São várias as fontes que atestam que o próprio Johnny Cash e a própria June Carter escolheram Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon para vivê-los na adaptação cinematográfica de sua história, enquanto ainda estavam vivos. Além da razoável semelhança física, a talento da dupla de atores sempre foi algo notado por muitos, isso ainda cedo em suas carreiras. O filme, que foi adiado várias vezes devido às esquivas das grandes produtoras de Hollywood, faz jus à primeira metade da vida de Cash, um dos dois únicos músicos a terem a honra de integrarem os três maiores Halls of Fame da música americana. Nem Elvis, do qual ele foi contemporâneo e colega de estrada, foi capaz de tal feito enquanto estava vivo. Talvez nem Cash o tivesse sido, caso tivesse sucumbido às drogas como Elvis o fez.
Nascido J.R. Cash, o personagem central deste filme divide a cena com a principal companheira de sua vida, a também cantora June Carter. O longa não esconde o fato de Cash já ser fascinado pela moça ainda na infância, enquanto ouvia o rádio escondido do pai amargurado (Robert Patrick) pela trágica morte de Jack, seu filho mais velho e grande companheiro do irmão Johnny. A distância entre ele e o pai é retratada como uma constante fonte de tribulações pessoais, que atravessam o período de seu casamento com a bela Vivian (Ginnifer Goodwin), o início da fama ao lado de contemporâneos como Elvis Presley e Jerry Lee Lewis, o auge criativo-destrutivo do período em que viajou e cantou ao lado do amor de sua vida June e o início do resto de sua carreira em companhia da moça.
A abertura do filme fará bastante sentido para quem conhece a carreira e a obra de Cash, pois ela mostra a prisão que se tornou notória por servir de palco para um show realizado por ele logo após se recuperar de uma tenebrosa dependência de anfetaminas, numa gravação que resultou num dos álbuns mais rentáveis de sua carreira. O roteiro volta ao início de sua jornada e se reencontra no meio do caminho, num trabalho biográfico realizado com a competência esperada de uma produção deste calibre. A opção por se concentrar apenas num determinado trecho da jornada do cantor é um aspecto ao qual o roteiro teve que se curvar, caso contrário o filme correria o perigo de ser longo demais, ou mesmo superficial em sua proposta geral.
Para encarnar seu personagem, Joaquin Phoenix aprendeu a tocar o violão do zero. Todas as músicas também são cantadas pelo próprio, assim como é Reese Witherspoon quem solta a garganta quando June sobe ao palco. Quando se pensa no esforço dedicado por um elenco desta forma fica difícil censurar qualquer aspecto nesse departamento, que traz ainda ótimas performances do ex-exterminador Robert Patrick e da novata Ginnifer Goodwin. A história, por sua vez, segue a cartilha das biografias bem-feitas, pontuadas por passagens intimistas e algum conflito, todos eles logo ultrapassados em nome da persona homenageada com a adaptação.
Um pequeno diferencial surge quando a história faz Cash dividir a cena com outras lendas do rock, todos astros em ascensão nas décadas de 50 e 60. O diretor James Mangold mantém Cash na linha, por assim dizer, retratando-o como um músico pró-ativo em dividir o palco e alavancar as carreiras de outros, exatamente como ele o foi em vida (assim atestam seus biógrafos). Mas é sua paixão por June Carter, seu complexo decorrente da reprovação do pai e o talento para fundir a sonoridade country ao rock'n'roll, ao folk e ao gospel que mantém a unidade deste trabalho. Sua vida posterior como ator de TV e cinema e o advento cada vez maior da religião em sua vida nem sequer são mencionados. No final das contas, fica mais uma vez a cargo da platéia, e do quanto ela se conecta musicalmente à figura de Johnny Cash, o real aproveitamento dramático do filme.
Texto postado por Kollision em 1/Março/2006