanto, como fã, tenho que admitir que o terceiro filme fica abaixo dos dois primeiros no que diz respeito à caracterização de personagens e situações. Motivos: o pouco envolvimento dramático de Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard, belíssima como M. Night Shyamalan jamais pensou em retratá-la em seus filmes), a falta do conflito entre hospedeiro e criatura que sempre foi uma forte característica de Venom (Topher Grace), a ignorância continuada sobre o "sentido de aranha", o acidente que provoca a transformação do Homem-Areia (um atentado contra todas as normas de segurança de qualquer instalação industrial) e o aparente esquecimento por parte dos roteiristas da pindura que sempre assombrou a rotina universitária de Peter Parker, tão bem retratada na trama de Homem-Aranha 2.

A história se suporta com um amálgama de personagens que aproveita o desenvolvimento dos dois primeiros longas para apresentar um conflito que culmina num desfecho emocional bem mais intenso que antes. Harry Osborn, o melhor amigo de Peter, dá um jeito de se tornar o novo Duende Verde e, assim, representar perigo constante tanto para o herói quanto para sua identidade secreta. O Homem-Aranha nem chega a sentir muito os outros problemas que aparecem com o surgimento do Homem-Areia (Thomas Haden Church), já que agora está por cima da carne seca e é um sucesso com a população. Mas a virada ocorre quando uma criatura pegajosa e negra une-se ao seu corpo e lhe dá um vigor a mais, e sem que ele perceba passa a afetar seu comportamento e sua atitude. O uniforme negro, como todos sabem (quase todos, espero), é um alienígena que, depois de algum tempo, dará origem ao anti-Aranha, a criatura conhecida como Venom.

São muitos personagens. Mas a história dá conta de todos eles, salvo as ressalvas que menciono dois parágrafos acima. O filme tem as cenas mais engraçadas da trilogia, que se passam quando o lado negro do herói se manifesta e ele se torna "emo". Tanto Tobey Maguire quanto Kirsten Dunst têm aqui seus melhores momentos dramáticos (a cena da ponte é um primor de interpretação), e Haden Church foi uma escolha PERFEITA para o papel de Flint Marko, um dos mais bacanas vilões ambíguos da Marvel.

Os efeitos especiais são primorosos e são o maior indício de que, tecnicamente, Homem-Aranha 3 é um trabalho impecável.

Der Teufel kam aus Akasava (Jesus Franco, 1970) 6

Com: Fred Williams, Soledad Miranda, Horst Tappert, Ewa Strömberg, Siegfried Schürenberg

A.K.A. The Devil Came from Akasava – Este filme faz parte de um grupo especial de obras dentro da segunda fase da extensa carreira de Jesus Franco, o qual inclui ainda Vampiros Lesbos e Sie Tötete in Ekstase e tem como maior atrativo a presença inigualável da atriz Soledad Miranda.

Todos estes filmes foram feitos com basicamente o mesmo elenco e equipe técnica. Porém, distanciando-se da associação com o macabro presente nas demais parcerias entre Jesus Franco e Soledad Miranda, Der Teufel kam aus Akasava é o resultado de uma tentativa de se fazer um longa de mistério no mesmo estilo das histórias whodunnit de Edgar Wallace. O nível de complexidade do roteiro torna-se uma vítima de seus próprios buracos, mas a narrativa até que não faz feio diante da média dos trabalhos do cineasta, conseguindo se manter dentro de uma linha lógica no mínimo coerente. Muito do que é mostrado beira o ridículo no que diz respeito à plausibilidade, mas a movimentação e a presença de Soledad mais do que compensam as falhas do todo.

Em Akasava (vai lá saber onde diabos é isso) um cientista descobre uma rocha com propriedades únicas, capaz de transformar qualquer metal em ouro e converter seres humanos em corpos inanimados que mais se parecem zumbis. A cobiça de vários grupos distintos pela pedra provoca uma onda de morte e assassinato que passa a ser investigada pela Scotland Yard e pelo serviço secreto inglês, numa operação conduzida pelos agentes feitos por Fred Williams e Soledad Miranda. As cenas que não contêm atores e mostram carros em movimento foram estranhamente rodadas em velocidade superior e possuem um aspecto acelerado, o que é inusitado.

A Ilusão Viaja de Trem (Luis Buñuel, 1954) 6

Com: Carlos Navarro, Fernando Soto, Lilia Prado, Agustín Isunza, Miguel Manzano

Mesmo na leveza de uma crônica inofensiva sobre a classe trabalhadora Buñuel não se furta à sua verve crítica, que permanece incubada nas situações mostradas em A Ilusão Viaja de Trem. Seja na desilusão de uma criança diante do universo adulto (na cena do ônibus) ou na turba de pobres que ataca um carregamento clandestino de milho, passando por uma engraçadíssima encenação teatral da tragédia de Adão e Eva no paraíso. A atriz Lilia Prado, como Eva, é de uma beleza simplesmente estonteante. Na história propriamente dita, ela é a irmã de um dos dois funcionários da empresa de transportes que, desconsolados com a aposentadoria de um de seus bondes favoritos, se embebedam e decidem surrupiá-lo durante a madrugada para uma última volta pela cidade. Trabalho menor de Buñuel, o filme não tem a intenção de se vender como uma comédia de gargalhadas, e sim como um olhar pitoresco sobre as grandes pequenas aventuras do homem comum.

Os Outros (Alejandro Amenábar, 2001) 10

Com: Nicole Kidman, Fionnula Flanagan, Christopher Eccleston, Alakina Mann, James Bentley

Terceiro filme da impressionante carreira do chileno Alejandro Amenábar, Os Outros é simplesmente uma obra-prima do moderno cinema de horror, com roteiro, fotografia, produção e atuações impecáveis. Nicole Kidman é a mãe de dois filhos que vive isolada num casarão de uma ilha do Canal da Mancha após a Segunda Guerra Mundial. Ela vive à espera do retorno do marido, desaparecido na guerra, enquanto protege as crianças, portadoras de uma doença rara que as proíbe de ter qualquer contato com a luz do sol. A ocorrência de ruídos estranhos e de visões reportadas pelas crianças dentro da casa aumenta com a chegada de três novos criados à propriedade. Sutil, elegante e assustador, o filme é um conto original fantástico que dá uma dimensão superior às histórias de fantasmas.

Cine Majestic (Frank Darabont, 2001) 8

Com: Jim Carrey, Martin Landau, Laurie Holden, David Ogden Stiers, James Whitmore

O advento pela população da televisão, uma das maiores invenções do século XX, representou um grande baque para a indústria cinematográfica, particularmente a partir dos anos 50. Foi também nesta época que a perseguição do senador Joseph McCarthy aos supostos comunistas atingiu em cheio a indústria das artes. O drama mostrado em Cine Majestic alia os dois temas com base no personagem de Jim Carrey, um roteirista perseguido pela caça às bruxas que, após um acidente, perde a memória e vai parar numa cidadezinha próxima, aceitando a identidade de um rapaz que foi um herói na Segunda Guerra e administrava o cinema local com o pai (Martin Landau). A reforma do cinema serve como alavanca metafórica para a recuperação da própria indústria cinematográfica da época, para a reafirmação de valores como a liberdade de expressão e para uma velada homenagem àqueles que pereceram defendendo o país. Carrey faz um bom trabalho dramático e garante a qualidade do filme, que sofre um pouco com sua duração, ligeiramente excessiva, e com o carisma limitado de Laurie Holden.

Minha Mãe Quer que Eu Case (Michael Lehmann, 2007) 4

Com: Diane Keaton, Mandy Moore, Gabriel Macht, Tom Everett Scott, Lauren Graham, Piper Perabo

Uma comédia romântica que tenta ser moderninha e atípica, mas frustra pelo aspecto forçado de muitas situações e pelo comportamento dúbio da protagonista Mandy Moore (que passa dos limites associados à figura da mocinha – ou sou só eu aplicando meu senso de moralidade?). Diane Keaton mantém a classe no papel de uma mãe superprotetora que vai à Internet procurar um parceiro ideal para a filha, que passa a ser cortejada pelo arquiteto yuppie e promissor (Tom Everett Scott) e pelo músico sorridente que também é pai solteiro (Gabriel Macht). A história rende algumas gargalhadas e por isso se salva em momentos isolados. No entanto, tudo soa bem descartável e esquecível, mais ou menos como a participação de Piper Perabo, visivelmente desperdiçada em cena.

Quartier de Femmes (Jesus Franco, 1974) 3

Com: Andrés Resino, Geneviève Robert, Jean-Louis Collins, Josyane Gibert, Dennis Price

A.K.A. Los Amantes de la Isla del Diablo, Devil's Island Lovers – Num filme que se vende como mais um pastiche de exploitation típico, tudo soa como um desapontamento para quem espera o mesmo tipo de coisa que Jesus Franco costumava fazer em seus trabalhos mais notórios. A história não tem nada de subversivo, muito pelo contrário. Trata-se de um casal de namorados que se torna vítima do ciúmes de um coronel, responsável por incriminá-los injustamente e enviá-los a uma prisão (aparentemente colombiana) gerenciada com mão-de-ferro por uma equipe de sádicos. O roteiro é simples demais e passa por cima da lógica em vários momentos, sendo filmado de forma bastante convencional. O que tira o longa do lugar comum e da sensção de mediocridade crônica acaba sendo o final inconformista.

Divagações postadas por Kollision entre 17 e 24 de Maio de 2007