Alguns filmes, a despeito do clichê e da repetição de fórmulas já esgotadas, são divertidos o suficiente para justificar uma sessão rápida ou o passar do tempo numa tarde chuvosa. Nós já vimos aqueles personagens zilhões de vezes em outras situações, sob outros nomes, sob as peles dos mesmos atores, mas vê-los novamente nunca é demais, talvez até desponte uma ponta de nostalgia por obras que tiveram sua era de sucesso e hoje estão imortalizadas na galeria dos bons filmes pipoca. Showtime, que traz uma antes improvável reunião entre Eddie Murphy e Robert De Niro, ícones de gêneros absolutamente distintos no cinema, faz parte desta categoria de descartáveis bacanas, injustamente subestimados por gente que costuma ter uma falta crônica do hormônio que controla o senso de humor.
De Niro estava obviamente empolgado com a experiência de Máfia no Divã (Harold Ramis, 1999), e encarou duas comédias com um co-protagonista em 2002, ano de produção de Showtime (a outra é a continuação A Máfia Volta ao Divã). Nos três filmes, mas particularmente na parceria com Eddie Murphy, seu tino e seu timing para a comédia ficam bastante evidentes. Satirizando muitos de seus papéis passados, ele arranca gargalhadas aqui e ali sem subverter completamente a imagem de durão a ele associada. Murphy, por sua vez, novamente encarna uma variação do Axel Foley de Um Tira da Pesada (Martin Brest, 1984), estrondoso sucesso que colocou-o no mapa das estrelas em Hollywood. O que já está de bom tamanho.
O que coloca lado a lado um detetive seco, pé-no-chão e mal-humorado (De Niro) e um policial que nas horas vagas é metido a ator (Murphy) é o estratagema elaborado por uma executiva de TV (Rene Russo) que dá um jeito de produzir um reality show sobre a vida policial. Aproveitando um momento de fúria de De Niro, ela faz um acordo com o departamento de polícia e transforma os dois em parceiros, passando a filmá-los onde quer que eles vão. A combinação nada convencional de habilidades dos dois é utilizada na investigação de um caso de tráfico de armas arquitetado por um imigrante folgado (Pedro Damián), mas a fama repentina e as constantes rusgas entre os policiais pode encerrar prematuramente tanto o programa de TV quanto a sua improvável parceria.
Além do humor típico de Eddie Murphy e das tiradas irônicas de De Niro, as principais deixas cômicas da história, o que realmente me fisgou a atenção foram as inúmeras referências e tirações de sarro com os clássicos do gênero policial. Dirty Harry, Serpico e Miami Vice rendem linhas impagáveis de escracho, assim como as indiretas desferidas contra a série Máquina Mortífera, em que estiveram envolvidos tanto os roteiristas Alfred Gough e Miles Millar quanto a loira Rene Russo. Mas nenhum material é tão solidamente relembrado quanto a série Carro Comando, originalmente intitulada T.J. Hooker e estrelada por William Shatner na prolífica década de 80. Gordo e ainda lembrando seu personagem de Miss Simpatia (Donald Petrie, 2000), Shatner dá as caras aqui como o treinador de atores que tenta ensinar Robert De Niro a se comportar como um policial do cinema.
O único ponto realmente decepcionante do filme é a trilha sonora de Alan Silvestri para as cenas de ação.
O DVD vem com uma faixa de comentários conjunta do diretor Tom Dey e do produtor Jorge Saralegui, um making-of de quase 15 minutos, 13 minutos de cenas excluídas com comentários opcionais do diretor e trailer de cinema.
Revisto em DVD em 29-DEZ-2006, Sexta-feira - Texto postado por Kollision em 3-JAN-2007