Várias vezes a lenda do rei Arthur e dos cavaleiros da távola redonda foi adaptada para o cinema e para a televisão, sempre tendo como base as mais variadas versões literárias das suas aventuras. Excalibur, de John Boorman, foi de todas as adaptações o expoente mais cinematograficamente bem-sucedido. Esta nova versão, dirigida por Antoine Fuqua (Dia de Treinamento), joga às favas o conceito por trás das lendas em detrimento da "verdadeira" história de um guerreiro chamado Arthur, ao mesmo tempo um escravo, líder e rei.
Quando Roma ainda tinha poderio dentro do continente europeu, os bretões conhecidos como Sarmatians eram um povo sob seu jugo, cujos guerreiros eram tidos como os melhores de todos. Servindo ao exército romano, os cavaleiros Sarmatians liderados pelo lendário Arthur aguardam a liberdade prometida pelo clérigo romano, tendo ainda que realizar uma última missão: resgatar uma família das garras dos saxões, que estão varrendo, pilhando e conquistando toda a Europa em sua inexorável campanha de dominação territorial. Arthur (Clive Owen), Lancelot, Gawain, Galahad, e Tristan, entre outros, terão sua coragem posta à prova no maior desafio de suas vidas, enquanto o próprio Arthur se vê numa encruzilhada devido às suas crenças religiosas e à dúvida envolvendo sua lealdade a Roma. Em meio a tudo isso há ainda a ameaça dos Woads, habitantes da floresta liderados por um enigmático mago chamado Merlin (Stephen Dillane), que ao mesmo tempo podem vir a ser os maiores aliados de Arthur e seus cavaleiros no conflito que se aproxima.
Nada a ver com as lendas que conhecemos, correto? Nada mesmo. Para se ter uma idéia, a espada que Arthur usa parece possuir, sim, força mística. Mas sua gênese é completamente diferente. Não se deve esperar menções heróicas ao nome "Excalibur" de cinco em cinco minutos. Merlin é um aborígene sujo e estranho a Arthur. E Guinevere (Keira Knightley), dando as caras lá pela metade da película, é uma guerreira aborígene que, sim, desperta a libido dos amigos Arthur e Lancelot, mas cuja índole guerreira em nada lembra a Guinevere das lendas.
A verdade é que a platéia tem muito mais chances de se divertir com o filme se ela não conhecer nada sobre a lenda pois, diferenças à parte, Rei Arthur é uma obra até razoável. E o principal motivo disso é o carisma dos personagens, não há sombra de dúvida. Todos os cavaleiros, sem exceção, estão bem caracterizados e transmitem com clareza a sensação de companheirismo inspirada pela liderança lendária de Arthur (formando um time que se assemelha a algo como os X-Men da Antigüidade, vide a cena da batalha sobre o gelo). O que destoa do conjunto são os saxões, vilões que aqui foram retratados de forma estupidamente unidimensional, e o visual escroto de Til Schweiger como o filho do comandante saxão.
Outra característica que pode decepcionar um pouco são as batalhas. Saraivadas de flechas em chamas, campos de batalha envoltos em névoa e amplas tomadas panorâmicas das planícies coalhadas de pelotões em formação de combate são hoje clichês gritantes. Em tempos pós-Coração Valente e O Senhor dos Anéis, as lutas às vezes parecem encenadas demais e sangrentas de menos. Diz-se que algumas das cenas de batalha foram editadas de forma a diminuir a violência, com o objetivo de conseguir uma censura mais branda nos Estados Unidos.
Em suma, Rei Arthur é mais um exemplar do subgênero capa-e-espada que não revoluciona, mas também não sai do lugar-comum. Atesta o carisma de Clive Owen (estranhamente parecido com Nicolas Cage em várias tomadas do filme), astro em franca ascensão que pode vir a ser o próximo James Bond no cinema.
Texto postado por Kollision em 23/Setembro/2004