O título um tanto enigmático deste filme diz respeito a uma teoria que um médico de Massachusetts lançou no início do século XX, dizendo que o peso da alma de uma pessoa podia ser mensurado durante o momento de sua morte e equivalia a exatamente 21 gramas, valor encontrado em experimentos não muito bem aceitos pela comunidade médica. Eis um artifício um tanto original para batizar uma obra que vem a ser um olhar estrangeiro sobre personagens tipicamente americanos, sob a batuta de um diretor de língua espanhola tendo à disposição um fantástico elenco em sua melhor forma. Isso é 21 Gramas, drama pungente e de edição ousada que joga o espectador num pesadelo quase insustentável envolvendo alguns dos aspectos mais fortes da natureza humana.
O filme consiste do drama resultante de um evento de ruptura na vida de três pessoas: um ex-presidiário que tornou-se um cristão fervoroso (Benicio Del Toro), uma dona de casa casada e com duas filhas (Naomi Watts) e um professor de matemática com sérios problemas de saúde e pouco tempo de vida (Sean Penn). O tal evento é desencadeado por um deles, provocando o entrelaçamento de suas vidas de tal forma que sofrimento, culpa, gratidão, amor, vingança e ódio se misturam num mosaico de impacto catastrófico na vida de todos.
Há um aspecto de intimidade junto aos personagens que parece transparecer com maior intensidade durante toda a película, e isso se deve principalmente ao uso quase abusivo de câmera na mão (handheld). A fotografia muda de tom várias vezes, da mesma forma como mudam os ambientes e as emoções dos protagonistas, vislumbradas e entrecortadas entre si devido à opção da estética de 'quebra-cabeças' que o filme adota logo em suas primeiras seqüências. A sensação de desorientação é meio desconfortável no início, mas as interpretações são tão fortes que dificultam qualquer desatenção por parte da platéia. Quando menos se espera, a história começa a fazer sentido e pedaços que faltam ou que só ficaram subentendidos em situações anteriores emergem para provocar ainda mais o espectador. O recurso é usado aqui e ali, acentuando principalmente a sensação de sofrimento pela qual passa a personagem de Naomi Watts. A moça, em um papel com nuances tão ou mais fortes que aquele que a tornou mundialmente famosa (a atriz sonhadora de Cidade dos Sonhos, de David Lynch), concorreu ao Oscar de melhor atriz com honra.
21 Gramas pode também ser definido como um retrato amargo de seres humanos em conflito, dotado de uma vasta gama de significados que se sobrepõem sempre que algo novo sobre seus personagens principais é revelado. Todos têm falhas de caráter ou já fizeram algo vergonhoso em seu passado, e todos são guiados pelas mais sinceras emoções que o ser humano é capaz de vivenciar. O problema é que nem sempre os resultados de suas ações conduzem à tão desejada redenção, algo que por vezes parece simplesmente inalcançável. O peso que o devoto de Cristo feito por Benicio Del Toro (por muito pouco, o melhor desempenho de todo o elenco) carrega nos ombros é esmagador, e um dos méritos do diretor Iñárritu, dentre muitos outros, é comunicar essa sensação de forma intensa (basta uma pergunta de sua filha para destruir um castelo de cartas que há muito ruiu), multidimensional (em certo ponto, não dá para encarar o sofrimento isolado de um deles sem pensar nos outros dois) e, em última instância, recompensadora (o clímax explosivo e a mensagem da catarse subseqüente).
É uma pena que um filme tão bom tenha recebido uma edição em DVD tão pobre, que não contém um extra sequer.
Texto postado por Kollision em 30/Junho/2005