A segunda aventura do personagem que rendeu a Johnny Depp uma surpreendente indicação ao Oscar de melhor ator bateu recordes de bilheteria nos seus primeiros dias de exibição. Está aí um fenômeno que comprova a força do cinema enlatado cuspido pelos estúdios que detêm o maior poder dentro desta indústria. Espernear não adianta, já que, se não fosse Hollywood, alguma outra meca do cinema estaria em seu lugar. E todos nós, pobres cinéfilos escravos deste esmagador monopólio, estaríamos a reclamar da mesma forma. O grande problema é que Piratas do Caribe - O Baú da Morte é dolorosamente fraco como aventura, e em nenhum momento justifica o hype alimentado pela massiva campanha publicitária em torno do seu lançamento. O que infelizmente faz aflorar os ânimos de qualquer espectador com um pouco de cérebro, e desanima quem aprecia um bom filme e um bom cinema, seja ele pipoca ou não.
A trama da vez gira em torno de uma dívida que o estranho pirata Jack Sparrow (Johnny Depp) fez há alguns anos, que envolve seu poder sobre o navio Pérola Negra e volta para assombrá-lo. Davy Jones (Bill Nighy) é o pirata amaldiçoado com cara de lula que retorna para cobrar esta dívida. Para a felicidade de Jack, quem logo vem ao seu encontro é o jovem William Turner (Orlando Bloom), que precisa de sua ajuda para garantir a liberdade da amada Elizabeth (Keira Knightley), aprisionada por um oficial da lei tampinha e ganancioso (Tom Hollander). Sparrow e Turner unem suas forças para escapar das situações desesperadoras em que se encontram e reverter a maré a seu favor, encarando as hordas marinhas de Davy Jones para obter a chave de um baú que guarda a fonte do poder do inimigo.
História desinteressante e canhestra, com muito pouco humor ao longo do caminho e personagens que, incrivelmente, tendem a se tornar cada vez mais antipáticos. Isso graças ao roteiro, que está mais preocupado em demonstrar a cada take o quanto todos os seus personagens podem ser misteriosos e traiçoeiros, ao invés de buscar um vínculo mais sólido entre a platéia e uma história com um ponto de partida confuso demais para um filme inspirado num brinquedo de parque de diversões. O longa-metragem carece de alma, algo que o primeiro Piratas do Caribe tinha de sobra, e se arrasta durante boa parte de suas duas horas e meia de duração sem despertar uma mínima fagulha de verdadeira empolgação pirata, geralmente engolida por uma tonelada de efeitos digitais e situações pra lá de infantilizadas. Nem mesmo a surpresa reservada ao personagem de William Turner, que reencontra o pai (Stellan Skarsgård) entre a tripulação amaldiçoada de Davy Jones, consegue garantir o algo a mais na história.
Lampejos do que foi o primeiro filme só são ensaiados na escapada de Jack Sparrow diante de uma comunidade canibal que o adora com um deus e deseja livrá-lo de sua "prisão carnal", além da grata surpresa reservada para o momento final do longa. Há alguns sustos bem feitos e uma quantidade ainda maior de seres putrefatos, que não conseguem manter a mágica presente na combinação dos estilos "crônica pirata" e "sobrenatural", feita com tão adequada simbiose no primeiro filme. Para um trabalho tão sombrio quanto este, a inocência mambembe de várias das cenas de ação é um contraste que soa quase irracional, e o mais triste é que não é só o diretor Gore Verbinski quem parece ter errado a mão. A trilha sonora de Hans Zimmer é um reaproveitamento vergonhoso de praticamente todos os temas que ele próprio concebera para Gladiador (Ridley Scott, 2000). Os espectadores poderiam passar sem essa, Herr Zimmer...
O Baú da Morte não funciona. Talvez valha a pena para alguns, pelo carinho que os personagens herdaram de A Maldição da Pérola Negra. Fica a esperança de que o encanto volte a aparecer no terceiro filme da série, produzido junto com este e programado para estrear dentro de um ano.
Texto postado por Kollision em 27/Julho/2006