Cinema

Através de um Espelho

Através de um Espelho
Título original: Såsom I en Spegel
Ano: 1961
País: Suécia
Duração: 89 min.
Gênero: Drama
Diretor: Ingmar Bergman (Luz de Inverno, O Silêncio, O Sonho)
Trilha Sonora: Johann Sebastian Bach, Erik Nordgren
Elenco: Harriet Andersson, Gunnar Björnstrand, Max von Sydow, Lars Passgård
Distribuidora do DVD: Versátil Home Vídeo
Avaliação: 10

Através de um Espelho foi o segundo filme consecutivo de Ingmar Bergman a ganhar o Oscar de melhor longa-metragem em língua estrangeira, após o triste mas belíssimo A Fonte da Donzela. A excelência do mestre continua em outro trabalho tocante, que faz da loucura a causa da desestabilização de uma família, num drama fascinante suportado por um elenco bastante reduzido, onde quatro atores se revezam em ótimas interpretações. A fotografia continua sendo o ponto alto na técnica cinematográfica de mais esta obra-prima, num estilo que, associado ao olhar único do diretor, chega a aproximar o filme da estética de seu contemporâneo Federico Fellini, cujo trabalho Bergman na época respeitosamente admirava.

A volta do escritor David (Gunnar Björnstrand) à casa de sua filha Karin (Harriet Andersson) vem acompanhada de mais conflitos envolvendo a doença mental degenerativa da moça. Seu atencioso e paciente marido Martin (Max von Sydow) e o sogro são como amigos de velha data, e compartilham em segredo o diagnóstico médico sobre a terrível condição da mulher amada por ambos. Há ainda o irmão adolescente de Karin, Minus (Lars Passgård), que é pego no fogo-cruzado do conflito entre ela e sua doença, ao mesmo tempo em que se sente ignorado pelo pai e suas constantes ausências em prol de sua carreira como escritor.

Na loucura cada vez mais evidente da Karin de Harriet Andersson existe sempre uma ameaça de mistério e surrealidade cercando suas crises mentais, que se concentram no sótão da casa e no dito "espelho", a abstração que separa as duas realidades entre as quais a psiquê da personagem transita. Seu desespero em pertencer a apenas uma delas, externado de forma tocante, é somente o sinal de que o amor dentro daquela família tão unida emocionalmente será duramente posto à prova, numa disputa onde todas as resoluções excluem qualquer possibilidade de felicidade. A análise da loucura e de suas conseqüências é conduzida com leveza e, como era de se esperar em se tratando de Bergman, ela se recusa a sucumbir a saídas fáceis. Já dizia o diretor em muitas de suas obras anteriores: a realidade é cruel, e tudo o que nos resta é tentar ser os melhores que pudermos diante dela. Este filme, como muitos outros de sua iluminada filmografia, é uma das amostras mais sublimes de tal afirmação.

Em Através de um Espelho, a visão de Bergman volta-se para um conflito familiar intenso, acompanhado de um amálgama dos vários aspectos humanos que aparecem nos seus filmes de direcionamento mais específico. A tragédia é lenta, e se insinua como uma serpente (apesar de sempre ter estado presente) em meio à aparente felicidade do relacionamento de Karin e Martin. O choque provocado pelos pensamentos mais obscuros de um pai de família vem à tona no personagem de Gunnar Björnstrand, retratado de forma amargamente realista em sua aparente insensibilidade. E a fé, talvez o tema mais recorrente das obras de Bergman, é questionada numa mistura contundente de abandono paterno e incesto velado, que esconde muito mais substância nas sutis entrelinhas da narrativa do que se possa divisar numa primeira sessão. Para a noção de que a balança universal se mantém sempre equilibrada, e de que algo precisa ser perdido para que o novo surja, a singela cena de fechamento do filme vale mais do que mil palavras.

A seção de extras do DVD vem com o trailer americano do filme e uma galeria de fotos, além de uma biografia curta de Ingmar Bergman.

Texto postado por Kollision em 15/Agosto/2006