Cinema

O Aviador

O Aviador
Título original: The Aviator
Ano: 2004
País: Alemanha, Estados Unidos, Japão
Duração: 170 min.
Gênero: Drama
Diretor: Martin Scorsese (Os Infiltrados, Ilha do Medo, A Invenção de Hugo Cabret)
Trilha Sonora: Howard Shore (Marcas da Violência, Mimzy - A Chave do Universo, Senhores do Crime)
Elenco: Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, Kate Beckinsale, John C. Reilly, Alec Baldwin, Alan Alda, Ian Holm, Danny Huston, Gwen Stefani, Jude Law, Adam Scott, Matt Ross, Kelli Garner, Frances Conroy, Brent Spiner, Stanley DeSantis, Edward Herrmann, Willem Dafoe, Kenneth Welsh, J.C. MacKenzie
Avaliação: 9

Ao evitar dirigir o terceiro filme seguido sobre uma personalidade real (O Informante, de 1999, e Ali, de 2003), Michael Mann entregou as rédeas da adaptação sobre a vida do bilionário Howard Hughes para o chapa Martin Scorsese, contentando-se com a cadeira de produtor. Scorsese, reconhecidamente um dos melhores diretores de nosso tempo, soube aproveitar a oportunidade e mergulhou a fundo na história de uma das personalidades mais extremas do século XX, com a ajuda de seu novo alter-ego Leonardo DiCaprio (astro do filme anterior do diretor, Gangues de Nova York). A empreitada de diretor e equipe resultou num belíssimo filme de quase três horas de duração, repleto de passagens marcantes e retratos fiéis das indústrias da aviação e do cinema, os principais interesses do bilionário no período de sua vida iluminado pelos holofotes de Scorsese.

Como um corte da vida de uma pessoa, O Aviador retrata um trecho específico da vida de Howard Hughes, o jovem que herdara uma herança de bilhões de seus falecidos pais aos 18 anos de idade. O filme se inicia em meio à balbúrdia da filmagem do hoje clássico épico de aviões Hell's Angels no final dos anos 20. O filme fez genuíno e merecido sucesso, mas seu arrecadamento nunca chegou a cobrir o exorbitante custo (para a época) de quase 4 milhões de dólares. A seguir, a história acompanha a vida de Hughes até pouco antes da década de 50, quando seus problemas de saúde adquiriram um papel cada vez mais intenso em sua vida pessoal e profissional. No percurso, o bilionário flerta com a fama cinematográfica a duras penas, namora estrelas de cinema, bate recordes de vôo, funda um empresa de aviação, bate de frente com o monopólio desta indústria, discute com políticos corruptos e luta contra as próprias manias, cujo impacto aumenta assustadoramente à medida que o filme de aproxima do fim. A síndrome de TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) era o seu lado negro, numa época em que a doença era praticamente ignorada pelo meio médico e suas vítimas sofriam em quase absoluto silêncio. Responsável por algumas das mais tensas seqüências do filme, a doença é mostrada como a causa primordial da queda de Hughes (o que corresponde à verdade), muito embora esta queda não chegue a ser mostrada em toda a sua plenitude.

O Aviador é impecavelmente filmado, iluminado e renderizado de acordo com os estilos de fotografia cinematográfica que eram realizados nas diferentes épocas em que se passa o filme. O glamour da era áurea de Hollywood ganha uma transposição luxuosa, fazendo a alegria dos cinéfilos aficcionados pela época. Jean Harlow (Gwen Stefani, a vocalista da banda de ska No Doubt), Katharine Hepburn (Cate Blanchett), Ava Gardner (Kate Beckinsale) e Errol Flynn (Jude Law) são as personalidades mais facilmente reconhecíveis. Blanchett tem a maior participação como coadjuvante, e brilha ao capturar os maneirismos da estrela que gostava de se vestir à moda masculina, apesar de não ser tão bonita quanto a sua personagem na vida real. Por outro lado, Kate Beckinsale está atordoante de tão linda, mas não tem muito espaço para demonstrar uma maior envergadura em sua performance.

A maior paixão de Hughes, a aviação, responde pela cena mais violenta do longa, um dos vários acidentes pelo qual ele passou em sua carreira de piloto. De certa forma, é a partir deste ponto que as manias do bilionário começam a tomar maior vulto, levando-o ao cúmulo de se isolar num quarto durante algum tempo, no que foi seu primeiro colapso mental. É neste estado deplorável, por exemplo, que ele tem que se defrontar com seu concorrente da PanAm (Alec Baldwin), tendo pela frente ainda a ameaça do corrupto senador feito por Alan Alda. A esta altura do filme, fica então evidente a única deficiência de Leonardo DiCaprio ao interpretar Howard Hughes. A sua voz ainda soa adolescente demais, incapaz de dar vazão à amargura de um homem de meia idade de forma convincente.

É difícil aceitar facilmente a opção de Scorsese de interromper abruptamente a saga do bilionário cineasta e aviador num momento de lucidez, ainda que marcado pela sombra da doença. Se alguns subtemas tivessem sido encurtados um pouco seria possível mostrar, por exemplo, que Hughes comprou a RKO Radio Pictures em 1948 e quase levou-a à falência com seu estilo errático de gerenciamento. Houve ainda um casamento de verdade, um provável envolvimento com Nixon e o caso Watergate, e cerca de vinte anos de reclusão absoluta, com nenhuma aparição pública até a sua triste morte. Do jeito que está, e sendo baseado (com alguma liberdade, claro) em fatos reais, O Aviador entrega o que promete: a classe de Martin Scorsese atrás das câmeras a serviço da sensacional trajetória de um homem que parecia não conhecer limites.

Texto postado por Kollision em 23/Fevereiro/2005