Criar um ser à própria imagem e semelhança sempre foi uma das maiores obsessões da humanidade, e isso não é de hoje. Desde tempos imemoriais, histórias que ascenderam a lendas contam as trajetórias de homens, notadamente feiticeiros e alquimistas, que tentaram realizar o feito. A lenda do ser de barro que ganha vida tem raízes no seio judeu da Europa antiga, mais especificamente na região da cidade de Praga. É um mito bastante difundido nas comunidades judaicas, que no entanto viria a inspirar histórias hoje inegavelmente mais famosas, como o romance de horror Frankenstein, escrito por Mary Shelley no século 19 e transformado em filme por James Whale em 1931.
Esta é na realidade a terceira versão filmada pelo cineasta alemão Paul Wegener. A primeira, de 1915, também tinha ênfase no horror e no fantástico, ao passo que a segunda, de 1917, consistia numa espécie de comédia onde o Golem "contracenava" com uma dançarina. A versão de 1920 é a mais famosa, tanto pela qualidade mais caprichada da produção quanto pelo maior número de cópias disponíveis ao público.
O enredo utiliza basicamente as mesmas circunstâncias e muitos dos nomes que constam nas várias versões do mito judaico. Certa noite, o sábio rabino Loew (Albert Steinrück) é iluminado por um presságio dos astros sobre uma iminente ameaça ao povo judeu. Quando o cerco se fecha e o imperador emite um decreto contra seu povo, Loew coloca em prática seus conhecimentos arcanos, invoca o demônio e dá vida ao Golem (papel do próprio Paul Wegener), um ser de barro cujo propósito primordial é defender os judeus contra os agressores. As coisas saem do controle quando sua filha (Lyda Salmonova) se envolve com o mensageiro do imperador (Lothar Müthel) e provoca os ciúmes de seu assistente (Max Kronert), que acaba por liberar a fúria do Golem sobre a pequena vila.
Uma das características mais perceptíveis neste clássico da era muda é a cinematografia oniricamente eficiente de Karl Freund, diretor de fotografia que emigraria mais tarde para os EUA e lá participaria da concepção de clássicos como Drácula (Tod Browning, 1931). Há até mesmo o uso de efeitos especiais (chamas em movimento em pleno ar, aparições de demônios, fusão de imagens) que, para a época, são de uma competência impressionante. Os cenários que se tornariam parte da essência do cinema expressionista alemão também saltam aos olhos, além de caprichados valores de produção que se refletem principalmente nos figurinos espalhafatosos do elenco.
Muitos clamam ser este o primeiro filme de monstro que sobrevive até hoje, o que deve ser provavelmente verdade. A fluidez que Paul Wegener dá à sua história é muito boa, refletindo o bom trabalho de edição das imagens em preto-e-branco, mas os vícios da própria linguagem cinematográfica da época e as gracinhas cômicas dos personagens secundários tiram boa parte do impacto que essa produção de terror poderia ter tido. Devido aos trejeitos efeminados, por exemplo, o cavaleiro mensageiro Florian só é capaz de provocar risadas. Apesar disso, as semelhanças entre a história do Golem e a do Frankenstein de James Whale são assombrosas. Obviamente, a caracterização da criatura de barro e seu apelo macabro não foram capazes de resistir ao tempo, ao contrário do que aconteceu à sua contraparte americana.
Os extras indecentes se resumem a uma mini-biografia de Paul Wegener, duas fotos da produção e três pôsteres de outros filmes da época. O DVD faz parte do pacote "Expressionismo Alemão", que contém ainda O Gabinete do Dr. Caligari, Nosferatu, A Última Gargalhada e Fausto.
Texto postado por Kollision em 21/Novembro/2005