Revisto em DVD em 17-ABR-2008, Quinta-feira
Obra-prima moderna do surrealismo que melhora a cada revisão, este filme é a culminação de todas as qualidades de David Lynch como cineasta. Num nível espetacular de envolvimento, Lynch suga o espectador numa jornada de descobrimento quando uma atriz ingênua (Naomi Watts) chega a Los Angeles para realizar seus sonhos e conhece uma beldade desmemoriada (Laura Harring), passando a ajudá-la a descobrir quem é e porque ela leva consigo uma bolsa carregada de dinheiro. Mas nem tudo é o que parece. A trilha sonora de Angelo Badalamenti, colaborador habitual de Lynch, é simplesmente fantástica, e amplifica a tensão e a atmosfera de deslocamento surreal de tudo o que se passa na tela. Laura Harring é um espetáculo de mulher, mas é Naomi Watts quem arrasa em sua performance, justificando completamente o sucesso um pouco tardio do qual ela passou a desfrutar depois que fez este trabalho.
Pouco importa o fato de que este filme deveria ter sido na verdade uma série, que teria sido cancelada na última hora e reeditada como um longa-metragem (o que fica evidente devido a inserções narrativas como a do rapaz com ataque de nervos na lanchonete). Esse é provalmente um dos maiores exemplos de que há males que vêm para bem no mundo do cinema. O resultado ficou perfeito: um enigma para muitos indecifrável, ou uma bagunça extensa que não faz sentido algum? Faz sentido sim, digo eu. Ou pelo menos faz um pouco mais de sentido a cada nova revisão. Eu, por exemplo, já tenho uma interpretação pessoal dos fatos – deveras simplória – mas que pode ser lida clicando-se [spoilers à vista] aquiCidade dos Sonhos é um filme que deve ser assistido com a percepção à flor da pele e atenção redobrada aos mais mínimos detalhes. Como na abertura, por exemplo. A seqüência de dança ao ritmo dos anos 60 culmina num dissolve que mostra a personagem de Naomi Watts sorrindo em êxtase ao lado dos dois velhinhos misteriosos. A seguir, um pan conduz a câmera até o que parece ser uma cama, ou um corpo: justamente o corpo de Diane Selwyn, ou Betty, vivida por Naomi Watts, que está morta. Todo o primeiro trecho do filme, até o momento em que Rita olha para dentro da caixa azul, é um devaneio de Diane, cuja obsessão pela amante a levou a matá-la e a se consumir em culpa, numa tragédia que culmina com sua loucura e posterior suicídio, mostrado de forma perturbadora no final do filme. Tal qual nossos sonhos, a narrativa na primeira hora e meia é uma alegoria erguida com base naquilo que vimos e vivenciamos, o que nem sempre faz sentido mas é quase exatamente aquilo que desejamos que aconteça. Embutida em tudo isso está uma crítica mordaz à indústria do cinema, particularmente Hollywood, que pode ser nada menos que um monstro que destrói sonhos numa freqüência exponencialmente maior que aquela com que constrói mitos.
O DVD possui como extras biografias e entrevistas curtas com o diretor e o elenco principal, seis minutos de cenas de bastidores, trailer e também os trailers de Amores Brutos, O Hotel de um Milhão de Dólares e Réquiem para um Sonho.