Cinema

O Silêncio

O Silêncio
Título original: Tystnaden
Ano: 1963
País: Suécia
Duração: 96 min.
Gênero: Drama
Diretor: Ingmar Bergman (O Sonho, Para Não Falar de Todas Essas Mulheres, Persona)
Trilha Sonora: Ivan Renliden, Johann Sebastian Bach
Elenco: Ingrid Thulin, Gunnel Lindblom, Jörgen Lindström, Håkan Jahnberg, Birger Malmsten
Distribuidora do DVD: Versátil Home Vídeo
Avaliação: 8

Estranho e ótimo filme. Fui assisti-lo sem saber nada sobre ele, nem sequer li a sinopse, e estava pouco me importando com a famosa atribuição de "trilogia do silêncio" dada a este e aos dois filmes anteriores de Ingmar Bergman. Um pouco menos inapropriada é a atribuição dada pelos ianques, que a chamam de "trilogia da fé". Passaram bem perto, mas tal definição também cai por terra após uma sessão de O Silêncio. Bergman sempre desprezou tais rótulos e, após finalmente ter a honra de me expor aos três filmes, preciso dizer que, mais uma vez, o mestre tem razão. Ora bolas, afinal foi ele quem nos brindou com tão belas alegorias visuais...

Como sempre, e este é um caso ainda mais forte que os outros, este filme abre um leque praticamente inesgotável de discussão em torno de sua história, de seus poucos personagens e das verdadeiras intenções do cineasta. Sem muitas firulas no início e no final, somos jogados no meio de um drama que se desenrola com poucos diálogos, estes de uma natureza quase espasmódica, um conflito que chafurda no silêncio de uma relação fraterna desgastada pelo tempo. As irmãs são Anna (Gunnel Lindblom) e a tradutora Ester (Ingrid Thulin). Elas seguem viagem de volta para casa num trem. O menino que as acompanha (Jörgen Lindström) é filho de Anna. Ester está doente, sendo constantemente vítima de terríveis surtos de delírio. É numa parada num quarto de hotel de um país estranho que o pior deste estranho triângulo familiar vem à tona.

Nada disso que está exposto na sinopse do parágrafo anterior vem de forma fácil. As informações são dosadas a conta-gotas, cada nuance capturada pela câmera é essencial na compreensão de onde cada um de seus três personagens principais se encontra psicologicamente. Na relação conturbada entre as irmãs reside um reflexo distorcido do relacionamento quintessencial entre pessoas ligadas pelo sangue mas irremediavelmente separadas por suas convicções. Percebe-se que houve um tempo em que a harmonia entre elas existiu, quando a mais jovem se espelhava na mais velha. O amargor do presente tem raízes mais profundas surgidas provavelmente durante o desenvolvimento da consciência adulta da mais jovem, num ponto de ruptura que as colocou em lados opostos em vários aspectos da vida. A fé não chega a ser mencionada, mas é subliminar ao conflito sexual que exala da proximidade entre as duas. Porque uma delas abraça a libido, a outra a rejeita.

Traçando uma linha perigosamente tênue ao lidar com sugestões não tão sutis de lesbianismo, abuso sexual e desvios de personalidade, Bergman desnuda a intimidade das duas mulheres sem perdoar nenhuma delas. Daí, conclui-se que o pequeno escândalo que se seguiu ao lançamento do filme não foi à toa. A repressão doentia que Ester faz ao sexo pode ter uma origem mais trágica (os sintomas de sua doença são típicos de pessoas em estado semi-avançado de sífilis), e a relação entre Anna e seu filho é marcada por uma proximidade íntima um pouco incômoda. O garoto sente-se mais próximo emocionalmente da tia que da própria mãe. Os laços que os seguram juntos são tão frágeis que remontam a sugestões de um pai há muito falecido, ainda presente em suas vidas como um fantasma.

Inóspitos como o hotel em que esta peculiar família se hospeda, outros aspectos do filme chamam a atenção pela sensação de se estar num lugar completamente fora da rotina normal. A comunicação verbal com o mordomo do hotel (Håkan Jahnberg) é quase nula, já que eles não falam a mesma língua; o garoto faz amizade com um grupo de anões também incompreensíveis; tanques de guerra passeiam pelas ruas quase sem emitir som, desorientando ainda mais o espectador quanto à temporalidade da história. Seria ela passada durante a Segunda Guerra Mundial? Onde exatamente?

Há muitas outras sutilezas no filme, que merece uma futura revisão mais do que vários outros de sua época.

Assim como nos outros filmes da tal trilogia do silêncio, os extras deste DVD se resumem ao trailer americano do filme e a uma galeria de fotos, acompanhados da usual biografia curta de Ingmar Bergman.

Visto em DVD em 30-AGO-2006, Quarta-feira - Texto postado por Kollision em 4-SET-2006