O ano era 1931, e o cinema falado dava seus primeiros passos ao redor do mundo. As pessoas que tinham o privilégio de ir a uma sessão de cinema podiam então apreciar não só a técnica da imagem em movimento, mas também o som de saía das bocas dos atores, algo que adicionava uma nova dimensão a uma forma de arte que ainda engatinhava apesar da genialidade de criadores como Charles Chaplin, F. W. Murnau ou Fritz Lang. As possibilidades eram então incalculáveis, e filmes dos mais variados gêneros começavam a ser produzidos com o advento do som. Porém, não há nenhuma dúvida de que algumas das obras deste período mais lembradas por fãs são os filmes de terror, que encontraram um nicho muito lucrativo nos estúdios Universal. Dessa safra é o clássico Frankenstein, feito no mesmo ano que o concorrente Drácula.
Baseado no romance macabro homônimo de Mary Shelley, Frankenstein é a história de um monstro profano, concebido por um cientista que atinge as raias da loucura em seu desejo de criar vida a partir de tecidos humanos inanimados. O cientista é Henry Frankenstein (Colin Clive), e o monstro é o papel que lançou o grandalhão Boris Karloff à fama instantânea. Sem nome, a monstruosidade recebe implicitamente a alcunha de seu criador, e desencadeia as mais variadas conseqüências assim que o primeiro sopro de vida percorre seu corpo costurado a partir de pedaços de cadáveres roubados do cemitério local, em algum lugar pitoresco do interior da Alemanha.
Assim como todos os outros filmes da época cujos temas envolviam o macabro, Frankenstein sofreu com a censura, que se preocupava com o nível de "horror" que seria levado às telas e sua conseqüência sobre a platéia. O prólogo declamado pelo austero Edward Van Sloan, que aqui faz o mentor do cientista louco, já conclama os mais fracos do coração a desistirem de assistir ao filme. Na época isso devia ter lá seu fundamento, hoje representa nada mais que uma curiosidade que enriquece a aura onírica do filme, que foi nitidamente influenciado pelo expressionismo alemão. Os excelentes cenários, aliados à fotografia em preto-e-branco, viriam a nortear a concepção artística de inúmeras produções do gênero pelo resto do século, e a cena clássica da criação do monstro dificilmente sairá da cabeça da platéia, com as célebres sentenças proferidas por Colin Clive (It's alive! It's alive! Now I know what it feels like to be God!) e toda aquela parafernália inspirada por laboratórios de ensaios de alta tensão.
Boris Karloff tem uma performance excelente como o monstro, e é capaz de causar tanto repulsa quanto pena. Os cortes sucessivos orquestrados pela câmera de James Whale na cena da primeira aparição do monstro, focando seu rosto costurado em close, ainda hoje são capazes de despertar uma leve sensação de desconforto e, por que não dizer, medo. Da maquiagem clássica que Jack Pierce criou, pode-se dizer sem exageros que ali nasceu um ícone cultural do século XX. A ausência de trilha sonora (que só aparece nos créditos iniciais e finais do filme, e também numa cena de comemoração na vila do barão Frankenstein) é uma característica de um cinema em transição do "mudo" para o "falado", e não chega a fazer falta em vista da atmosfera oniricamente opressiva da maior parte do filme.
Mudar o nome do cientista de Victor para Henry Frankenstein é a menor das mudanças da película em relação ao livro. Enquanto na literatura o monstro desenvolve a fala e chega a travar conversas de alto nível com seu criador, no cinema ele se limita a emitir grunhidos desconexos. O final, apesar de apropriado como clímax, é completamente diferente do concebido pela jovem Mary Shelley. Mesmo com todas as diferenças de transposição, Frankenstein tem uma narrativa mais fluida e eficiente que o contemporâneo Drácula, que no entanto manteve uma fidelidade maior à obra original. Pelo menos entre os fãs, de imediato surgiu uma natural rivalidade entre Boris Karloff e Bela Lugosi, intérprete do famoso vampiro, rivalidade esta que perdura até os dias de hoje. Karloff mostrou-se em vida um ator mais versátil, mas ironicamente perde para Lugosi em popularidade junto aos fãs do gênero.
O filme foi seguido por várias continuações, dentre elas o superior e inigualável A Noiva de Frankenstein, também dirigido por James Whale quatro anos mais tarde. Karloff seguiria seu recém-inaugurado período como ídolo do cinema de horror interpretando outros monstros (como em A Múmia, de 1932), a maioria deles ainda dentro dos estúdios da Universal.
Na seção de extras do DVD há um excelente especial de 45 minutos sobre o filme, além de uma galeria de fotos animada de 10 min., trailer e o curta humorístico Boo!, uma espécie de colagem engraçadinha de vários filmes de terror da época, em particular Nosferatu (Murnau, 1922) e Frankenstein.
Texto postado por Kollision em 4/Fevereiro/2005