Uma coisa é preciso admirar em Oliver Stone. Trata-se do diretor com mais peito para encarar transposições controversas de fatos ou das vidas de pessoas reais para as telas do cinema. Trivialidade e entretenimento barato são termos que não combinam com sua filmografia densa, coalhada de dramas, biografias e lampejos de aguçada genialidade crítica. Está aí um cineasta que, mesmo quando enfia os pés pelas mãos, não abre mão de fazê-lo com grandiosidade, como é o caso do inexplicável Alexandre, épico equivocado que ele dirigira em 2004. Assim, independente de qualquer que seja o resultado alcançado por seus filmes, está aí um cara que sempre teve algo a dizer.
Quando o cinema assume o papel de meio de comunicação de uma opinião ou de um ponto de vista sobre algo que realmente aconteceu, ele quase sempre se torna mais do que simples cinema. Muitas vezes tais trabalhos são espinafrados como lixo, a despeito de todas as qualidades técnicas do filme em si, pura e simplesmente devido ao enfoque dado pelo roteiro ou pela direção, ou seja, por fatores de interferência humana responsáveis por determinar a natureza orgânica de um conto moldado na realidade. E, quanto mais conhecido, polêmico ou controverso é o assunto, maior é a probabilidade do filme em questão não agradar à idéia correntemente aceita a respeito do tema.
Stone fez várias escolhas ao levar o projeto de As Duas Torres adiante. A maior delas foi concentrar sua história não nos eventos de importância maior do fatídico 11 de Setembro de 2001 (a queda dos aviões, o desespero em massa dos EUA e do mundo, a catástrofe coletiva de uma nação), e sim no drama particular de dois policiais que sobreviveram à tragédia com muito custo, e assim puderam relatar suas terríveis experiências. Obviamente para alguns (não para mim), Stone poderia ter desenvolvido toda uma estrutura de típico filme-catástrofe com quatro ou cinco personagens-chave que espelhariam o desespero dentro do World Trade Center, o heroísmo em momentos de extremo perigo, a vitória da força de vontade sobre a adversidade. Mas não. A escolha foi feita e, muito embora ela não agrade a muitos (pelo que pude perceber), o diretor é fiel à sua decisão do início ao fim, ao mostrar a rotina mundana de dois policiais se tornar o foco do desespero de duas famílias, dentre as milhares que passaram pelo mesmo tormento naquele mesmo dia.
Talvez fosse melhor se os policiais John (Nicolas Cage) e Will (Michael Peņa) tivessem sido interpretados por completos desconhecidos. A associação equivocada de pompa e grandiosidade com o sofrimento de somente duas famílias, e não de toda uma cidade, teria sido amenizada. Soa frustrante ver Nicolas Cage, herói de filmes de ação, ser posto fora de combate sem sequer ter a chance de ajudar na tragédia. Mas, dizem, é exatamente o que aconteceu ao policial personificado por ele. Assim como é real também o lance do militar reservista (Michael Shannon) que, num impulso divino, saiu de sua casa com a missão de ajudar e acabou encontrando os dois policiais soterrados e semi-mortos sob uma massa disforme de concreto, metal e pó.
A perseverança e o desejo de ajudar o próximo em momentos de tamanha dificuldade é o cerne da mensagem que o filme tenta transmitir. Os dramas das esposas (Maria Bello e Maggie Gyllenhaal) são um complemento humano de peso ao claustrofóbico desespero que toma conta dos policiais soterrados e da platéia, que de repente se percebe diante de um filme sobre uma catástrofe que é ao mesmo tempo diferente e incomum. O drama é pessoal, contido numa realidade de pessoas que nem sequer sabiam o que estavam enfrentando, e representa a perplexidade perante o absurdo da intolerância. Se muitas vidas foram perdidas naquele dia, a idéia de Oliver Stone é celebrar o modo como a humanidade se uniu para superar a tragédia, numa superação representada pelo resgate quase milagroso de duas das vinte pessoas que foram retiradas com vida de debaixo dos escombros das torres que desabaram.
Cinematograficamente falando, o filme é correto. E merece crédito pela coragem intimista com que foi realizado.
Visto no cinema em 15-OUT, Domingo, sala 8 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 20-OUT-2006