3/Abril - Domingo
Tirando a parte ruim de voar pela American Airlines (vão por mim, a TAM é a melhor companhia para vôos internacionais), o tempo do avião de São Paulo a Dallas até que passou rápido. Eu pensei que o trecho de Dallas a Los Angeles seria mais curto, mas é quase como Cuiabá-Sampa. Em relação ao horário de Cuiabá, Los Angeles está 4h atrasado, o que é até bom para quem precisa acordar cedo.
O tempo na cidade estava mais frio do que eu esperava. O piloto do vôo mencionou uma temperatura de 55 °F, e numa regra de três rápida cheguei à conclusão que lá fora estava fazendo bem menos de 20 °C. Bem agradável, para falar a verdade, principalmente quando o sol sai, possibilitando andar pela vizinhança sem o calor escaldante de Mato Grosso torrando a cachola.
Vista aérea do gelo sobre a paisagem elevada da Califórnia
A primeira caminhada de exploração local me levou às portas do local do curso, passando em frente aos estúdios da Warner, uma coisa impressionante de tão imponente. Só os cartazes tamanho gigante de filmes e séries expostos nos muros do complexo já são de deixar qualquer cinéfilo doido. A expectativa para o primeiro dia do filmmaking workshop da NYFA não poderia ser melhor.
4/Abril - Segunda-Feira
A palestra de apresentação reuniu uma turma com gente da Turquia, do Japão, das Filipinas, da Inglaterra, da França, da Suíça, da Hungria, do Brasil e dos EUA, claro. "Uma classe bastante eclética, isso é bom!", vibrou um dos instrutores. Orientações e mais orientações sobre as aulas vindouras e algumas das visitas que serão feitas aos sets dos estúdios Universal. Uma das primeiras coisas que eles mencionaram é que não é permitido falar com as celebridades que porventura avistarmos no local, nem tirar fotos. Isso eu já esperava, mas só de ver uma celebridade qualquer já será ótimo!
Um dos pôsteres gigantes nos muros dos estúdios da Warner
E o que eu temia se concretizou. Pelo jeito, não vai sobrar tempo algum para passear! Rodar entre as cadeiras de diretor, diretor de fotografia, assistente de câmera e gaffer (não encontrei tradução para esse termo) vai consumir o tempo de todo mundo no fim de semana. Nada que não possa ser contornado com jeito.
De conteúdo técnico, hoje já aprendemos a manipular e colocar filme numa câmera Arriflex 16S, que não possui cristal de sincronização e serve apenas ao propósito de filmagens sem acompanhamento de som. Vimos também conceitos básicos de cenas, movimentos de câmera, ângulos e lentes. Fiquei bastante satisfeito com a qualidade do material e a experiência dos instrutores. Tudo está sendo direcionado para servir de base para o primeiro projeto, que em teoria é bastante simples: um curta mise-en scene de 30s a 1min, com apenas uma cena (shot). A dificuldade pode não ser aparente, mas quem já passou por isso deve saber do que estou falando. Para começar, não tenho idéia alguma para o script, que espero estar desenvolvendo hoje antes de dormir...
5/Abril - Terça-Feira
Mais aulas, desta vez sobre iluminação e conceitos básicos de roteiro. Finalmente sei para que serve aquele instrumento com uma bolinha que a gente sempre vê alguém usar nos sets de filmes, quando assistimos a making-ofs e coisas do tipo!
Além disso, hoje deu para perceber também que é bem fácil distiguir quem está na academia para estudar direção e quem veio para estudar atuação. Os atores são, de longe, bem mais extrovertidos e faladores, realmente ótimas pessoas para se ter por perto. Os diretores, em sua maioria, ficam apenas olhando e aparentemente analisando tudo, pensando em como colocar as idéias no primeiro script que estaremos filmando. Eu sei disso, porque meu script ainda não está bem definido e porque eu passei boa parte do dia pensando nele.
O hotel onde estou, também cenário de um de nossos primeiros filmes
Acho que esqueci de mencionar, mas é impressionante como boa parte da turma que está comigo é fã de Quentin Tarantino. Eu, particularmente, não consigo enxergar tudo o que esse povo vê nos filmes do cara! Apesar disso, são poucos aqueles com quem é possível conversar legal sobre diretores e filmes em geral, sendo a maioria meio desligada do assunto. Bom, cada um deve ter sua motivação para estar participando do programa...
6/Abril - Quarta-Feira
Hoje tivemos os primeiros testes com câmera, filmando num belo parque localizado próximo à NYFA. Meu grupo e eu tivemos nossa cota de dificuldades para aprender a manusear a câmera, o tripé, medir iluminação, distância de foco, f-stop, etc. E a formação dos grupos, que aparentemente foi naturalmente definida hoje, não fugiu à regra social convencionalmente estabelecida. Os três 'senhores' da turma (todos muito gente boa) fecharam o grupo deles, os três jovens californianos mais um e os jovens estrangeiros (o francês, o inglês e eu) o nosso 'supergroup', como o denominamos em algum ponto do caminho. Apesar de formar grupos separados e ter diferentes aulas de câmera, a turma de vídeo digital tem as mesmas palestras de fundamentos que nós, então aí o grupo inteiro se torna ainda mais internacional.
Nossa equipe em seu primeiro teste de câmera
A parte mais difícil, até agora, com certeza diz respeito à iluminação de sets, como pude comprovar na aula vespertina. Usar as lâmpadas, refletores e aquelas sombrinhas defletoras não é tarefa muito fácil quando se deseja compôr uma cena com clima definido por fotografia e iluminação (muitas vezes a base de filmes feitos em preto-e-branco). A aula de edição foi até as 8 da noite, mas foi bastante esclarecedora. De brinde, o instrutor usou trechos de filmes tão díspares quanto Legalmente Loira, Tubarão, Suspiria, Quem Vai Ficar com Mary? e Os Intocáveis para ilustrar alguns conceitos básicos de edição de filmes.
7/Abril - Quinta-Feira
Preparativos para o primeiro projeto (mise-en scéne) praticamente completos. Hoje discutimos os roteiros com o instrutor de direção, tivemos a primeira aula sobre escalação do elenco (casting) e a seguir participamos do processo de casting com os estudantes de atuação. Que experiência! Eu me senti num verdadeiro set, escalando atores para uma produção de verdade! E juntando o entusiasmo dos diretores com o dos atores, o negócio fica ainda melhor!
Um deles, na verdade, está alojado no mesmo hotel que eu, então está tudo certo para um de meus personagens. Até sábado tenho que arranjar outro ator, senão o meu AC (Assistant Camera) ou o meu diretor de fotografia acabarão sendo também uma de minhas estrelas.
8/Abril - Sexta-Feira
Vimos hoje numa sala escura os testes de câmera que fizemos na quarta, seguidos dos comentários do instrutor. Interessante ver como realmente o que fazemos com a câmera corresponde àquilo que é mostrado na projeção. As coisas parecem até um pouco mais fáceis agora (só parecem...). À tarde, uma aula inicial sobre os conceitos de produção.
Em seguida, fizemos o check-out do equipamento que estaremos usando no fim de semana para fazer nosso primeiro filme. Consegui o vestuário adequado para meus personagens, assim como alguns acessórios opcionais necessários à minha primeira produção. Tudo parece estar caminhando para dar certo, sendo que tenho o meu script bem concreto e ainda por cima acompanhado por storyboards. Aliás, eu nunca havia pensado em como os storyboards são importantes para a visualização do filme, principalmente para as outras pessoas envolvidas que não o roteirista ou o diretor.
Making-of: O Diretor de Fotografia, o Assistant Camera e o Diretor
9/Abril - Sábado
A desvantagem de se filmar em película, ao invés de usar câmeras digitais, é que não é possível saber se o que acabamos de rodar está bom. Temos que esperar pelo processamento do filme. Filmei meu primeiro projeto hoje, intitulado simplesmente "The Hug" ("O Abraço"), e inspirado num episódio ocorrido com o tio de minha namorada. Comediazinha leve que, se tudo correr bem (a filmagem estiver em foco, não estiver muito escura, etc.), estarei editando na terça-feira e conferindo sob um ponto de vista crítico mais para o fim da semana. Agora sim, eu tenho uma idéia do quão difícil é capturar imagens em filme, e sei também porque Chaplin não gostava de filmar fora do estúdio. Dentro de um espaço fechado, o diretor de fotografia tem controle absoluto sobre a iluminação, o que não ocorre a céu aberto...
Storyboard do meu primeiro filme
Os papéis dos integrantes de nossa equipe ainda ficaram meio confusos, acredito que devido ao fato deste ser nosso primeiro esforço. Não é fácil para o diretor de primeira viagem dar um passo para o lado, lançar mão de um voto de confiança e deixar a câmera a cargo do diretor de fotografia. Eu mesmo acredito ter feito algumas 'cagadinhas' nos takes do meu colega da Inglaterra, mas tenho a meu favor a dificuldade com que o cara elaborou a cena, que consistia de uma só seqüência com variações múltiplas de foco e abertura da lente. E eu sem nenhum AC (Assistant Camera) para ajudar, já que nosso AC era o ator principal no momento! O filme do colega da França foi, aparentemente, o mais bem-sucedido, pelo menos quanto ao enquadramento da cena.
Mesmo que o resultado não seja lá essas coisas, o simples fato de cuidar de toda a elaboração do roteiro, storyboard, produção e direção de uma coisa assim tão simples já é alguma coisa com a qual posso contar como experiência válida. Carregar todo o material, colocar o filme na câmera, montar o tripé e fixar o equipamento, filmar o cartão cinza e os vários 'slates' (a famosa claquete, que em trabalhos sem som não precisa ser batida), medir iluminação e distância de foco, gritar 'roll camera', 'action' e 'cut' e dar uma sessão de filmagens como encerrada fizeram de um exaustivo dia de aprendizado algo definitivamente único.
Texto postado por Kollision em 9/Abril/2005