Para todos os efeitos, A Ira de Khan foi uma seqüência abençoada dentro da série Jornada nas Estrelas. Afinal, foi este filme que provou ser economicamente viável a produção de mais histórias envolvendo a espaçonave USS Enterprise, reacendeu definitivamente a série e, para a eterna felicidade de seus fãs, renovou o gás de Leonard Nimoy em relação à sua visão pessoal do orelhudo Spock, o personagem pelo qual o ator é mais conhecido e que, na época, ele não mais queria personificar. Por motivos óbvios, a história desta continuação será muito melhor apreciada pelos fãs da série antiga, já que ela se origina diretamente de um episódio produzido em 1967, denominado "Space Seed".
Promovido a almirante e afastado do comando de qualquer espaçonave da frota, James T. Kirk (William Shatner) deixa de lado o seu posto burocrático para participar como convidado num vôo de teste da USS Enterprise, durante um exercício para os cadetes treinados pelo seu ex-imediato Spock (Leonard Nimoy). Com boa parte da sua antiga equipe a bordo, incluindo o sempre presente dr. McCoy (DeForest Kelley), Kirk é surpreendido por uma mensagem estranha proveniente de uma estação de pesquisa, e a viagem torna-se então uma missão oficial destinada a impedir os planos de Khan (Ricardo Montalban), um ditador super-humano oriundo do longínquo século XX, evoluído geneticamente e sentenciado há 15 anos pelo próprio Kirk ao exílio num planeta afastado. Possuído pelo desejo de vingança contra Kirk, Khan se apodera da USS Reliant, uma nave da mesma frota da USS Enterprise, e faz de tudo para se apossar de uma super-arma terrafórmica desenvolvida pela dra. Carol Marcus (Bibi Besch), um antigo interesse amoroso do passado de Kirk.
Os efeitos do tempo já são aqui bastante perceptíveis no elenco, principalmente em William Shatner e Ricardo Montalban, o vilão resgatado de um episódio da série produzido quinze anos no passado. Shatner mantém sua aura de líder, conduzindo sua equipe com sabedoria em situações praticamente sem saída. Montalban dá um tempo em seu papel televisivo da série Ilha da Fantasia, e parece se divertir um bocado na pele do megalomaníaco vilão da vez. Apesar de toda a história se concentrar em torno destes dois personagens, o curioso é que, em nenhum momento, eles se enfrentam cara a cara. Os confrontos ocorrem somente por comunicadores e telas de visualização das espaçonaves, o que não deixa de ser um claro indicativo do aperto financeiro da produção. Outros são o reaproveitamento providencial de cenários e o uso de sobras do filme anterior, que felizmente não são tão facilmente perceptíveis e em nada interferem no andamento da história. Para quem está acostumado à estética da série, onde a maior parte da ação ocorre com o capitão sentado e distribuindo ordens a partir da poltrona central do deck de comando, a sensação é de se estar em casa. Infelizmente, nem todo mundo (como eu) compartilha com tanto fervor desse entusiasmo.
O desfecho do filme é anti-climático e pega a platéia de jeito com uma terrível fatalidade, espertamente usada como gancho para a continuação seguinte. Concebido como uma aventura espacial com requintes de emoção e uma grande revelação a respeito do capitão Kirk, o filme perde em seriedade em relação ao anterior, mas é agradável e acaba pecando somente por uma grande ausência: o tema clássico composto por Jerry Goldsmith para Jornada nas Estrelas - O Filme. James Horner faz o que pode numa tarefa impossível e, como esperado, nem chega perto de repetir o fantástico trabalho de seu colega. A curiosidade do elenco é a presença de Kirstie Alley em sua estréia no cinema, na pele de uma aprendiz obstinada do vulcano Spock.
O DVD duplo da Paramount vem com uma faixa de comentários do diretor Nicholas Meyer e uma faixa de legendas com comentários de Michael Okuda, supervisor de arte do seriado. O segundo DVD traz três documentários que variam de 15 min. a meia hora e discorrem sobre o processo de produção do filme, 10 minutos de entrevistas com o elenco principal feitas na época de lançamento do longa, um especial de quase meia hora apresentado por Greg Cox e Julia Ecklar, dois escritores responsáveis por prencher algumas das lacunas da história de A Ira de Khan, storyboards de nada menos que 13 seqüências do filme e trailer original de cinema.
Texto postado por Kollision em 10/Abril/2006