Do pouco que conheço do trabalho de Takeshi Kitano, o cineasta e astro japonês é tido como um diretor que transita entre a contemplação e o entretenimento com a mesma habilidade. Zatoichi foi agraciado com o prêmio principal do Festival de Veneza em 2003, e traz a releitura de uma história já levada às telas no Japão em 1963 e 1989. Kitano foi ousado ao incorporar à estética das aventuras de samurai um senso de humor diferenciado, quase circense, além de uma profusão de jorros de sangue feitos em CGI, que chega a aproximar seu filme da recente escatologia ocidental de um Kill Bill Vol. 1 (Quentin tarantino, 2003), por exemplo.
Em algum lugar do Japão no século XIX, um massagista cego (Takeshi Kitano), na realidade um exímio samurai, chega a um vilarejo e se hospeda na casa de uma senhora (Michiyo Ookusu). Ganhando a vida nos jogos de azar, e apenas suspeito de ser o lendário Zatoichi, ele passa a freqüentar a taverna local, fazendo amizade com o apalermado Shinkichi (Gadarukanaru Taka). O vilarejo é dominado por um chefão local (Ittoku Kishibe) que extorque e aterroriza os camponeses, cujo poderio aumenta ainda mais quando este contrata o habilidoso ronin Hattori (Tadanobu Asano) como guarda-costas. Os caminhos de Zatoichi e Hattori se cruzam quando o massagista faz amizade com duas gueixas (Daigorô Tachibana e Yuuko Daike) que procuram vingança contra os assassinos de sua família.
Herói das antigas dentro da cultura japonesa em geral, Zatoichi é com certeza uma das inspirações para alguns mestres mais modernos do cinema, como o jedi Yoda da série Star Wars ou o Sr. Myagi da série Karatê Kid. Já em idade avançada, sempre andando meio curvado, como uma mosca morta por quem ninguém dá nada, Zatoichi é extraordinariamente consciente do que está acontecendo ao seu redor, e surpreendê-lo é uma tarefa praticamente impossível. A cena de abertura do filme deixa bem claro que sua cegueira é na realidade seu ponto forte, mais ou menos como no caso do Demolidor, herói da Marvel Comics. Seus combates são breves, seus golpes são certeiros e mortais, e qualquer resquício de rasgação de seda ou firulas acrobáticas definitivamente não fazem parte de seu repertório de golpes com a espada. Sob o ponto de vista dinâmico, esta é a principal característica das cenas de ação concebidas por Takeshi Kitano.
O excesso de sangue artificial também é proposital. Diz-se que Kitano exigiu da equipe de efeitos especiais que os jorros de sangue deveriam dar a impressão de flores desabrochando dentro da tela. Felizmente, a artificialidade não soa fora de lugar graças à ótima fotografia do filme, que imprime um tom de contemporaneidade à história de época. A edição é ágil, bastante ocidentalizada em comparação com a idéia que se tem do contemplativo cinema oriental. O ritmo da narrativa sofre um pouco em sua parte final, mas a presença do atrapalhado Shinkichi, que rouba a cena com o principal alívio cômico do filme, ajuda a manter o pique da ação. No final, há duas surpresas reservadas para a platéia, sendo uma delas de cunho apoteoticamente musical, quase surreal, coroando o razoável nível de entretenimento conseguido pelo diretor.
Os extras do DVD consistem de um making-of de 40 minutos e entrevistas curtas com o diretor de fotografia, o designer de produção, a figurinista e o coreógrafo de lutas. Há ainda os trailers de A Vila, Rei Arthur, do documentário Sacred Planet e do lançamento da coleção de filmes produzidos por Jerry Bruckheimer, que são exibidos assim que o DVD é introduzido no aparelho.
Texto postado por Kollision em 11/Agosto/2006