Por mais imparcial que tentemos ser quando submetemos determinado filme a uma análise, mesmo a mais superficial delas, sempre estamos suscetíveis a preconceitos às vezes bobos (ou não) contra determinado ator, roteirista, diretor, etc. Uma de minhas birras, por exemplo, é com Will Smith. E com Robert Altman. Dito isso, posso então admitir que também nunca fui muito com a cara de Orlando Bloom, figurinha que ganhou uma notoriedade absurda com a série O Senhor dos Anéis, no papel do elfo Legolas. Bloom sempre pareceu ser queridinho demais sem motivo algum, e mesmo sem ter encarado papel algum de protagonista. Porém, quando um diretor conceituado como Ridley Scott escala alguém para um papel de protagonista num drama deste porte, é preciso dar uma chance ao trabalho resultante. Não faz diferença se esse alguém faz parte da minha galeria de "passa-reto", da qual Orlando Bloom faz parte.
Balian (Bloom) é um ferreiro desiludido que, após perder a mulher e o filho, recebe a visita surpresa do pai que nunca conhecera, um rico e importante cruzado (Liam Neeson), que implora por seu perdão e pede que ele o acompanhe até Jerusalém. Relutante, as circunstâncias acabam fazendo com Balian siga o pai, vindo em algum ponto do caminho a substituí-lo e ser introduzido na sociedade de Jerusalém. A paz entre cristãos e muçulmanos, há anos mantida com sabedoria pelo rei leproso Baldwin (Edward Norton), é ameaçada por Guy de Lusignan (Marton Csokas), marido da princesa e irmã do rei Sybilla (Eva Green), um sanguinário guerreiro que quer a todo custo exterminar os muçulmanos que vivem na região. Contando com poucos aliados, como o conselheiro Tiberias (Jeremy Irons), Balian acaba sendo testemunha da terrível ascensão de Guy de Lusignan e do inevitável conflito com o rei muçulmano Saladin (Ghassan Massoud), terminando por liderar a única defesa contra um imbatível exército que deseja destruir Jerusalém.
Desde a introdução dos personagens, passando pela transformação gradual do ferreiro Balian num destemido cavaleiro, até a batalha final, Cruzada exala apuro técnico em função de uma história bem contada, que faz boas escolhas ao longo de seu desenvolvimento. Mesmo que o personagem principal seja o ferreiro feito por Orlando Bloom, o roteiro não deixa de lado os muçulmanos ao relatar os conflitos que cercam a cidade sagrada de Jerusalém. Tão nobre quanto o rei cristão que esconde a lepra por trás de uma máscara, o muçulmano Saladin é um exemplo de governante sensato e justo. Assim como seu oponente é cercado por conselheiros que enxergam apenas a supremacia cristã, ele próprio sofre da má influência de alguns de seus pares. A imparcialidade com que o conflito é mostrado consiste num dos maiores trunfos do filme, que neste tema dá um passo para trás e enfoca a religião através da visão que dela têm os homens mais poderosos da história. Nesse sentido, a fé, a devoção e a visão deturpada do significado de Jerusalém encontram uma representação que, se não é perfeita, é extremamente adequada, principalmente quando comparada a todo o atual conflito na região do Oriente Médio. A motivação do personagem principal (a expiração de seus pecados) e a mensagem geral do filme terminam por atribuir à obra um status de razoável nobreza, sem que isso seja exagerado ou piegas demais.
Visualmente, Ridley Scott é um diretor quase imbatível, capaz de dar vida ao mais absurdo devaneio escapista concebido por qualquer roteirista maluco. Sua marca e seu estilo transparecem em Cruzada em cada centímetro de filme, dando a chance perfeita para Bloom mostrar que não passa de um cara sortudo demais. Há de se convir que o trabalho do ator é facilitado pelo excelente design de produção, que ele está cercado por nomes experientes como Jeremy Irons e Edward Norton, e que seu personagem inspira empatia quase instantânea junto à platéia. Ele não compromete seu trabalho e não há muito o que reclamar da 'substância' dramática que a história carrega mas, ainda assim, continuo a esperar algo dele que justifique o hype. Para o seu bem e de todo o filme, o pulso firme de Ridley Scott manteve tudo na linha e, por exemplo, corretamente limou as seqüências mais quentes do romance entre Bloom e Eva Green em nome da fluidez da história. Esta, por sua vez, foi levemente 'baseada' em personagens reais.
Comparações com a outra obra épica do diretor (Gladiador, de 2000) são inevitáveis. Cruzada mantém a qualidade da ambientação de época de seu antecessor e se apóia bastante nas lutas e batalhas, mas parte de uma escolha histórica um pouco mais parecida com outra obra de Scott, Falcão Negro em Perigo: trata-se de um momento crítico num conflito de proporções consideráveis. Gladiador ganha por pouco no quesito técnico (principalmente devido à escala da história), mas o roteiro e os personagens de Cruzada soam mais completos, reais e bem caracterizados.
Texto postado por Kollision em 8/Maio/2005