Tinha que acontecer em algum momento pois, de acordo com as próprias leis da Física, tudo o que sobe um dia tem que descer. Eis aqui um filme essencialmente fraco de Ingmar Bergman (fraco, não ruim), mais um drama intimista que trilha o sempre fértil campo da fé. Os principais personagens são incorporados por quatro de seus mais freqüentes colaboradores, numa história circular que não acrescenta nada a seu tema e decepciona pela inércia nunca vencida.
Bergman acrescenta à sua galeria de personagens mais uma mulher obsessivamente submissa, a quase incompreensível professora Märta (Ingrid Thulin). Embora não tão entregue à humilhação quanto a Susanne de Eva Dahlbeck em Sonhos de Mulheres (1955), Märta come o pão que o diabo amassou nas mãos de um pastor amargurado, desiludido com Deus e incapaz de enxergar além do que decide vislumbrar em seu próprio sofrimento. Gunnar Björnstrand assume o papel com a naturalidade de quem já desfilou sob muitos disfarces diante das câmeras de Bergman, e carrega o filme nas costas com seu semblante de tortura interior.
Basicamente, a história gira em torno do pastor Tomas (Björnstrand) e sua rotina clerical cada vez mais carente de um rebanho. Sua relação com a amante (Thulin) é de uma amizade madura, meio amarga, sempre em ebulição pela insistência dela em se casar com ele, que se esforça para se manter só desde a morte da esposa. O que catalisa as dúvidas interiores do pastor é a conversa com um pescador genuinamente preocupado com a ameaça da bomba atômica (Max von Sydow, em participação pequena mas decisiva). Incapaz de lhe oferecer conforto, Tomas e toda a comunidade são surpreendidos por uma tragédia logo após o fiel deixar a igreja.
A deixa provocada pelo casal feito por Max von Sydow e Gunnel Lindblom estava com certeza em voga no início dos anos 60. Afinal, a guerra fria entrava em sua época áurea e a Suécia se encontrava bem no meio do fogo cruzado. Este, infelizmente, é um dos motivos do porquê o filme perdeu a força, uma vez que a ameaça da era atômica não encontra reflexo dramático suficiente para justificar as transformações da história, que dependem muito mais da índole já estraçalhada do pastor, e morrem na praia antes mesmo do drama ganhar algum volume digno das melhores obras de seu diretor. A melhor coisa do filme é, de fato, a interação entre o pastor e a amante, em particular no momento em que ele põe para fora tudo o que sempre sentiu no que diz respeito ao seu relacionamento. Poucas cenas são tão cruéis em sua franqueza, e tão bem capturadas por uma câmera.
Mas como o longa não fica só nessa cena em particular, é preciso encarar todo o pacote para apreciá-la completamente. Particulamente o início lastimavelmente morno e o final burocrático, que volta a jogar na cara de todo mundo que, às vezes, quanto mais as coisas se transformam, mais elas continuam as mesmas.
Os extras do DVD se resumem ao trailer americano do filme e a uma galeria de fotos, acompanhados de uma biografia curta de Ingmar Bergman.
Visto em DVD em 25-AGO-2006, Sexta-feira - Texto postado por Kollision em 29-AGO-2006