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Filmes Vistos em Agosto - Parte 1

Nekromantik (Jörg Buttgereit, 1987) 1/10

Com: Daktari Lorenz, Beatrice Manowski, Harald Lundt, Colloseo Schulzendorf, Jörg Buttgereit

Este é com certeza um dos filmes cult mais doentios que já vi. Filmado em Super 8 e mais tarde transferido para 16mm e 36mm, trata-se de uma ode à necrofilia em todas as suas mais abjetas vertentes. A história da rotina de um casal de dementes necrófilos definitivamente não é uma visão para qualquer tipo de pessoa, isso deve ficar bem claro. Afinal, não é todo mundo que assimila tão facilmente a idéia que que tudo não passa de um filme, e que os corpos putrefatos, o sangue e a carnificina são resultados dos esforços hercúleos de uma equipe de amadores provavelmente fanática por O Massacre da Serra Elétrica, malucos para copiar o resultado e o impacto que o filme de 1974 teve no cinema underground. O departamento de maquiagem, por sinal, é o que há de melhor em Nekromantik, que tem a ousadia de se afirmar como um filme de amor para necrófilos (atenção para a grafia e a brincadeira de palavras do título na capa do DVD).

Há cenas realmente capazes de revirar estômagos – isso dito por alguém escolado nesse tipo de coisa, modéstia à parte – que são com certeza bem mais gráficas e impactantes que o abatimento e o esfolamento explícitos de um coelho. O que interessa mesmo em se tratando de cinema, contudo, acaba sendo de um nível sofrível. Além da fotografia horrível em várias cenas, a narrativa e o ritmo são altamente irregulares, com passagens supérfluas e visíveis tentativas de se estabelecer uma atmosfera surrealista, até mesmo querendo atribuir um aspecto de "arte" ao todo. A trilha sonora varia entre o ótimo, como nas cenas de recolhimento dos corpos após o acidente, e o repetitivo irritante, que de 10 em 10 minutos norteia os devaneios psicótico-pútridos do protagonista.

Válido como curiosidade, e como um exemplo do que é possível se fazer com pouquíssimos recursos e muita coisa solta dentro da cabeça.

Mie men can an zhi nie sha (Kai Ming Lai, 1993) 4/10

Com: Lily Chung, Anthony Wong Chau-Sang, Ka-Kui Ho, Hugo Ng, Money Lo

A.K.A. Daughter of Darkness – História esquizofrênica sobre o brutal assassinato de uma família, cuja investigação é liderada por um policial pateta (Anthony Wong, de Conflitos Internos) e cuja principal suspeita acaba sendo a única sobrevivente do massacre (Lily Chung). A classificação de CAT III – ranking da sensura de Hong Kong que denota filmes com elevado conteúdo de violência, nudez, sexo ou blasfêmia – só ajuda a elevar a aura maldita da obra, que em sua primeira metade não passa de uma comédia pastelão típica. O restante do filme corresponde à narração em flashback do crime, que mistura drama, estupro e incesto com toda a violência capaz de justificar o CAT III. Visivelmente mutilado nas cenas de maior impacto, o filme soa como uma experiência incomum ao fazer troça de coisas muito sérias, numa mistura realmente pouco vista de humor e violência.

Duro de Matar 4.0 (Len Wiseman, 2007) 7/10

Com: Bruce Willis, Justin Long, Timothy Olyphant, Maggie Q, Mary Elizabeth Winstead

O ressuscitamento de um dinossauro moderno do cinema de ação + um estilo de direção "Michael Bay" em ON resultam em Duro de Matar 4.0, uma viagem de entretenimento que tem praticamente todos os elementos que fizeram a fama dos três primeiros longas da série, menos o cabelo de John McLane, coisa que Bruce Willis parece não ter feito questão alguma de reaver. Mais uma vez metido num conflito de resolução quase impossível, McLane terá que proteger inocentes enquanto vira e mexe troca mensagens com o terrorista da vez (Timothy Olyphant), numa provocação mútua que inevitavelmente os levará a um confronto cara-a-cara no final. O contraste entre a velha guarda, representada pelo policial quarentão (talvez cinquentão) e a parafernália digital de uma nova era é o brinde que garante um charme a mais ao filme e aos novos coadjuvantes. Que incluem o diretor/escritor nerd Kevin Smith numa participação especialíssima. A adrenalina e as explosões são garantidas, mas coisas fora da realidade como a passagem que envolve a explosão remota de uma usina provocam um coceira incômoda até mesmo nos mais fanáticos por este tipo de filme em particular.

O Operário (Brad Anderson, 2004) 6/10

Com: Christian Bale, Jennifer Jason Leigh, Aitana Sánchez-Gijón, John Sharian, Michael Ironside

Um operador de uma oficina mecânica industrial (Christian Bale) está há mais de um ano sem dormir. Sua aparência decrépita (que o deixa parecido com um esqueleto humano) não chega a incomodá-lo. Só que quando um novo empregado aparece na fábrica, acidentes começam a acontecer e ele passa a sofrer alucinações cada vez piores. As únicas pessoas que parecem manter sua sanidade são uma prostituta (Jennifer Jason Leigh) e a funcionária de uma lanchonete do aeroporto (Aitana Sánchez-Gijón). A imersão de Christian Bale em seu papel é uma coisa não só impressionante, como realmente assustadora. O drama psicológico não tenta se esquivar da idéia inicial de que nada é o que parece ser, e de que o protagonista não passa de um alucinado esquizofrênico. A importância do roteiro reside, portanto, na questão primordial de como e porque ele chegou a tal condição deplorável. O filme é bem-feito e, se não chega a impressionar tanto no aspecto psicológico, serve como uma demonstração superlativa do que significa a dedicação total de um ator ao seu ofício.

Escola de Rock (Richard Linklater, 2003) 7/10

Com: Jack Black, Joan Cusack, Mike White, Joey Gaydos Jr., Miranda Cosgrove

Nas palavras do próprio Richard Linklater (e contrariando-o também), Jack Black está para Escola de Rock como o diabo da Tasmânia está para os desenhos de Chuck Jones. Uma força da natureza na tela, impossível de ser detida, levando a anarquia e a impetuosidade (no bom sentido, claro) por onde quer que passe. Em especial a uma classe de crianças da qual ele acaba de virar professor substituto. Fracassado musicalmente, o cara vê a chance de colocar os talentosos moleques numa banda sob sua liderança, e assim pôr o dedo na cara dos músicos que o chutaram. Os amantes do rock'n'roll não terão do que reclamar. Os demais terão grandes chances de se divertir com mais esta underdog story um pouco fora da realidade, porém pulsante em sua declaração de amor à boa música.

Yeuk Saat (Hin Sing 'Billy' Tang, 1994) 5/10

Com: Lily Chung, Ben Ng, Money Lo, Bobby Yip

A.K.A. Red to Kill – Mais uma maluquice de Hong Kong com a chamativa estampa CAT III. Bem que o roteirista poderia ter dado um jeito menos inepto de conduzir a história até o final absurdamente violento, coisa de deixar muito neguinho impressionado, mesmo com toda a profusão de sangue e tripas do atual cinema ocidental. O motor da história é o diretor de uma escola para jovens com necessidades especiais (modo politicamente correto em "ON"), que incorpora uma personalidade sádica que só pensa em matar e estuprar sempre que vê mulheres vestidas de vermelho. A chegada de uma jovem órfã e retardada (Lily Chung) é o gatilho para sua derrocada.

As cenas melodramáticas que se intercalam às ações do psicopata reviram o estômago pela breguice, mas não incomodam tanto quanto o trecho que se segue ao julgamento do infeliz, na realidade o grande responsável pelo fracasso da suspensão de descrença do filme. Talvez seja uma questão cultural, vai saber... O diretor trata suas cenas de estupro com um senso estético apurado, e acerta grandemente na caracterização da mocinha retardada (a cena do chuveiro é, no mínimo, impactante em sua essência). O assassino, por sua vez, ganha uma interpretação magistral do ator Ben Ng, que passa da complacência filantrópica à psicopatia desenfreada com uma naturalidade brilhantemente incômoda.

Uma coisa é certa, independente dos altos e baixos deste exploitation atípico (o que deve provavelmente ser característica de muitos filmes CAT III, pelo jeito – este é somente o segundo que tenho a chance de ver): vale a pena esperar pelo banho de sangue reservado para a seqüência final! É ela que, sozinha, justifica a nota 5 que eu acredito que o filme mereça.

Nekromantik 2 (Jörg Buttgereit, 1991) 5/10

Com: Monika M., Mark Reeder, Simone Spörl, Lena Braun, Beatrice Manowski

Para a continuação da maluquice chamada Nekromantik, o maluco Jörg Buttgereit tratou de eliminar como sabia a gordura narrativa que infestava o primeiro filme, consciente de que ainda teria que chocar o espectador de alguma forma para manter o interesse em seu universo necrófilo. A melhoria é considerável, principalmente pela troca de sexo do protagonista, agora uma enfermeira (Monika M.) que dá um jeito de escavar o cadáver do alucinado do primeiro filme. Em meio às suas aventuras pútridas, a moça arranja um namorado normal (Mark Reeder) que não demora a suspeitar que algo cheira mal em seu relacionamento. A inversão dos papéis geralmente associados à relação psicopata-vítima nunca teve tanto impacto, o que só fica evidente mesmo no escatológico final (uma inspiração mais do que óbvia para outra psicopata famosa, só que no cinema americano).

Em meio a toda a bizarrice e ao surrealismo forçado de várias passagens, a bonita Monika M. carrega o filme nas costas. Sua personagem ganha até mesmo algum senso de conflito interno, se é que é possível discernir uma idéia de normalidade dentro de algo tão doentio. Há até mesmo um delírio musical dentro da história! E se você achava que a cena do coelho escalpelado no primeiro filme era forte, espere só para ver o que eles aprontam com uma pobre foca neste aqui. É simplesmente de partir o coração, o que só corrobora a idéia de que o trabalho de maquiagem mais bem-feito do mundo num filme de horror jamais superará o horror real que impera em nossa sociedade.

Encurralado (Steven Spielberg, 1971) 9/10

Com: Dennis Weaver, Eddie Firestone, Gene Dynarski, Lucille Benson, Tim Herbert

O primeiro filme dirigido por Steven Spielberg é, ao mesmo tempo, único em sua filmografia, e evoca ainda hoje um senso de urgência que impressiona para uma obra feita para a TV, num esquema de produção que raramente entregava trabalhos com tamanha qualidade. Soma-se a isso a gana de Spielberg em demonstrar que podia fazer algo de respeito, e o resultado é um thriller tenso, muito bem filmado e editado, que carrega sua assinatura de forma inconfundível nos ousados e fluidos movimentos de câmera. Encurralado estava à frente de seu tempo, principalmente no que diz respeito ao tratamento dado ao vilão do filme – uma carreta negra e fumegante que atormenta a vida de um vendedor (Dennis Weaver) através das desérticas estradas do interior dos Estados Unidos – e serviu de embrião para futuros longas de temática parecida (sendo que A Morte Pede Carona é o que mais facilmente vem à mente).

Daikyojû Gappa (Haruyasu Noguchi, 1967) 1/10

Com: Tamio Kawaji, Yôko Yamamoto, Yuji Okada, Koji Wada, Tatsuya Fuji

A.K.A. Gappa - The Triphibian Monsters – Praticamente todos os filmes de monstro japoneses possuem um algo a mais que os diferenciam de suas contra-partes em outras culturas. Godzilla é o mais famoso dos exemplares, mas imitações baratas como esta porcaria, que não passa também de um reaproveitamento indecente da história de King Kong, fazem o favor de destruir um sub-gênero já bastante marginalizado. Primeira e única produção do tipo dos estúdios Nikkatsu, Gappa gira em torno de um filhote de dinossauro encontrado durante uma expedição, que é levado ao Japão e mais tarde atrai a fúria dos papais dinossauro, que em sua procura pelo bebê espalham a destruição por onde passam seja no mar, na terra ou no ar (pensem bem, são monstros trifíbios!). O que acaba completamente com a diversão é a ausência de um único personagem interessante que seja, e o excesso indecente de babaquice sentimentalóide. Além do duelo de nobreza idiota travado entre o cientista e o jornalista, o espectador ainda é obrigado a presenciar uma cena do Gappa pai ensinando o Gappa filho a voar. É de fazer neguinho se remoer na poltrona de desgosto.

Divagações postadas por Kollision entre 5 e 14 de Agosto de 2007