Da Vida das Marionetes (Ingmar Bergman, 1980)
Com: Robert Atzorn, Christine Buchegger, Martin Benrath, Walter Schmidinger, Rita Russek
Bergman filmou Da Vida das Marionetes para a TV enquanto estava fugido da Suécia e temporariamente vivendo na Alemanha. Dentro do universo bergmaniano, o filme encontra lugar como um spin-off de Cenas de um Casamento, já que seus protagonistas haviam aparecido antes na obra-prima de 1973 (um spin-off de Ingmar Bergman, olhem só!). O centro da história é Peter (Robert Atzorn), um homem atormentado que inexplicavelmente assassina uma prostituta. Várias cenas que se passam antes e depois do assassinato são então mostradas, no que deveria ser a base para a elucidação dos motivos que o levaram a cometer o crime. Infelizmente, como se trata de Bergman, as respostas estão longe de serem óbvias. O relacionamento de Peter com a esposa Katarina (Christine Buchegger) é marcado pela onda de liberalidade que corria solta na década de 70, com arestas e sutilezas que me não me agradaram muito. A impressão que tive é que praticamente todos os personagens periféricos falam e discorrem sobre muita coisa, menos sobre o que mais importa para o espectador e para a história. O filme é todo em preto-e-branco porém o prólogo e o epílogo são mostrados em cores, provavelmente delineando um paralelo temático em relação à natureza errática do protagonista, um homem cujo sofrimento psicológico jamais chega a ser completamente elucidado.
A Teoria do Amor (Fred Schepisi, 1994)
Com: Walter Matthau, Meg Ryan, Tim Robbins, Stephen Fry, Lou Jacobi
A intenção é ótima, e o tema tinha tudo para render uma comédia romântica bombástica. A verdade é que Meg Ryan se saiu muito bem como uma cirurgiã em Cidade dos Anjos (Brad Silberling, 1998), mas aqui é praticamente impossível acreditar em sua performance como uma matemática brilhante, sobrinha de um então bem velhinho Albert Einstein (Walter Matthau, como sempre ótimo). Quando um humilde mecânico de automóveis (Tim Robbins) surge perdidamente apaixonado por ela, o cientista decide ajudá-lo a conquistá-la de qualquer jeito, evitando que ela tenha um casamento infeliz com um psiquiatra almofadinha (Stephen Fry). O desejo que o roteiro tem de encantar passa do ponto e fere a credibilidade da história, o que faz com que Tim Robbins fique visivelmente desconfortável em seu papel. Ainda bem que Matthau está em cena, salvando o filme de cair completamente no lugar comum com sua representação brincalhona do gênio da física. Como no geral o elenco é bem simpático, a impressão que fica é que A Teoria do Amor é melhor do que realmente é.
Akutoku No Sakae (Akio Jissoji, 1988)
Com: Yasumi Hara, Seiran Li, Renji Ishibashi, Kimiaki Makino, Kôji Shimizu
A.K.A. Marquis de Sade's Prosperities of Vice – Após o fim da onda do roman porno japonês, uma nova série de filmes começou a surgir de produtoras como os estúdios Nikkatsu. Prosperities of Vice faz parte dessa nova safra. O prólogo deixa bem claro que a inspiração para tudo na história é o trabalho do infame Marquês de Sade, em especial a história da dicotomia entre as personagens Justine e Juliette. Eis aí a primeira dificuldade para se conectar ao filme: quem não conhece nada de Sade vai ficar perdido com as referências e os diálogos, que praticamente assumem uma intimidade prévia da plateia. A segunda dificuldade é o modo como o diretor Akio Jissoji conduz a sua "trama", num caleidoscópio lynchiano que funde realidade, teatro e ficção na trajetória do diretor (Yasumi Hara) de um teatro onde todos os atores e atrizes são ex-criminosos. No papel da devassa Juliette, sua esposa (Seiran Li) é a estrela do espetáculo. Disposto a dar vazão às suas próprias taras, o cara a envolve num romance com outro ator, numa situação que evolui de forma desastrosa e acaba descambando em assassinato. Existe valor no virtuosismo técnico da direção, mas isso não é suficiente para suportar a atmosfera surreal incitada pela série de sequencias de difícil coesão narrativa. Também não ajuda o fato da nudez ser ínfima, da atriz principal não ser lá essas coisas e do restante do elenco feminino ser praticamente desprezado.
A Verdade Nua e Crua (Robert Luketic, 2009)
Com: Katherine Heigl, Gerard Butler, Nick Searcy, Bree Turner, Eric Winter
Além da fórmula clássica que define a comédia romântica norte-americana, que está no tutano de A Verdade Nua e Crua e não dá espaço algum a qualquer requinte de originalidade, uma das tendências que têm surgido nos trabalhos mais recentes e que aparece aqui com força total é a do mau-caráter que se regenera e descobre o amor na reta final do filme (outro exemplo é Amigos, Amigos, Mulheres à Parte). O mau-caráter da vez é Gerard Butler (em franca e vertiginosa ascensão), um apresentador de TV desbocado que é contratado por uma emissora para alavancar os índices de audiência e bate de frente com a produtora feita por Katherine Heigl. Ele é um pretenso entendedor de relacionamentos, e aceita o desafio de ajudar sua nova chefe a conquistar o pretendente a namorado. Sabendo de antemão que o nível verbal dos diálogos não é dos mais puritanos, é possível se divertir com uma ou outra passagem da história. O problema é que do meio pra frente o filme entra numa espiral de clichês que chega a assustar, numa situação oposta ao do superior trabalho de Howard Deutch que mencionei mais acima. Uma coisa, pelo menos, é certa: Butler tem carisma e colabora mais que sua parceira de cena para que o filme seja pelo menos agradável.
Alta Fidelidade (Stephen Frears, 2000)
Com: John Cusack, Iben Hjejle, Jack Black, Todd Louiso, Catherine Zeta-Jones
Todo mundo sabe que, às vezes, revisões podem fazer com que um filme suba bastante no nosso conceito. Talvez seja por estarmos mais maduros na segunda vez, sei lá, mas Alta Fidelidade ganhou uma nova dimensão agora que o assisti de novo. Ainda que seja um longa-metragem leve e assumidamente despretensioso, desta vez não pude deixar de notar a riqueza existente abaixo da superfície pop - o tipo de material com o qual nos identificamos em vários níveis, sejam eles pessoais, artísticos ou profissionais. A história é bem simples, e termina exatamente como começa, com o protagonista (John Cusack) dirigindo-se diretamente ao espectador em seu apartamento. Dono de uma loja de discos onde trabalham dois nerds (Todd Louiso e Jack Black, este último meio que ensaiando seu futuro papel em Escola do Rock), o cara leva um monumental pé-na-bunda da namorada (Iben Hjejle) e perde o rumo completamente. Ele se lança numa jornada de recordações sobre as cinco maiores desilusões amorosas da sua vida, reencontrando as ex-namoradas para descobrir porque elas sempre o abandonam, tudo isso entremeado com muitas referências ao universo da música e algumas boas viagens mentais. Stephen Frears acerta a mão ao incorporar um estilo que remete levemente a um Woody Allen menos verborrágico.
Falando Grego (Donald Petrie, 2009)
Com: Nia Vardalos, Richard Dreyfuss, Alexis Georgoulis, Alistair McGowan, Harland Williams
Eu jamais consegui entender o que havia de tão especial em Casamento Grego. É por isso que eu não tinha expectativa alguma com relação a Falando Grego, já que tudo na divulgação do filme dava a entender que teríamos mais do mesmo. Além disso, a associação de Nia Vardalos com a Grécia já tinha me enchido o saco.
Bem, não sei se foi a ausência de expectativas ou mesmo um mérito dos realizadores, mas o filme não foi nada desastroso. A ideia que o material de divulgação passa é errada e depreciativa, para dizer o mínimo, e o primeiro sinal de que isso é verdade vem com o crédito de Donald Petrie como diretor, um cara que tem pelo menos uma ou duas ótimas comédias no currículo. Enfim, Falando Grego é o conto leve e descompromissado de uma historiadora greco-americana altamente qualificada (Nia Vardalos) que aceita um trabalho temporário como guia turística na Grécia. Infeliz e estressada, ela é pressionada pela chefe e sacaneada sistematicamente por um colega de trabalho, até o dia em que a trupe mais desajustada e eclética de turistas (incluindo Richard Dreyfuss) cai em sua mão, juntamente com um motorista que mais parece um homem das cavernas (Alexis Georgoulis). Ao invés de tentar rechaçá-los, o filme abraça os estereótipos com força para entregar um feel good movie carregado de clichês, mas executado de forma bem simpática. É inegável que Nia Vardalos tem um sorriso e uma presença contagiantes, mas acho que já está na hora dela parar com as associações gregas por um tempo.
Distúrbio Fatal (Simon Rumley, 2006)
Com: Leo Bill, Roger Lloyd-Pack, Kate Fahy, Sarah Ball, Neil Conrich
Num casarão enorme e caindo aos pedaços vivem um lorde caído em desgraça (Roger Lloyd-Pack), sua esposa doente (Kate Fahy) e o filho adolescente deficiente mental (Leo Bill). O garoto se entope de medicamentos e, além de sofrer muito com sua condição, é visivelmente ignorado pelo pai. Quando este sai em viagem, o rapaz decide rechaçar as aproximações da enfermeira encarregada para finalmente ser o "homem da casa" e cuidar sozinho da mãe, o que a seu ver deixará o pai orgulhoso. O problema é que ele mal pode cuidar de si, o que descamba para uma situação insustentável de cárcere familiar. O estabelecimento do clima na primeira metade deste pequeno filme é um primor de suspense, com uma atuação ótima dos atores que fazem o rapaz e a mãe. Quando chega o primeiro clímax, no entanto, o baque só não vai pegar desprevenido aqueles que são mais ou menos escolados nos trabalhos de cineastas como David Lynch. Alucinações e associações temporais diversas envolvendo os personagens criam um nó narrativo-surreal difícil de ser desatado. Há detalhes que incomodam dentro da realidade claustrofóbica do filme, como o fato de não haver mais ninguém para cuidar dos afazeres do casarão (o que esse pessoal come, será que só vivem de pílulas?). É possível traçar uma interpretação simplista a partir das cenas que abrem e encerram o filme, mas aí fica fácil demais. O importante é que fãs de Lynch com mente aberta vão gostar do material, os demais nem precisam se dar ao trabalho.
Distrito 9 (Neill Blomkamp, 2009)
Com: Sharlto Copley, Vanessa Haywood, David James, Louis Minnaar, Vittorio Leonardi
Uma espaçonave alienígena desce à Terra e paira permanentemente sobre a cidade de Johannesburgo, capital da África do Sul. Quando os militares decidem invadi-la para verem o que há dentro, encontram uma população moribunda de aliens humanóides com aspecto de inseto. Eles são retirados e levados a terra firme, desenvolvendo com o tempo uma sociedade alienígena que convive lado a lado com os humanos numa espécie de favela decadente, o tal Distrito 9. Passam-se 20 anos e a situação no gueto dos extra-terrestres atinge uma condição insustentável. Eis que um executivo almoxadinha (Sharlto Copley) recebe a missão de liderar uma força-tarefa para realocar os "grilos", como são pejorativamente chamadas as criaturas, para um alojamento num lugar remoto.
A força deste trabalho fantástico reside no tratamento semi-documental dado à história e no design de produção ousado e ao mesmo tempo enxuto. O resultado é um realismo cavalar, apoiado ainda no ótimo trabalho de CGI usado para dar vida aos alienígenas. Como ficção científica o enfoque é dos mais originais, e a história evolui em seu desfecho para um ótimo filme de ação que não desabona em nada as ideias suscitadas pelo longa, que toca em feridas universais da sociedade humana e a critica com uma ferocidade equivalente à dose de humor negro. Sharlto Copley, o protagonista, faz um trabalho fenomenal, e o mais impressionante é que esse é somente o seu primeiro papel como ator profissional.
Divagações postadas por Edward de 12 a 19 de Outubro de 2009