Ao final da sessão de Rocky Balboa, muita gente tem a certeza de que algo mudou em relação à percepção que tinha do personagem-título, um ícone que atravessou três décadas em filmes que marcaram época (com exceção do extremamente odiado Rocky V). Consciente de que o quinto capítulo da série fôra um fiasco artístico, Stallone fez o lobby correto e ressurgiu das cinzas com seu maior personagem, envergando as posições de produtor, roteirista, diretor e astro, como fizera com a segunda, terceira e quarta partes da saga do lutador ítalo-americano que agarrou com unhas e dentes sua única chance decente de ser alguém na vida. O que parecia uma piada converteu-se, portanto, num dos filmes mais emocionantes e sinceros da temporada americana de cinema em 2006.
Com a esposa Adrian vitimada pelo câncer e falecida há alguns anos, o ex-campeão dos pesos pesados Rocky Balboa (Stallone) passa seus dias gerenciando o restaurante que abriu em homenagem à esposa. Seu único amigo constante ainda é o cunhado Paulie (Burt Young), já que seu filho (Milo Ventimiglia) se tornou um almofadinha de primeira que tem vergonha do pai onde quer que ele vá. Quando uma simulação de computador transmitida nacionalmente dá a vitória no duelo virtual entre Balboa e o atual campeão Mason Dixon (o boxeador profissional Antonio Tarver) a Rocky, o burburinho formado atiça os demônios internos do ex-campeão, que busca fazer as pazes consigo mesmo numa última luta contra o desacreditado e odiado Dixon, devidamente fomentada pelos empresários deste. O caminho é árduo tanto física quanto emocionalmente mas – pôxa – estamos falando de Rocky Balboa!
Pode ser que a parábola existente no roteiro não desvie muito da fórmula consagrada pelos filmes anteriores. Assim como Rocky IV, por exemplo, o combate final é uma luta onde o que está em jogo não é o título, e sim o respeito. Rocky Balboa é bombardeado pelo descaso daqueles que acreditam que ele não consegue, inclusive das pessoas que ele mais ama, e parte para provar que, mais uma vez, todos podem estar errados. O diferencial do roteiro, desta vez, é que ele se sustenta sobre um personagem enrugado e marcado pelo tempo, e usa isso para trasmitir a idéia de que só pelo fato de se colocar diante do desafio o protagonista já é um vencedor. Não só pelo sempre irresistível mote de que "você é aquilo que faz", do qual Rocky é uma das epítomes mais unidimensionais (e controversamente cativantes) do cinema, mas também por algumas nuances que sintetizam e de certa forma condensam muito do que foi mostrado nos cinco filmes anteriores.
Geraldine Hughes ensaia um papel de substituta da falecida Adrian, como a versão adulta da garotinha que Rocky aconselhou em um dos primeiros filmes da franquia, conselhos estes respondidos por típicos xingamentos juvenis. O desenvolvimento da personagem e de sua interação com Rocky é a faceta mais cativante do longa, e a que melhor demonstra a capacidade de Stallone como roteirista. De uma forma que desabona quase completamente os filmes anteriores, sua sensibilidade casou perfeitamente com a idéia e com o tema. As decisões tomadas na condução da história conseguem tornar crível a idéia de que um homem acima dos 50 anos pode confrontar um campeão no pico de sua performance de igual para igual. Rocky Balboa é caracterizado como um homem experiente e realista, sem os resquícios de infantilidade e burrice que sempre afloraram em seus dramas passados. Há até mesmo um olhar mais aprofundado, mesmo que rápido, sobre a motivação de seu adversário. E, se tudo isso não conspira para uma excelente suspensão de descrença, então eu não sei mais o que este conceito significa.
Todo mundo sabe que o cinema precisa dos feel good movies de vez em quando, mesmo que não admita. A dedicação de Stallone por seu personagem mais famoso confere a Rocky Balboa um encerramento extremamente coerente. É a boa e velha história contada de forma correta, às vezes tocante e às vezes empolgante, e enriquecida por uma incomparável nostalgia conquistada arduamente ao longo de 30 anos.
Rocky volta a aparecer num filme, porém como coadjuvante, em Creed - Nascido para Lutar, lançado em 2015.
Visto no cinema em 4-MAR, Domingo, sala 1 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 9-MAR-2007