Este drama familiar de Ingmar Bergman tem vários méritos relacionados à trajetória do cineasta. Um deles é reunir, num só filme, três de suas mais festejadas e regulares atrizes (no grupo só ficou faltando mesmo Bibi Andersson - e talvez Gunnel Lindblom). Outro mérito inegável é o uso da belíssima fotografia em cores assinada por seu colaborador habitual Sven Nykvist, que com este trabalho foi agraciado com o Oscar da categoria. Maravilhosamente iluminado e fortemente calcado nos tons de vermelho, o filme desnuda a alma de quatro mulheres forçadas a viver juntas pelo sangue, pela tragédia e pelas convenções sociais.
A estrutura do drama entre irmãs é parecida com aquela mostrada num trabalho anterior do cineasta, O Silêncio, realizado uma década antes. Até mesmo uma das protagonistas do filme citado parece retornar: Ingrid Thulin meio que repete a sua personagem, cedendo o papel central do conflito a Harriet Andersson. Andersson é Agnes, a mais velha de três irmãs já adultas e estabelecidas na vida. Extremamente doente devido ao câncer, ela recebe os cuidados da empregada da família Anna (Kari Sylwan), enquanto as irmãs Karin (Thulin) e Maria (Liv Ullmann) lhe fazem companhia constante. Não tão unidas quanto na época de infância, todas estas mulheres relembram os momentos mais críticos de suas vidas. E, enquanto a saúde de Agnes definha, conflitos e sentimentos díspares vêm à tona.
Atuações soberbas e um requinte visual único são, além do drama, aquilo pelo que mais Gritos e Sussurros é capaz de permanecer na memória. A sensação de tristeza ao ver a antes radiante Harriet Andersson se contorcer de dor por causa da doença é de cortar o coração. De todas as irmãs, ela é a que mais se encontra em paz consigo mesma, seja pela experiência de vida, pelo sofrimento ou pela comunhão sincera que ela estabelece com a mãe (interpretada também por Liv Ullmann), isso já na pré-adolescência. As outras duas têm vidas com facetas ainda a serem visivelmente aparadas. Uma delas é fria e distante, quase uma estranha no seio da família, enquanto a outra é calorosa, aprecia o contato físico e não mede esforços para satisfazer seus desejos. Faíscas voam pela tela quando estas duas mulheres não têm mais para onde correr em relação aos seus sentimentos. Embora eu tente, não é fácil colocar em palavras o que ocorre no turbilhão de emoções expressadas por Ingrid Thulin e pela bela Liv Ullmann. Qualquer interpretação mais profunda facilmente envereda por meandros polêmicos.
O coringa da história, no papel da empregada Anna, serve como ponto de referência para ancorar as percepções das outras personagens. Seu comportamento maternal e às vezes inegavelmente bizarro é justificado por uma tragédia pessoal que influi em todo o resto de sua vida, assim como nas atitudes das três irmãs. Embora a espiral de degradação de Agnes não deixe dúvidas de para onde o filme está caminhando, há uma leva razoável de sustos reservados ao espectador, principalmente quando o desespero diante da morte torna-se inevitável. Assim, o epílogo soa quase como se Bergman tivesse chegado à conclusão de que teria ido longe demais com seu belo pessimismo, sua interpretação subjetivamente incisiva sobre a alma humana e uma impiedosidade deveras aristocrática para com algumas das personagens.
O DVD vem com uma galeria de fotos de vários filmes de Ingmar Bergman, além de biografias curtas do diretor e de Harriet Andersson, Ingrid Thulin e Liv Ullmann.
Visto em DVD em 13-SET-2006, Quarta-feira - Texto postado por Kollision em 17-SET-2006